Infecção hospitalar: como a morte de Tancredo mudou rotinas em hospitais do país

Depois da tragédia, cresceu o nível de consciência da população quanto ao problema e mostrou que a doença pode atingir do indigente ao presidente

 Arquivo/Empresa Brasileira de Notícias
(foto: Arquivo/Empresa Brasileira de Notícias )

Na semana anterior descrevemos alguns momentos marcantes da história do controle das Infecções Hospitalares, também denominada, mais apropriadamente de IRAS - Infecções Relacionadas a Assistência a Saúde.

Vimos que, apesar de ser um problema de saúde pública de importância mundial há várias décadas, aqui no Brasil tornou-se uma Lei Federal a partir de 06 de Janeiro de 1997, 12 anos depois da morte do Presidente Tancredo Neves.

A morte do Presidente evidenciou para toda a população um problema até então pouco conhecido do grande público. Mas vejamos o que ocorreu após a morte do Presidente, que mudou a política de Controle de Infecções Hospitalares no país.

A doença do Presidente foi um evento midiático exaustivamente noticiado por todos os meios de comunicação. Boletins médicos sobre a evolução do quadro clinico eram divulgados de forma solene, dando um clima de tragédia com final não desejado para um indivíduo que simbolizava a luta de um povo e uma nova esperança para o país.

Especialistas brasileiros e estrangeiros  foram chamados para falar sobre o assunto e esclarecer o que eram aquelas infecções que, a cada dia, debilitavam a saúde do Presidente. A comoção com o desfecho em 21 de Abril de 1985 expôs uma ferida grave no Sistema de Saúde Nacional, particularmente na assistência hospitalar.

As Infecções Hospitalares e a qualidade da assistência prestada pelos hospitais públicos e privados à população passou a ser questionada pela imprensa, recém-liberada da censura. A fragilidade de todo sistema era patente e patética. Não havia dados oficiais e os poucos que existiam eram de instituições isoladas em algumas regiões do país.

Esse evento elevou o nível de consciência da população e evidenciou para todos, particularmente para a classe dominante, que havia uma problema nos hospitais que atingia do indigente ao Presidente da República de forma indistinta.

Além disso, era uma problema extremamente caro, que comprometia a saúde financeira das instituições, particularmente do SUS, o grande financiador de todo sistema, e das seguradoras e operadoras de plano de saúde, naquela época ainda com atividades incipientes. Percebeu-se que um paciente com  Infecção Hospitalar fica 10 a 20 vezes mais caro para o sistema de saúde do que um doente sem infecção, tendo esses mesmos múltiplos a chance de morrer quando adquire uma infecção.

Outra força impulsionadora dos programas de controle de Infecções foi o surgimento do Procon, que passou a capitanear os questionamentos dos usuários do sistema de saúde. Esse canal deu voz a pessoas que até então não tinham a quem procurar em casos de eventos adversos ocorridos em hospitais. Tais questionamentos geraram, e ainda geram, centenas de processos judiciais contra hospitais, médicos, operadoras de plano de saúde e contra o próprio Estado. A grande maioria das instituições, absolutamente despreparada para enfrentar os questionamentos legais, se viu frágil diante da Justiça.

O próprio Sistema Judiciário encontrava-se despreparado para responder de forma técnica adequada a essa nova demanda, dando margem a decisões equivocadas de toda ordem. Porém, a simples possibilidade de serem processados e expostos à execração pública pela imprensa foi um fator importante para que os hospitais se mobilizassem para instituir os programas de controle de infecções e, posteriormente, adotassem a gestão de riscos não infecciosos.

As infecções hospitalares deram início ao movimento de judicialização na saúde, fato que, nos dias atuais, contribui com um aumento extremamente significativo dos custos do sistema.

O surgimento da Aids, em meados da década de 80, e o número crescente de pacientes internados por esse problema alertaram os profissionais de saúde para os riscos ocupacionais relacionados a essa e outras doenças passíveis de transmissão pelo sangue.  Aos poucos, a reinvindicação por condições mais seguras de trabalho foi ganhando espaço na pauta de negociação trabalhista dos profissionais de saúde. A incorporação de métodos mais seguros para se executar o trabalho nos hospitais, como o uso de luvas para se lidar com sangue e secreção dos pacientes, toalhas de papel para enxugar as mãos, capote, máscara e gorro para executar procedimentos de maior complexidade foram batalhas difíceis de serem vencidas nos anos 80 e 90 do século passado.

A incorporação desses cuidados na proteção dos profissionais de saúde colaborou também, indiretamente, para a proteção também dos pacientes contra outras doenças infecciosas transmitidas dentro dos hospitais.

A adoção de rotinas de precauções e isolamento protege tanto funcionários quanto pacientes, favorecendo a argumentação para a adoção de medidas fundamentais para controle de infecções em ambiente hospitalar.

As exigências legais fizeram com que o próprio estado tivesse que se aparelhar para enfrentar a nova realidade. Foi nessa época que os governos estaduais e municipais começaram a estruturar mecanismos de fiscalização hospitalar. A Vigilância Sanitária passou a preparar equipes para atuarem na fiscalização dos hospitais. Essas equipes foram sendo paulatinamente aperfeiçoadas e tendo uma atuação mais rígida em relação à liberação do alvará Sanitário para serviços de saúde.

