Adoçantes ajudam a emagrecer ou aumentam o peso?

Os adoçantes diferem dos açúcares não apenas em seus propriedades do paladar, mas na forma como o corpo os metaboliza e como afetam os processos fisiológicos

Beto Magalhães/EM/D.A press - 3/8/05
(foto: Beto Magalhães/EM/D.A press - 3/8/05)


Na semana passada, tínhamos falado sobre o ganho de peso das pessoas durante a pandemia e abordamos alguns aspectos sobre os adoçantes não calóricos, e mencionei estudo sobre potencialidade na esteatohepatite não alcoólica do Rebaudiosídeo A (extrato da folha da estévia).

Hoje, comento um outro aspecto também sobre os adoçantes que gera muitas dúvidas nas pessoas e também na literatura científica.

Há anos como endocrinologista, escuto com frequência um comentário irônico por parte de amigos não médicos que me falam brincando que acham que adoçante deve engordar pois eles só encontram pessoas obesas consumindo.

Sendo assim, fica a dúvida se de fato os adoçantes ajudam a emagrecer ou levam a aumento de peso?

A maioria dos adoçantes até agora era sintética, mas através de pesquisa de engenharia de alimentos houve desenvolvimento e processamento de um número de outros compostos naturais que tem aumentado. Os adoçantes diferem dos açúcares não apenas em seus propriedades do paladar, mas também na forma como o corpo os metaboliza e como afetam os processos fisiológicos.

Eles são geralmente mais doces que a sacarose, mas contêm muito menos ou até nenhuma caloria. Cada adoçante é único em sua intensidade de doçura, persistência do sabor doce, o revestimento dos dentes e o sabor residual.

Muitas comorbidades estão relacionados ao sobrepeso e obesidade, e o consumo excessivo de alimentos e bebidas açucaradas e com alto teor calórico é um dos principais contribuintes da epidemia de obesidade.

Em resposta a esse grande aumento da prevalência da obesidade, o marketing global de produtos com adoçantes como alternativas saudáveis aos alimentos açucarados aumentou. Há no entanto, evidências que apoiam o uso desses produtos com adoçantes para redução ou manutenção da perda de peso, mas existem alguns estudos mais recentes apontando uma associação entre o consumo de adoçantes e o ganho de peso.

Enquanto nos estudos observacionais o consumo de adoçantes tende a estar associado a efeitos desfavoráveis do peso (ganho ou nenhuma alteração no peso), por outro lado os estudos randomizados são mais propensos a mostrar perda de peso. 

Não está claro, no entanto, se a substituição do açúcar na dieta por adoçantes não calóricos possa reverter as consequências para a saúde do consumo excessivo de açúcar.

Embora existam algumas condições, como cárie dentária, em que a substituição é claramente benéfica, a evidência de outros resultados de saúde, como perda de peso, prevenção de diabetes e efeitos sobre doenças cardiovasculares (DCV) ainda não está muito clara

Os mecanismos exatos pelos quais os adoçantes possam afetar adversamente a saúde ainda não estão totalmente conhecidos, mas provavelmente incluem disbiose (alterações no microbioma intestinal) e impactos na sinalização intestino-cérebro, compensação de energia, ativação de receptores doces, preferências de gosto e percepção de recompensa alteradas, expectativas calóricas incongruentes e alterações na sinalização de neuropeptídeos intestinais.

Adoçantes sintéticos (artificiais) incluem a sacarina, ciclamato, alitame, acessulfame de potássio, sucralose, aspartame, vantame e neotame. Embora a neohesperidina dihidrochalcone seja tecnicamente um derivado de um adoçante natural (flavonóide), ela é quimicamente modificada ao ponto de classificação sintética.

Já os adoçantes derivados naturalmente incluem compostos glicosídicos e não glicosídeos. Os glicosídeos incluem a primeira geração de polióis (por exemplo, sorbitol, xilitol e eritritol), estevia e extrato de luo han guo (fruta do monge). Os não glicosídicos, polióis de segunda geração incluem maltitol. Os compostos nitrogenados não glicosídicos incluem a taumatina e o derivado flavonoide da brazzeína.

A variedade de adoçantes aprovados em diferentes países varia. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Food Drug Administration (FDA) aprovou seis tipos para consumo e não permite o ciclamato, enquanto na União Europeia a lista de aprovados é mais amplo (por exemplo, incluindo ciclamato).

Foi publicada no British Medical Journal (BMJ) em 2019 uma revisão sistemática e metanálises de estudos randomizados e ensaios clínicos randomizados e não randomizados e estudos observacionais.

Nessa publicação com uma grande revisão da literatura dos ensaios clínicos randomizados, não foram vistas diferenças na mudança de peso corporal entre adultos quando se comparou o consumo de vários tipos diferentes de adoçantes com consumo de açúcares ou placebo. 

