Zonas Azuis: 5 lugares pra se morar se você quer chegar aos 100 anos

Ainda não se sabe exatamente o que define as 'Blue zones', mas o mais provável é a combinação determinada por genes, ambiente e o estilo de vida

Needpix
Região da Sardenha, na Itália, é uma das cinco zonas azuis, onde atingir 100 anos de idade é mais comum do que no restante do planeta (foto: Needpix)

Doenças relacionadas ao estilo de vida são uma grande preocupação no momento. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), doenças cardíacas e pulmonares, câncer e diabetes mellitus (DM) são as maiores causas de morte no mundo, responsáveis por cerca de 38 milhões de mortes anualmente, 16 milhões das quais prematuras.

Ainda segundo a OMS, na Europa, cinco doenças em conjunto, entre as quais DM, doenças cardiovasculares, câncer, doenças respiratórias crônicas e distúrbios de saúde mental são responsáveis por cerca de 86% das mortes e 77% da carga de doenças. Estima-se que 80% das doenças cardíacas, derrames cerebrais e DM tipo 2 e que em torno de 40% dos tumores malignos poderiam ser evitados, principalmente por meio de melhorias na dieta e no estilo de vida.

Sendo assim, existe um grande interesse da comunidade científica em conseguir identificar as populações com maior chance de ter maior longevidade e estudar melhor suas características. Áreas “blue zones” (zonas azuis) é como se convencionou atribuir e denominar os locais no mundo onde as pessoas atingem idade centenária mais regularmente. Esses lugares têm despertado a curiosidade de leigos e pesquisadores ao longo dos anos.

Pesquisadores tentam conseguir identificar se existe algum elemento comum entre essas populações no que diz respeito ao estilo de vida que ajudaria a contribuir para uma vida excepcionalmente longa e saudável. São cinco localizações descritas como “blue zones”, entre elas Okinawa, no Japão; Loma Linda, na Califórnia; a região de Barbagia, na Sardenha; a Península de Nicoya, na Costa Rica e Ikaria, na Grécia.

Não se sabe exatamente o que determina a longevidade, mas o mais provável é a combinação determinada por genes, ambiente e o estilo de vida. Nós, profissionais da saúde, o tempo todo reforçamos aspectos que já são de conhecimento da maioria das pessoas, como o de fazer mais exercícios e comer mais vegetais e frutas e parar de fumar ou de comer muito açúcar, beber muito ou sentar-se por longos períodos.

Por outro lado, muitas pessoas consideram as recomendações médicas do tipo “você deve" ou "você não deve" fazer determinada ação como sendo úteis, mas elas carregam muitas vezes uma carga um tanto negativa. Uma maneira mais positiva de se ver isso é a trazer a ideia de que o estilo de vida pode ser um remédio. Mudanças no estilo de vida podem melhorar significativamente nossa saúde, curar algumas doenças e prolongar significativamente nossas vidas.

Em Okinawa, no Japão, está a maior concentração de mulheres centenárias do mundo, cerca de 30 vezes mais do que nos EUA. Isso ocorre por várias razões, mas aparentemente um fator chave é que as mulheres de Okinawa têm uma taxa muito menor de câncer de mama do que as que vivem fora de lá. Acredita-se que uma das razões seja a comida e como ela se expressa nos hormônios e na expressão genética.

Um desses alimentos é o tofu, que os moradores de Okinawa comem regularmente, muito mais do que carne, que é a proteína preferida nos EUA. Eles comem tofu em quase todas as refeições do dia, inclusive no café da manhã. Apesar de possuir fitoestrogênios nos alimentos à base de soja, o que poderia levar a pensar em aumento do risco de câncer de mama, paradoxalmente eles foram considerados protetores contra os cânceres relacionados a hormônios, pois o tofu comido em Okinawa é normalmente não processado e por isso seria um produto ligeiramente diferente.

As pessoas em Okinawa também consomem uma erva chamada otani-watari, que é um tipo de samambaia, e é comum ferver essa erva e incorporá-la em refogados, saladas e sopas. Eles também comem regularmente algas marinhas, que têm um composto chamado astaxantina, ligado à redução de inflamações.

A Sardenha tem 10 vezes mais centenários do que nos EUA e, na maioria das vezes, as pessoas ainda caçam, pescam e colhem seus próprios alimentos. Neste caso, ocorre algo realmente interessante, os grãos integrais e laticínios são grande parte da dieta típica. Os pesquisadores descobriram que os centenários na Sardenha têm grandes quantidades de uma cepa de bactéria muito específica em seus sistemas digestivos, em comparação com outras populações, os lactobacilos.