Paralelamente, a literatura científica sobre o tema se tornou cada vez mais rica e acessível, elevando o nível de consciência sobre o assunto no próprio meio acadêmico. O interesse pela área abriu espaço para que as faculdades começassem a incluir o tema em seus currículos acadêmicos, motivando alunos a buscarem aperfeiçoamento para assumir o gigantesco campo de trabalho que se abria.

O marketing da qualidade foi outro fator motivador importante para que os hospitais passassem a incorporar os programas de controle de infecções. Vender a imagem de instituição segura e moderna era, e ainda é, sinônimo de ter baixas taxas de Infecção Hospitalar. Os processos de certificação de qualidade assistencial foram progressivamente ganhando espaço na política de melhoria de qualidade dos hospitais, reforçando a importância do controle de Infecções Hospitalares como condição básica para obtenção dos certificados de segurança institucional. 

Nesse sentido, a criação da Organização Nacional de Acreditação hospitalar (ONA) foi fundamental para impulsionar todo o processo e aperfeiçoa-lo.

Por todos esses motivos, o Controle de Infecções Hospitalares evoluiu muito ao longo das últimas 4 décadas no Brasil. O que era no princípio dos anos 80 uma mera formalidade para se conseguir o alvará sanitário de funcionamento passou a fazer parte da vida das instituições como algo a ser levado a sério por razões técnico-administrativas e legais irrefutáveis.

Entretanto, apesar de termos evoluído, ainda temos léguas a percorrer para nos aproximarmos do que hoje é rotina em hospitais americanos e europeus. Uma das maiores e mais desastrosas falhas em nossos hospitais é a deficiência dos laboratórios de microbiologia. Comentamos sobre esse assunto em nossa série deste Portal sobre a Sepses e a Burocracia Letal.

Mal remunerados, pelas operadoras e pelo SUS, os laboratórios de microbiologia foram ao longo de décadas negligenciados e, consequentemente, defasados do ponto de vista tecnológico. Exames demorados geram terapias empíricas com antibióticos prolongadas, caras, ineficazes e produtoras de cepas bacterianas altamente resistentes.

Inexplicavelmente, os gestores públicos e privados não perceberam até hoje que rios de dinheiro são sepultados com os pacientes por falta de uma microbiologia tecnologicamente compatível com a complexidade dos procedimentos incorporados ao longo desse período.

Resultados de exames que chegam em nossas mãos no dia da missa de sétimo dia dos pacientes não servem para nada. Bactérias refletem o comportamento humano e cada sociedade convive com as bactérias que merece. Mudar essa realidade é uma urgência sanitária.

Se você, caro leitor, chegou até aqui, deve estar se perguntando: "Como posso saber se um hospital é seguro no quesito controle de Infecções Hospitalares?

Vão aqui algumas dicas simples, que poderão ajuda-lo na sua escolha:

- Verifique se a instituição em que você ou seu ente querido pretende se internar está com o alvará de funcionamento sanitário em dia.  As instituições são obrigadas a estampar em local visível ao público o documento;

- confira se a instituição possui alguma certificação de qualidade nacional ou internacional. Conseguir estas certificações exige muito esforço organizacional e custa muito caro. Não são uma garantia absoluta de segurança, mas um indício de seriedade e compromisso com o cliente;

- Cheque se existem orientações e condições para higienização das mãos em locais próximos aos pacientes e/ou estratégicos. Isso também não é uma garantia que os profissionais lavarão as mãos com a frequência necessária, mas é mais um importante indício de que cuidados estão sendo tomados neste sentido;

- Se você exigiu que os profissionais higienizassem as mãos antes de toca-lo, e eles o fizeram de bom grado, sem torcer o nariz, é um bom sinal. Mas se todos que chegaram no quarto lavaram ou passaram álcool gel nas mãos espontaneamente, é um excelente sinal;

- Pergunte ao seu médico se ele sabe a taxa de infecção do hospital onde pretende interna-lo. Ainda mais adequado, pergunte se ele sabe a taxa de infecção dele próprio para o procedimento que será realizado. Se ele souber, ou te orientar a procurar o Serviço de Controle de Infecções Hospitalares para se informar, é um excepcional sinal de segurança;

- Observe se existem sinais que alertem quanto a precauções especiais para lidar com os pacientes. Geralmente, são placas de diferentes cores e símbolos que ficam na porta do quarto, ou próximo aos pacientes. Se existirem, é outro ótimo sinal;


- Aspectos gerais são importantes, como, ambiente limpo, profissionais com uniformes limpos, unhas curtas e sem adornos nas mãos (anéis, alianças, etc. ) são um sinal altamente positivo.

Na próxima semana, discutiremos os fatores determinantes e os limites do controle das Infecções Hospitalares. Nem todas as infecções podem ser evitadas, sendo um marcador de gravidade do próprio paciente. Entender esse aspecto é crucial para evitar atritos com os profissionais de saúde e instituições. Gerar um ambiente harmônico é fundamental para que a assistência aconteça da melhor maneira possível. Vamos refletir sobre como você deve se comportar como paciente ou acompanhante para ajudar na prevenção das Infecções Hospitalares.

 

Se você tem dúvidas sobre infecções em geral e hospitalares, mande para cstarling@task.com.br.

 

Aproveito este momento para desejar a todos um Feliz 2020, com saúde, alegria e muita informação importante para que possamos fazer de nossas vidas um espaço de construção de momentos felizes e saudáveis.