Recall de medicamentos não é motivo para abandono imediato do tratamento

Toda mudança de tratamento deve ser discutida com seu médico. Nada de jogar os medicamentos no ralo e não avisar o médico que te acompanha

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(foto: Guiadafarmacia.com.br/reprodução)

"Querida, você acredita que o medicamento que eu tomo agora está causando câncer? É verdade, acabou de anunciar no jornal." Os medicamentos visam tratar doenças e melhorar a vida das pessoas. O desenvolvimento, a produção e a manutenção deles demandam o uso de muita tecnologia e conhecimento, além da vigilância contínua de qualidade.



Esta semana, foi anunciado por dois laboratórios – Medley e Achè – o Recall da Ranitidina, um medicamento muito utilizado no tratamento de dores e doenças do estômago. Recebi diversas ligações e mensagens dos meus pacientes para orientar e esclarecer sobre as notícias veiculadas e acho interessante tentar ajudá-los a entender essa situação.

Para o desenvolvimento de um novo tratamento ou remédio são necessários vários anos de trabalho árduo de pesquisa, sob fiscalização intensa de órgãos nacionais e internacionais. As pesquisas avaliam e incluem de maneira gradativa as pessoas e têm como objetivo comprovar a segurança, eficácia, dose e risco/benefício. Esse processo pode demorar mais de uma década e, após registrado, o composto ainda permanece sob farmacovigilância que monitora a qualidade do produto e possíveis efeitos adversos, colaterais e até mesmo novas indicações.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou em setembro de 2019 a proibição cautelar e preventiva da importação, uso e comercialização de Ranitidina proveniente da empresa indiana Saraca Laboratories Limited devido a presença de N-Nitrosodimetilamina (NDMA), outras agências internacionais como FDA (Food and Drug Administration), EMA (European Medicines Agency) e Health Canada também realizaram medida semelhante.

Ainda que essa substância seja encontrada na água potável e outros alimentos, alguns estudos em animais demonstraram que em doses maiores ela pode ser potencialmente cancerígena, portanto, a presença em insumos para produção de medicamentos é inadmissível.

"Eu devo parar de tomar imediatamente meus remédios?" Definitivamente não. Toda mudança de tratamento deve ser discutida com o seu médico, nunca interrompa nenhum tratamento baseado em notícias ou redes sociais. Nada de jogar os medicamentos no ralo e não avisar o médico que te acompanha.

O assunto ganhou a mídia devido ao anúncio desta semana a respeito do recall dos laboratórios Medley, Achè, EMS, Legrand, Nova Química e Germed que irão recolher a Ranitidina de alguns lotes específicos, atendendo às determinações da Anvisa.

A Ranitidina não está proibida e não causa câncer, continua sendo um medicamento seguro e adequado para os seus propósitos. Atua como antagonista de receptores de H%u2082 reduzindo a acidez e secreção produzida no estômago, necessária para o tratamento de diversas doenças. O Recall dos lotes específicos é uma medida preventiva e cautelar, uma vez que seria necessário o consumo da substância por muitos anos para aumentar em menos de 1% a chance de desenvolver câncer. 

Há muitos casos famosos em que a farmacovigilância foi essencial para proteger a população. Alguns medicamentos que eram utilizados normalmente foram suspensos devido à notificação de eventos adversos. Talidomida e Misoprostol são exemplos tristes na nossa história de medicamentos que foram utilizados por grávidas e observou-se como evento adverso a má formação fetal e a indução de parto, podendo causar inclusive o aborto.

É muito importante lembrar que é extremamente difícil realizar etapas de pesquisa com grávidas, o que dificulta a avaliação do uso de medicamentos por esse grupo de pessoas. Devido a essa dificuldade, a regra é não utilizar o que não se tem comprovação da real segurança.

A farmacovigilância realizada pela Anvisa é uma das atividades que compõem o nosso sistema de saúde. O SUS é muito mais complexo do que a maioria das pessoas consegue imaginar e, graças a essa atuação, é possível assegurar a qualidade do que é produzido e consumido pela população, garantindo segurança, eficácia e disponibilidade.

A Anvisa ainda garante que a indústria farmacêutica cumpra o compromisso de manter a disponibilidade de medicamentos, além de sempre oferecer alternativas aos tratamentos existentes – esta é uma forma de garantir que ninguém seja prejudicado pela falta de medicamentos.

De forma geral, esse alerta é para alguns lotes de Ranitidina específicos o que não inviabiliza o uso quando houver indicação. Todo e qualquer anúncio acerca de tratamentos ou substâncias devem ser analisados com bastante critério.