A bactéria foi encontrada na massa usada para fazer pão, mas, assim como o tofu de Okinawa é diferente, o pão na Sardenha também não é igual ao que habitualmente temos nas padarias, pois tem um fermento na massa inicial que é muito rica em bactérias saudáveis para o intestino.

O queijo na Sardenha também é muito menos processado e é feito com leite integral de ovelha ou de cabra e não de leite de vaca, e é tão rico que apenas basta ingerir um pouco para ficar saciado sendo também rico em lactobacilos. Outras características próprias que diferenciam os moradores da Sardenha: por ser uma região muito montanhosa, o meio de transporte preferido das pessoas é caminhando a pé ou andando de bicicleta, o que, sem dúvida, pode trazer benefícios cardiovasculares duradouros.

Já em Nicoya, na Costa Rica, ocorre a menor taxa de mortalidade de meia-idade do mundo, os moradores chegam a mais de 90 anos sem doenças cardíacas, diabetes, certos tipos de câncer e demência ou obesidade.

Um alimento que pode ser creditado a essas vidas longas e saudáveis para o coração pode ser a tortilha de milho. Os costa-riquenhos fazem tortilhas por um processo mais elaborado do que em outras partes do mundo e o milho é rico em vitaminas e fibras e em Nicoya, eles encharcam o milho para quebrá-lo liberando a niacina (vitamina B3), que fica dentro das paredes dos grãos e está ligada à redução do colesterol e também à prevenção do declínio cognitivo.

As tortilhas de milho ricas em vitamina B3 quase sempre são combinadas com outro alimento básico saudável como o feijão, que é rico em fibras.

Pesquisadores, quando analisaram o DNA e o RNA dos Nicoyans, descobriram que eles tinham muito mais telômeros, que são estruturas protetoras das extremidades das fitas de DNA e RNA. Os telômeros mais longos estão associados a períodos de saúde mais longos com maior número de anos saudáveis e de alta qualidade enquanto telômeros mais curtos estão associados a demência e doenças cardíacas.

A taxa de doenças cardiovasculares em Ikaria, na Grécia, é a metade do que ocorre nos EUA e a demência é apenas um quinto das taxas de lá. Entre as razões estaria a dieta mediterrânea, que já tem dados cientificos demonstrando haver muitos benefícios para a saúde cardiovascular e cognitiva.

Mas a dieta mediterrânea não trata apenas do que se come mas também de todo um estilo de vida ao redor, ou seja, não são apenas os alimentos na mesa que importam, mas outros fatores não relacionados aos alimentos que compõem a base da pirâmide, como o de permanecer fisicamente ativo e ter relacionamentos próximos com a família, amigos e comunidade.

É também uma cultura que respeita os mais velhos. Então, comer uma dieta rica em vegetais, grãos integrais, peixe e azeite de oliva é definitivamente uma grande parte da vida de um Ikariano mas, na verdade, ele também gosta de ter uma boa companhia para apreciar esses alimentos.

È inacreditável mas o quinto local Blue Zone está nos EUA, em Loma Linda, na Califórnia. O que difere a região do resto do país é que a maioria das pessoas que vive lá é adventista do sétimo dia, um ramo do cristianismo que se originou nos EUA em meados do século XIX. Como parte de sua interpretação do cristianismo, os adventistas do sétimo dia geralmente evitam o consumo de carne, álcool e cafeína.

Enquanto o vinho tinto pode estar relacionado à longevidade como consumido livremente em Ikaria, o consumo excessivo de álcool de qualquer fonte está relacionado à redução da expectativa de vida. Da mesma forma, a cafeína: uma quantidade moderada é considerada saudável.

Então, o que dizer da longevidade dos moradores de Loma Linda, já que não consomem álcool nem café? Entre os hábitos de vida deles, está o de não cozinhar com gordura ou sal e, na maioria das vezes, sua dieta consiste simplesmente em vegetais, frutas, nozes e grãos. Também poderia-se creditar às suas crenças espirituais profundamente enraizadas e que provavelmente desempenham um papel em suas vidas longas e saudáveis, diretamente relacionadas a ter um senso de propósito e fortes conexões com a comunidade.


Então, o que as pessoas nas Zonas Azuis fazem que lhes dá uma vida tão longa e feliz? Alguns atributos principais foram postulados pelo jornalista Dan Buettner, que foi quem descobriu os cinco lugares do mundo denominados de Blue Zone.

