Adoçantes artificiais e suas polêmicas intermináveis

Uma das maiores dúvidas nos consultórios é sobre a importância do uso de adoçantes artificiais e se o seu consumo causa risco à saúde

Marcos Santos/USP Imagens
(foto: Marcos Santos/USP Imagens)

Ainda estamos com a pandemia dominando a vida das pessoas e o Brasil já se encontra como o epicentro da doença. Porém, de forma heterogênea, alguns estados e cidades estão com realidades mais dramáticas.

Aqui em nossa Minas Gerais fica a apreensão e a pergunta constante de quando será o pico, ainda assim tem algum grau de tranquilidade por termos estrutura hospitalar de CTI e respiradores que ainda não estão supersaturados ou em estado de calamidade.

Mesmo neste cenário, a vida para muitas pessoas aos poucos vai voltando ao “normal” (ou novo normal). Já temos flexibilização do confinamento e muitas atividades econômicas já em pleno funcionamento. 

Nos consultórios, já percebemos o retorno dos pacientes que tinham se retraído e deixado de fazer suas consultas de controle de doenças crônicas.

Tenho visto que a maioria das pessoas que permaneceu ou permanece ainda em confinamento parcial têm uma queixa comum. É um efeito colateral mais do que esperado nesses dias de restrição domiciliar, ou seja, o incômodo ganho de alguns quilos extras e isso tem sido a regra, segundo levantamento de um grupo de pesquisadores, que avaliou por meio de um questionário on-line.

Nesse questionário, respondido por 1.470 pessoas e que levou em consideração o Índice de Massa Corporal (IMC), o tempo de isolamento e a alimentação durante a quarentena, a variação de peso foi considerada quando superior a um quilo.

O estudo apontou que hábitos como prática de atividades físicas e consumo de álcool tiveram impacto na variação de peso da população. Quase metade dos entrevistados (48,1%) afirmou sentir mais vontade de comer, mesmo quando não estava com fome, mas 44% afirmaram que não mudaram os hábitos alimentares.

Segundo a mesma pesquisa, 23% dos entrevistados ganharam peso e 17% relataram que emagreceram. De acordo com o levantamento, o ganho médio de peso foi de 2,8kg, variando entre 1,1kg e 12kg, com o maior ganho ocorrendo entre participantes que estavam isolados há mais de 45 dias. 

Vários aspectos poderiam ser considerados para abordar a questão do aumento de peso. Hoje, escolhi falar de uma dúvida comum entre os pacientes: qual seria a importância do uso de adoçantes artificiais e se o seu consumo causa risco à saúde.

O tema sobre qual é o risco da ingestão desses produtos é recorrente nas publicações científicas há décadas, desde o surgimento dos adoçantes artificiais.

As informações, quando chegam nas manchetes dos noticiários, levam a dúvidas e preocupações por parte dos pacientes que ficam perdidos do que fazer ao escolher produtos alimentícios que possuem essas substâncias. Há muita controvérsia em torno dos efeitos dos adoçantes na saúde humana.

Adoçantes ou edulcorantes são normalmente não calóricos ou com muito baixo teor de calorias e surgiram como uma opção ao uso do açúcar para redução de ingestão calórica total. Alguns adoçantes são produtos naturais, derivados de plantas, enquanto outros são sintéticos ("artificiais").

A premissa desse tipo de produto seria tanto de ajudar os obesos restringindo calorias extras desnecessárias e tentando contribuir para perda de peso, ou então, para os pacientes diabéticos desfrutarem de alternativas de consumo de alimentos com sabor adocicado, mas evitando o consumo de açúcar, o que poderia piorar o controle da sua glicose no sangue.

Nos anos 1970, estudos em animais levantaram preocupações de que a sacarina poderia causar câncer de bexiga em roedores, e na época o Food and Drug Administration (FDA) removeu a designação de uso seguro da sacarina em 1977. No entanto, avaliações posteriores demonstraram que não havia relação entre o consumo de sacarina e o desenvolvimento de doenças malignas em seres humanos, e o selo de segurança do FDA foi restaurado.

Atualmente, não há evidências de que o uso de qualquer um dos adoçantes disponíveis aumente o risco de câncer em humanos. Apesar dos conhecimentos terem avançado, muita confusão e desinformação esses estudos antigos ainda causam até hoje.

