Obesidade: estamos precisando de inovação real na área de medicamentos

''Sonho de consumo'' de quem ganhou peso excessivo é por medicamentos com potencial de frear e reverter o crescimento do problema

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(foto: PXHere)

Na coluna da semana passada comentei, entre outras coisas, sobre o crescimento importante da obesidade e sobrepeso no Brasil, uma preocupação especial com o crescimento de obesidade mais severa que tem levado a um aumento exponencial de realizações de cirurgias bariátricas.

As intervenções de saúde pública mais abrangentes para atingir a população como um todo desde o período intra-útero, passando pela infância, adolescência e até a vida adulta e não simplesmente das pessoas individualmente se fazem necessárias mas ainda se mostram tímidas.

A demanda por medicamentos com potencial de frear e reverter o crescimento alarmante do problema da obesidade é imenso e se torna o “sonho de consumo” de todos que tiveram a experiência de ganho excessivo de peso ao longo da vida.

Muitas opções surgiram nos últimos anos mas em várias ocasiões mostraram uma história e trajetória não muito animadora. Mais uma vez, a história se repete com o ocaso de mais um medicamento anti-obesidade promissor, a lorcasserina (Belviq). Recém-comercializado no Brasil, ele será voluntariamente retirado e deixará de ser vendido pelo risco potencial de aumento de câncer de pâncreas, colorretal e pulmão nos usuários quando comparado com quem usou o placebo.

 

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Situações prévias de retirada do mercado de medicamentos para vários tipos de doenças não é novidade. Mesmo após obter aprovação após grandes e importantes estudos científicos, as drogas são monitorizadas após a aprovação da agências de vigilância e, a qualquer novidade, avalia-se a continuidade de seu uso na medicina.

Isso já havia ocorrido antes com outros medicamentos para obesidade alguns anos atrás com a suspensão do uso da dexfenfluramina e o rimonabant no mundo todo e com a sibutramina em vários países na Europa e EUA mas não no Brasil.

Mesmo com a lorcasserina liberada pela agência norte-americana de regulação de alimentos e medicamentos (FDA) em 2012, foi exigida a continuação de pesquisas sobre a segurança a médio e longo prazo. 

 

O término de um importante ensaio clínico randomizado vinha sendo aguardado para sanar a lacuna sobre segurança cardiovascular da lorcasserina. Esse estudo foi publicado na prestigiosa revista médica New England Journal of Medicine em 2019 e foi confirmada a segurança cardiovascular da medicação.

 

Mesmo assim, em janeiro de 2020, após reavaliar os dados de segurança da medicação desse estudo de 2019, o FDA emitiu um alerta de segurança ao constatar um aumento de risco de câncer no grupo que usou a lorcasserina em comparação com quem usou placebo.

 

Em menos de um mês após o alerta, na semana passada, a agência de vigilância comunicou à empresa japonesa que desenvolveu e comercializava a lorcasserina nos EUA que retirasse o produto do mercado norte-americano.

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Um painel do FDA sugeriu que os riscos potenciais eram maiores que os benefícios. No dia seguinte à decisão do FDA nos EUA, a empresa que comercializa a medicação no Brasil comunicou que faria o mesmo no país. Dito tudo isso, na verdade o que quero mesmo comentar aqui hoje nesse espaço seria uma outra questão.

 

O que de fato poderíamos chamar de inovação real na área de medicamentos?

 

O autor de um interessante editorial sobre esse assunto, o Dr. John S. Yudkin, do departamento de medicina da University College of London, fez o seguinte raciocínio comparativo para entendermos seu ponto de vista. No campo das comunicações, houve uma inovação real com o advento do telefone. Depois de alguma evolução, essa tecnologia deu um grande salto com o advento do telefones celulares. Nos primórdios, os telefones celulares permitiam chamadas, textos e alguns jogos rudimentares. Depois um grande avanço ocorreu com o surgimento dos smartphones, uma ferramenta de comunicação completa, não apenas com voz e mensagens de texto, mas e-mails, acesso à internet e câmera fotográfica.

Entretanto, depois da era de smartphones, nos últimos anos temos visto que as mudanças foram marginais, com telas maiores, maior duração da bateria, melhores câmeras ou processadores mais rápidos, e essas pequenas alterações resultaram predominantemente em aumento de preços.

 

Depois dessa simplista analogia e voltando para os produtos farmacêuticos, a revista Prescrire introduziu um sistema de classificação de medicamentos em sete classes, algumas como 'Bravo' (mais alto), 'um avanço real' (segundo mais alto) para 'não aceitável '(mais baixo).

 

Na primeira década do século, apenas 17 dos 984 novos produtos e usos foram classificados entre as duas categorias mais altas. Então, ao fazer analogias com muitos dos novos medicamentos podemos pensar em comparar se eles estão mais para um telefone fixo, um telefone celular ou o smartphone mais recente?

 

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As evidências muitas vezes apontam que alguns novos medicamentos se parecem mais a telefones fixos sem fio, sendo um pouco melhores, já que podemos andar com alguma liberdade dentro de certos limites, mas ainda precisaremos estar próximos de uma base para receber a chamada.

 

Entretanto, pela perspectiva de custo, eles estão mais para o mais novo smartphone do mercado, com preço alto e sendo elogiado por benefícios mas não suportados por evidências.

 

Mas ao analisar as novas medicações, o cenário é bem diferente do que para essa simples analogia do telefone. Com os smartphones, no final das contas, a escolha é pessoal e os custos vão ditar qual modelo os indivíduos escolherão para comprar. Já para os medicamentos, essas decisões são tomadas por nós, médicos, e cada vez mais deveríamos fazer as escolhas baseando-nos em decisão compartilhada com os pacientes, pesando prós e contras e levando em conta o custo.

 

A questão do benefício para o indivíduo deve se estender além do julgamento clínico mas levando em consideração também a visão econômica de gastos da saúde, ou seja, cada real gasto em um mais novo remédio caro custa um real a menos no bolso do indivíduo ou no orçamento da saúde pública. 

 

Voltando à questão da obesidade, o foco em novos medicamentos se torna cada vez mais importante mas, devido ao aspecto da complexidade da abordagem do problema, os produtos farmacêuticos são apenas uma peça desse intrincado quebra-cabeça.

 

Dieta, estilo de vida, comorbidades e a saúde mental também contribuem substancialmente para os resultados. Além do mais, para usar o exemplo do smartphone para se poder usar o modelo mais recente em seu potencial máximo, a rede e a largura de banda necessárias também precisam evoluir. Da mesma forma que, nas doenças, apenas os medicamentos não bastam.

Como devemos olhar para várias outras patologias, na obesidade, além de inovação real de novos medicamentos, também precisaremos ver outros tipos de inovação, seja na assistência médica ou outras estratégias não medicamentosas que possam atuar em várias frentes nos múltiplos fatores determinantes da escalada do aumento de peso da população mundial.

 

Se você tem dúvidas e sugestões, mande para arnaldoschainberg@terra.com.br