Entenda por que o infectologista é decisivo no trabalho de salvar vidas

Profissional combate epidemias e atua no tratamento de infecções; é um especialista no estudo das doenças causdas por patógenos diversos

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(foto: Flicker)

As últimas quatro semanas foram dedicadas ao tema sépsis enquanto problema de saúde pública mundial. Trata-se de um tema que envolve múltiplas especialidades e profissionais, dentre esses, o infectologista.

Nas próximas semanas discutiremos assuntos que envolvem diretamente os infectologistas, tais como Arboviroses (Dengue, Zika, Febre Amarela, etc), Aids, Infecções Relacionadas à Assistência a Saúde, conhecidas mais popularmente como infecções hospitalares, Meningites, Sarampo, Vacinas, dentre outros, tão presentes na mídia atualmente.

Todas essas áreas exigem uma abordagem multiprofissional e interdisciplinar, mas o conhecimento infectológico é essencial para cuidar de um paciente específico ou do problema de saúde pública causado por essas doenças de uma maneira geral.

Dessa forma, hoje dedicaremos esta coluna para apresentar-lhes este profissional que, até pouco tempo, era quase desconhecido da população. Claro, como um Infectologista, tenho que declarar meu conflito de interesse e, desde já, pedir-lhes desculpas caso seja por demais exagerado em sobrevalorizar a especialidade que exerço.

Infectologista é o médico especialista que se dedica ao estudo das doenças causadas por diversos patógenos, tais como, vírus, bactérias, fungos, protozoários, príons e animais peçonhentos (cobras, escorpiões, por exemplo). A infectologia é também conhecida como “doenças infecto-parasitárias, ou “moléstias infecciosas e parasitárias”.

As doenças infecciosas fazem parte de praticamente todas as especialidades. Por exemplo, os ortopedistas lidam com as osteomielites, que são as infecções que acometem os ossos. Com frequência os infectologistas são chamados para ajudar no tratamento destes pacientes, principalmente no assessoramento da melhor opção para escolha do antibiótico adequado ao tratamento dos microrganismos causadores da infecção.

O mesmo acontece com os cardiologistas diante de uma endocardite, os clínicos investigando uma febre prolongada, os pneumologistas diante de pneumonias recorrentes, etc. Em todas estas situações e inúmeras outras que envolvem as infecções nas demais especialidades, o infectologista é o profissional de apoio aos colegas na busca da melhor conduta possível para cada paciente.

As grandes epidemias que ocorreram nas últimas décadas, com enorme repercussão na mídia internacional, colocaram a especialidade em evidência. A epidemia de AIDS nos anos 80 e a Gripe Suína provocada pelo vírus da Influenza H1N1, no fim da década passada, são exemplos de epidemias que demandaram a ação de infectologistas de todo o mundo. Nessas situações, os infectologistas fazem parte de um time multiprofissional, que conta com epidemiologistas, estatísticos, virologistas, geneticistas, analistas de sistemas, especialistas em comunicação de massa, etc. 

Outro evento internacional que demandou uma atuação marcante de infectologistas foram os ataques de bioterrorismo nos Estados Unidos, usando Antraz, um microrganismo altamente agressivo, utilizado como arma biológica. Esse evento chamou atenção de todo o mundo para os riscos do uso de microrganismos como armas de destruição em massa, criando pânico no planeta, lembrando episódios da Idade Média, quando partes dos corpos de pessoas mortas pela peste eram lançados sobre as muralhas de fortalezas cercadas por invasores.

Órgãos como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta, nos EUA, contam com infectologistas atuando no planejamento e investigação das mais diferentes epidemias que ameaçam a vida de milhares de pessoas. Os infectologistas compõem as equipes que atuam nos grandes programas de saúde publica ministeriais, como AIDS, hepatites virais, Sífilis, Gonorreia e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs).

O crescimento desordenado das cidades, a carência de saneamento básico, a poluição ambiental, guerras e movimentos migratórios aumentam os riscos de ocorrência de epidemias, fazendo da vigilância e ação rápida de bloqueio, as principais estratégias para  prevenir grandes catástrofes infecciosas.


No Brasil, os infectologistas estão presentes nas equipes de todas as grandes instituições de pesquisa e desenvolvimento científico, como Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Evandro Chagas, o Instituto Butantã, a Fundação Ezequiel Dias (Funed), dentre outras.