O Comitê de Especialistas em Aditivos Alimentares da Organização de Alimento e Agricultura (FAO) e Organização Mundial da Saúde (OMS) fornecem avaliação dos riscos e fazem recomendações para o nível seguro de ingestão diária aceitável dos aditivos alimentares com base em estudos científicos, e o nível de segurança de ingestão diária é bem alto.

Uma linha de pesquisa recente publicada na Nature Research, os autores estão preocupados com a esteatohepatite não alcoólica (NASH) e avaliam o possível impacto da substituição de bebidas açucaradas por adoçantes não calóricos. As bebidas açucaradas são agora bem reconhecidas por terem graves consequências para a saúde humana e seu consumo é um fator de risco independente conhecido para NASH.

As estratégias de tratamento atuais para NASH têm se concentrado no gerenciamento do estilo de vida de fatores de risco modificáveis, por meio de uma combinação de dieta e exercício. No entanto, apesar dos agentes farmacêuticos atualmente em estágios avançados de testes clínicos, o NASH está no caminho previsto para se tornar o principal motivo do transplante de fígado em um futuro próximo se não fizermos alguma intervenção. Portanto, é essencial continuar a explorar novas terapias para NASH. 

Os adoçantes não calóricos são aditivos alimentares que fornecem doçura sem calorias e são considerados seguros e não são metabolizados pelo fígado. Assim os adoçantes não calóricos como aspartame, sucralose, sacarina e Rebaudiosídeo A têm aumentado em popularidade e uso. O papel potencial de novos adoçantes na regulação da NASH permanece desconhecido.

No entanto, há uma evidência limitada dos benefícios do consumo frequente de substitutos do açúcar com esses adoçantes não calóricos. Isso é especialmente verdadeiro para um dos adoçantes mais recentes: o Rebaudiosídeo A, que é um extrato da folha de estévia que fornece sensação doce sem ter calorias. 

A literatura recente relatou que o Rebaudiosídeo A poderia desempenhar um papel no metabolismo da glicose e foi até relatado que melhoraria o índice de glicose-insulina pós-prandial, e que seu consumo poderia resultar em perda de peso em camundongos alimentados com dieta rica em gordura. Essas observações sugeriram um papel potencial do Rebaudiosídeo A no metabolismo da glicose em geral e na função do fígado, e em particular na NASH.

No estudo da Nature Research, os autores declararam não ter conflito de interesse e a pesquisa contou com recursos do Instituto Nacional de Saúde norte americano. O estudo teve como objetivo determinar o impacto dos adoçantes mais recentes, incluindo Rebaudiosídeo A e sucralose, no NASH usando modelo de camundongo com obesidade induzida por dieta rica em gordura, substituindo frutose e sacarose pelos adoçantes na água potável.

Foi mostrado que os adoçantes não tiveram impacto no ganho de peso e no balanço energético da obesidade induzida por dieta rica em gordura. No entanto, em comparação com frutose e sacarose, o Rebaudiosídeo A melhorou significativamente as enzimas hepáticas, a esteatose hepática e a fibrose hepática.

Além disso, o Rebaudiosídeo A melhorou as expressões gênicas relacionadas ao estresse do retículo endoplasmático, níveis de glicemia de jejum, sensibilidade à insulina e massa celular restaurada das ilhotas pancreáticas, inervação neuronal e composição do microbioma. O autores então concluíram que o Rebaudiosídeo A melhorou significativamente o NASH murino, embora os mecanismos subjacentes requerem investigação adicional.

Minha mensagem final vai ao encontro ao que já escrevi aqui neste espaço na coluna “A difícil arte de comer de forma saudável” em fev/2020. Se alimentar saudável é difícil de conceituar e não devemos esperar que um tipo específico de nutriente ou adoçante artificial sozinho irá prejudicar ou melhorar nossa saúde. Ter alimentação saudável é um conjunto de atitudes e hábitos que irão produzir um efeito mais consistente e duradouro. 

Até o momento, não temos dados conclusivos e não podemos nem incriminar nem incentivar o consumo exagerado de adoçantes artificiais, mas não está proibido e é apenas mais uma ferramenta eventual para tentar cortar o excesso de calorias desnecessárias.

Na semana que vem, voltarei a este assunto e falarei de outro aspecto muito perguntado pelas pessoas: adoçantes ajudam a emagrecer ou aumentam o peso?