A difícil arte de comer de forma saudável

Edésio Ferreira/EM/D.A Press
(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Uma situação complicada, à medida que vou ficando mais velho e quanto mais estudo, é de que vou ficando com mais dificuldade de responder a uma pergunta simples e frequente. Quando me perguntam o que seria uma dieta saudável, tenho grande dificuldade de responder com base científica. Não que esse assunto não venha sendo pesquisado à exaustão, mas pelas dificuldades dos estudos científicos serem capazes, de forma inequívoca, de sanar as questões de forma conclusiva.

Muitos estudos sobre alimentação e risco à saúde são publicados o tempo todo na literatura científica. São divulgados com grande alarde pela mídia e se alastram rapidamente na internet. Mas frequentemente apresentam grandes limitações metodológicas e esses estudos não conseguem excluir vários fatores de confusão que acabam comprometendo a interpretação dos resultados. Muitas vezes se baseiam em estudos de associação e as pesquisas não conseguem de forma direta relacionar com clareza o fenômeno de causa e efeito. A mensagem que fica na percepção do senso comum na população geral é a de que, ao serem divulgados os dados dos estudos na área da nutrição, fica sempre a impressão de que o alimento 'A' é mais saudável, e que o alimento 'B' é prejudicial à saúde. Isso acaba ocorrendo mesmo que as pesquisas divulgadas não tenham como tirar essas conclusões de maneira simplista e direta como aparecem nas manchetes.

Todas as pessoas comuns têm boa intenção em querer se alimentar de modo mais saudável possível. Hoje em dia, entretanto, cada vez mais vejo as pessoas adotarem os mais diversos tipos e estruturas de dieta (vegano, vegetariano, low carb, low fat, dieta cetogenica, dieta paleolítica, jejum intermitente, etc) e passam a defender, com 'unhas e dentes', de forma passional, seu modo de se alimentar como se defende uma religião ou um time de futebol, guardada as devidas proporções, mesmo que as evidências da literatura nos levem a mais dúvidas do que certezas.

Após uma palestra no encontro da Associação Americana de Cardiologia em 2018, o doutor Frank B. Hu, MD, PhD do departamento de nutrição e epidemiologia de Harvard, deu uma entrevista, na qual comentou que de fato não existe uma dieta única que possa se encaixar igual para todo mundo. Ele disse ainda que pode-se combinar alimentos de várias maneiras flexíveis para alcançar padrões alimentares saudáveis que podem ser adaptados para atender às necessidades individuais de saúde, preferências alimentares e tradições culturais ou religiosas. Recomendou ainda que, tanto os autores, os periódicos científicos e a mídia em geral deveriam evitar o sensacionalismo e exagero nos resultados das pesquisas.

O pesquisador de Harvard comentou que estudos recentes não são necessariamente melhores ou mais confiáveis do que os anteriores e é sempre importante observar a totalidade das evidências dentro de um assunto. Quando questionado sobre qual conselho daria para as pessoas confusas sobre pesquisa em nutrição, Frank Hu disse: 'Ao ver uma manchete sensacionalista sobre nutrição, pergunte o quão confiável é o estudo e como ele se encaixa no restante da literatura. A pesquisa científica é um processo em evolução e as contradições entre os estudos publicados são inevitáveis e fazem parte do método científico mas essa contradições trazem confusão para o público, uma vez que a mídia tende a simplificar demais os estudos e o contexto das linhas de pesquisa. Portanto, é importante ser cético ao ver a divulgação de dietas mágicas ou perfeitas, ou opiniões exageradas sobre estudos nutricionais”.

Mesmo com todas as incertezas, fica ainda mais difícil querer comparar e estabelecer as dietas como uma disputa competitiva em um modelo de 'campeonato'. Mas existe sim este tipo de classificação. Periodicamente, há 10 anos, o painel 'US News and World Report' divulga um ranking das melhores dietas. Nesse painel, um grupo constituído de 25 juízes, entre eles o diretor fundador do Centro de Pesquisa em Prevenção da Universidade de Yale, doutor David Katz. O 'US News and World Report' analisa várias características que incluem equilíbrio, manutenção, palatabilidade, convivência familiar, sustentabilidade e saúde.

Pelo terceiro ano seguido, a 'dieta mediterrânea' recebeu a melhor pontuação nesse ranking das dietas em todos os quesitos avaliados. Essa mesma dieta também conquistou o primeiro lugar na melhor estratégia para uma alimentação saudável, na dieta mais fácil de seguir, na melhor dieta baseada em plantas e na melhor dieta para diabetes.

Outra dieta bem avaliada foi a DASH (Abordagem dietética para parar a hipertensão), criada nos final dos anos 1990 pelo NHLBI (Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue) nos Estados Unidos, para controlar a pressão arterial. Sua premissa é simples, a de comer mais vegetais, frutas e laticínios com baixo teor de gordura e redução de qualquer alimento rico em gordura saturada e limitação da ingestão de sal. Apesar de atualmente muito badalada, a famosa dieta cetogênica, nesse ranking, ficou em último lugar entre as 35 dietas avaliadas e um pouco à frente da obscura dieta Dukan.

Mesmo assim, a dieta cetogência ficou em terceiro lugar no quesito entre as dietas que levam a perda de peso mais rápido. Eu, particularmente, não gosto deste tipo de ranking e fico de fora dessa discussão de qual dieta é melhor ou pior. Não consigo ver esse assunto como uma competição e o assunto é muito mais complexo do que parece. Prefiro usar o bom senso de evitar os excessos de sal, açúcar e produtos ultraprocessados. Gosto da definição do jornalista americano Michael Pollan, que fala em comer comida de verdade e alimentos menos industrializado possível. Pollan sugere que o ato de cozinhar teria o poder de nos tornar mais saudáveis e cunhou essa ótima frase: 'não coma nada que sua avó não reconheça como comida'.