Nessa mesma revisão do BMJ baseado em dois ensaios clínicos randomizados, os níveis de glicemia de jejum levemente mais baixos nos grupos que receberam aspartame ou uma combinação de adoçantes do que nos grupos que receberam açúcar.

No entanto, não foram encontradas diferenças nos níveis plasmáticos de insulina ou na resistência à insulina e na função das células β (que produzem a insulina pelo pâncreas).

Já em relação à ingestão energética e apetite, os dados agrupados de quatro ensaios clínicos randomizados mostraram que o consumo médio diário de energia foi menor em torno de 250 kcal nas pessoas que receberam adoçantes do que naqueles que recebiam açúcar.

Os estudos que compararam a ingestão de açúcar e preferência doce usando os dados agrupados do efeito de três ensaios clínicos randomizados mostraram que a ingestão diária de açúcar foi menor em 89,71 g nos adultos que receberam  adoçantes comparado com os que receberam açúcar.

Adoçantes de baixa caloria foram desenvolvidos para fornecer sabor doce sem as calorias. Algumas teorias mais recentes têm aventado uma ligação dos adoçantes a receptores de sabor extra-orais no pâncreas e no intestino que poderiam influenciar a absorção e transporte de glicose ou alterando liberação de hormônios intestinais e o metabolismo da glicose.

Os mecanismos centrais no cérebro também poderiam desempenhar um papel. Por exemplo, sugeriu-se uma teoria do “desacoplamento” em que ocorreria uma dissociação entre o sabor doce do alimento sem o recebimento concomitante de fonte de energia, levando a um enfraquecimento das respostas condicionadas aos sabores doces.

Nesse caso, essas respostas, como a liberação de incretinas (hormônios intestinais), que ajudam a regular o metabolismo da glicose, a hipótese é que estariam reduzidas suas concentrações, levando ao desenvolvimento subsequente de intolerância à glicose.

O suporte para essa hipótese de “desacoplamento” vem de uma série de estudos em roedores que relatam ganho de peso ou intolerância à glicose em ratos. Em artigo recente publicado na revista científica Cell Metabolism a respeito da possibilidade de que o consumo de bebidas adoçadas com sucralose associado com carboidratos poderia prejudicar a sensibilidade à insulina.

No estudo liderado pela diretora do Centro de Pesquisa em Dieta e Fisiologia Moderna da Universidade de Yale, Dana M. Small, PhD, foi testada essa hipótese do “desacoplamento”. Os autores inscreveram 45 participantes com idades entre 20 e 45 anos que normalmente não consumiam adoçantes.

Os voluntários consumiram sete bebidas de 355ml com sabor de frutas com adição apenas de sucralose, ou apenas de sacarose ou com uma combinação do carboidrato (maltodextrina) adicionada às bebidas com sucralose como grupo controle por 2 semanas. Os pesquisadores escolheram a maltodextrina, um carboidrato não doce, para controlar as calorias do açúcar sem adicionar um sabor mais doce à bebida. 

Os participantes foram conduzidos a avaliação antes, durante e após o período de teste, incluindo a realização de exames de ressonância magnética funcional para observar mudanças no cérebro em resposta a sabores doces, bem como outros gostos como salgados e azedos.

Eles também mediram a percepção do paladar e fizeram um teste oral de tolerância à glicose para verificar a sensibilidade à insulina. Os autores descobriram que consumir o adoçante em combinação com o carboidrato, mas não sem ele, diminuiu as respostas metabólicas e neurais vistas no consumo do açúcar, sugerindo que consumir adoçantes com alimentos ou bebidas contendo carboidrato poderia afetar negativamente a saúde metabólica.

A percepção do paladar permaneceu inalterada. Dana Small e sua equipe adicionaram um segundo grupo controle, no qual os participantes ingeriam apenas bebidas com maltodextrina. Eles não encontraram evidências de que o consumo de bebidas contendo apenas maltodextrina durante um período de sete dias alterasse a sensibilidade à insulina e o metabolismo da glicose.

Os achados indicaram então que o consumo de sucralose na presença de um carboidrato prejudicou rapidamente o metabolismo da glicose e resultou em diminuições a longo prazo no cérebro, mas não perceptivas na sensibilidade ao sabor doce, sugerindo desregulação do controle intestinal do metabolismo da glicose. Não foram observadas alterações após consumo de bebidas com sucralose, sacarose ou maltodextrina sozinhos.

Segundo os autores, esses resultados não deram suporte à hipótese de “desacoplamento” do doce, mas sugeriram que o consumo de sucralose simultaneamente com o carboidrato poderia produzir rapidamente efeitos deletérios sobre a saúde metabólica.
 
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