Nos hospitais, os infectologistas estão envolvidos em diversas atividades, desde a assistência a pacientes com as mais diferentes doenças infecto-parasitárias, controle de infecções hospitalares, programas de aprimoramento do uso de antimicrobianos, pesquisas clínicas para desenvolvimento de novas tecnologias para tratamento e prevenção de infecções. Porém, sem sombra de dúvidas, a área para a qual os infectologistas mais são demandados nos dias atuais é o aprimoramento e adequação do uso de antimicrobianos

Como vimos nesta coluna há duas semanas, a emergência de cepas multirresistentes é uma preocupação mundial, além de fator de risco para aumento da mortalidade hospitalar envolvendo quadros sépticos. Usar a droga correta, na dose correta, pelo tempo correto, para o microrganismo identificado, frequentemente significa a diferença entre a vida e a morte dos nossos pacientes. Usar antimicrobianos de forma prudente e cientificamente consistente é uma obrigação de todo médico, particularmente, do infectologista, que tem também a função de auxiliar os colegas a identificar as melhores opções terapêuticas para os seus pacientes. A resistência bacteriana crescente, aliada à limitação do nosso arsenal terapêutico, tornou a prescrição de antimicrobianos uma tarefa complexa, que exige conhecimentos detalhados e altamente especializados.

Evidências consistentes, publicadas em diversas revistas científicas de elevado conceito, demostram o impacto da ação dos infectologistas na melhoria da qualidade assistencial dos hospitais. Em 1991, há  28 anos, uma publicação em importante revista de pediatria (Cotton, ME. Pediatrics, 95: 753, 1995) chamava a atenção para o fato de os infectologistas serem um dos profissionais mais consultados de maneira informal pelos seus colegas, sendo superados apenas pelos dermatologistas. Dois anos depois, em 1997, um importante pesquisador do LDS Hospital na Universidade de  Utah- USA, Dr. David Classen, avaliando 496 pacientes internados, observou que a intervenção do infectologista estava relacionado com redução do tempo de internação e dos custos assistenciais com antimicrobianos (Classen et Cols. CID, 24: 468, 1997).

Em 2001, um estudo avaliando 14005 avaliações realizadas pelos infectologistas ao longo de 5 anos, em um hospital de Boston, resultaram no ajuste ou suspensão em 46% das prescrições de antimicrobianos (Yinnon, CID. 33: 1661, 2001). Neste mesmo ano, outra importante publicação demonstrou que a atuação de infectologistas, em parceria com ortopedistas nos casos de osteomielites, reduzia a chance de amputação do membro afetado (Lobatif, Infection, 29: 93, 2001).

Em 2017, importante jornal da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas mostrou que a interconsulta com o infectologista reduzia de forma estatisticamente significativa a mortalidade dos pacientes portadores de bactérias multirresistentes (Burnhan, Open Forum of ID, 2017). No mesmo sentido, foi a publicação feita por pesquisador italiano, mostrando melhor adesão ao protocolo de sépsis, melhoria na utilização de antimicrobianos e redução da mortalidade com participação dos infectologistas na assistência a pacientes graves (Viale, CID,2017).

Publicações antigas e recentes suportam a afirmação de que a participação dos infectologistas no dia a dia dos hospitais melhora os resultados institucionais, reduzindo o tempo de permanência dos pacientes na instituição, reduz a mortalidade, os custos assistenciais e a incidência de bactérias multirresistentes, sendo um profissional fundamental na dinâmica dos hospitais modernos.

Mas temos infectologistas disponíveis para atender a necessidade dos hospitais?! Infelizmente não! Ao longo desses últimos anos, percebo claramente o desinteresse pela especialidade no Brasil e no mundo. O longo tempo de formação e a falta de reconhecimento do ponto de vista de remuneração adequada são alguns dos fatores associados à falta de interesse pela especialidade, indo na contramão das evidências científicas da importância desse especialista.

Nas próximas semanas, discutiremos uma serie de doenças infecciosas nas quais a atuação do infectologista é extremamente importante e faz toda diferença, seja assistindo diretamente os pacientes, seja auxiliando colegas a encontrar a melhor solução para atender as necessidades de cada paciente.

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