Ele publicou seus artigos sobre esses lugares no The New York Times Magazine e na National Geographic e também escreveu alguns livros “best sellers” sobre o tema. Buettner agora trabalha em parceria com governos municipais, grandes empregadores e seguradoras de saúde para implementar Projetos Blue Zones em comunidades, locais de trabalho e universidades.

Os Projetos Blue Zones são iniciativas de bem-estar que aplicam as lições das zonas azuis para comunidades inteiras, concentrando-se nas mudanças no meio ambiente local, nas políticas públicas e nas redes sociais. Segundo Buettner, as seguintes características foram identificadas como denominadores comuns dessas pessoas longevas que moram nessas cinco áreas.

- Atividades regulares de baixa intensidade como parte de suas vidas diárias normais;
- Parar de comer quando se sente 80% satisfeito;
- Comer principalmente baseado em uma dieta de vegetais;
- Beber pequena quantidade de álcool diariamente;
- Saber qual é o seu "significado na vida";
- Saber como "reduzir a marcha", ou seja, como desacelerar e relaxar;
- Praticar a fé e participar de cultos;
- Colocar os entes queridos em primeiro lugar;
- Manter boas conexões sociais.

A boa notícia é que há muito que podemos fazer em nível individual, comunitário e nacional para corrigir a tendência crescente de doenças relacionadas ao estilo de vida. Tradicionalmente, a medicina e a saúde estão mais focadas no tratamento de doenças do que em preveni-las. A última década viu o desenvolvimento de uma nova tendência de atuação da medicina no estilo de vida e estamos aprendendo mais sobre as formas complexas pelas quais nossos comportamentos influenciam nosso corpo para produzir doenças.

Em 1993, por exemplo, os pesquisadores descobriram um tipo persistente de inflamação de baixo grau associada à obesidade que poderia explicar os efeitos crônicos do ganho de peso excessivo. Foi depois descrito que essa inflamação silenciosa é induzida não apenas pela obesidade, mas também por uma variedade de fatores do estilo de vida, e é importante no desenvolvimento de muitas doenças crônicas. 

Em 2008, Buettner e sua equipe desenvolveram um plano para aplicar seus princípios de Blue Zones a uma cidade norte-americana. Ele fez um teste em cinco cidades e escolheu a pequena Albert Lea, em Minnesota, para um projeto “Blue Zones Vitality”. A chave para o sucesso envolveu o foco na ecologia da saúde, criando um ambiente saudável, em vez de depender de comportamentos individuais. Os resultados foram notáveis. Como um todo, a comunidade apresentou um aumento de 80% nas caminhadas e passeios de bicicleta e uma redução de 49% nas solicitações de saúde dos trabalhadores da cidade. A comunidade perdeu mais de 5500 kg, caminhou 75 milhões de passos e acrescentou três anos à sua expectativa de vida média. As autoridades municipais relataram uma queda de 40% nos custos de saúde.

Também estamos aprendendo mais sobre como podemos melhorar nossa saúde mental e bem-estar, adotando uma série de estratégias associadas à nova ciência da psicologia positiva. Identificar e usar nossos pontos fortes, desenvolver uma mentalidade otimista, identificar e ser grato pelas coisas boas da vida e praticar a meditação da atenção plena demonstrou aumentar significativamente a felicidade e o bem-estar de uma pessoa e, por sua vez, contribuir para melhorar a saúde.

Na Royal College of Surgeons in Ireland (RCSI), a Universidade de Medicina e Ciências da Saúde da Irlanda, foi lançado em 2020 um novo “Centro de Psicologia Positiva e Saúde”, o primeiro desse tipo no mundo. Nos últimos 24 meses, o RCSI mobilizou mais de dois milhões de pessoas por meio de uma série de palestras de saúde pública e o novo Centro se baseará nisso, fornecendo recursos para equipar as pessoas a desenvolver sua resiliência e otimizar sua saúde e bem-estar.

Se é que podemos dizer assim, um dos impactos “positivos” da terrível pandemia de COVID-19 é que ela nos tornou muito mais conscientes da importância da saúde em nossas vidas. Isso aumentou nossa compreensão do impacto de nossas decisões e ações individuais no gerenciamento de riscos para nós mesmos e para os outros. A higiene adequada das mãos e a etiqueta para a tosse, o uso de máscaras e a manutenção da distância social são mudanças no estilo de vida, e estamos aprendendo que temos uma tremenda capacidade de adaptação. Agora é a hora de mudarmos a maneira como pensamos sobre saúde, para que nos preocupemos não apenas com a ausência de doenças, mas também com nosso bem-estar físico, mental e social.
 
Tem dúvidas ou sugestões? Mande email para arnaldoschainberg@terra.com.br