Redução de peso e diabetes: Cirurgia bariátrica ou cirurgia metabólica?

Medicina ainda se debruça sobre o grau de perda de peso necessário para atingir a remissão da doença com intervenção dietética e a capacidade do paciente de manter a perda de peso para sustentar a remissão do diabetes

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(foto: Pixabay)

Nas últimas duas colunas iniciei uma trilogia abordando diabetes mellitus tipo 2 (DM2), que termino hoje.

Primeiramente mencionei um novo estudo apontando quais seriam os principais fatores de risco para DM2, o que ajudaria a criar maneiras para conseguir sua prevenção.

Na semana passada abordei um novo conceito que tem surgido na literatura e que aventa a possibilidade de existir condições de reversão (ou remissão) do DM2. Mostrei estudos que compararam uma estratégia intensiva de restrição calórica dietética com perda de peso e o impacto disso na remissão do DM2 com os pacientes mantendo controle de glicose sem a necessidade de usar medicamentos. Esses resultados foram obtidos em pacientes com até 6 anos de doença e já existem dados de até 2 anos de seguimento pós intervenção.

O problema no momento ainda é atingir o grau de perda de peso que se mostrou necessária para atingir a remissão do DM2 com a intervenção dietética. Outra questão também seria a capacidade das pessoas manterem essa perda de peso necessária a médio e longo prazo para sustentar a remissão da doença. 

 

A tese de que o DM2 poderia ser reversível começou a ganhar força desde que surgiram dados extremamente favoráveis dos pacientes obesos e também diabéticos que vinham sendo submetidos à cirurgia bariátrica. Esses pacientes já atingiam grande melhora ou até a reversão do DM2 e com esse benefício sendo percebido no pós operatório imediato, muito antes do paciente obter grau acentuado de perda de peso. Foi levantada a possibilidade de que as técnicas da cirurgia bariátrica estariam atuando muito além da interferência na absorção de nutrientes, mas também levando a alterações dos hormônios gastrointestinais. Essa observação criou a ideia de que a cirurgia teria impactos metabólicos que iam além da perda de peso. As transformações anatômicas realizadas pela cirurgia bariátrica provocam o aumento significativo da quantidade de vários hormônios que atuam na regulação do açúcar e do metabolismo, além de controlar a fome e promover saciedade, provocando diversos efeitos benéficos no organismo. Percebeu-se que, após a cirurgia bariátrica, havia uma diminuição dos hormônios associados à fome no estômago, ao mesmo tempo em que havia um incremento dos hormônios relacionados à saciedade no intestino.

 

Foi então criada a terminologia e o conceito de cirurgia metabólica de pouco mais de 10 anos para cá. Enquanto a cirurgia bariátrica teria como objetivo principal a redução do peso, a cirurgia metabólica teria como meta o tratamento do DM2 e das outras doenças associadas à obesidade muitas vezes presentes no mesmo paciente, como a hipertensão (pressão alta), a dislipidemia (colesterol ou triglicérides alterado).

Portanto, quando falamos de cirurgia bariátrica, estamos nos referindo a um procedimento cirúrgico que tem como foco principal a redução do peso, mas que acaba também melhorando as doenças associadas à obesidade.  Por outro lado, a cirurgia metabólica é um tratamento que usa as mesmas técnicas cirúrgicas principais conhecidas da cirurgia bariátrica, mas que mira no controle de pacientes com DM2, principalmente naqueles que têm mantido mal controle glicêmico com os tratamentos convencionais e que estão com pouca eficácia do tratamento à base de remédios, dieta e exercícios.

Existem diversos tipos de cirurgias bariátricas que podem ser realizadas em pacientes com obesidade e indicados com índice de massa corpórea (IMC) maior que 35 com comorbidades ou acima de 40.

Entretanto, para as pessoas com indicação puramente metabólica apenas o Bypass Gástrico e a Gastrectomia Vertical estão sendo recomendados. Sobre a cirurgia metabólica, diferentemente da cirurgia bariátrica, hoje já se aceita discutir uma possível indicação em pacientes com DM2 refratários ao tratamento convencional, mesmo quando não estão tão obesos para a indicação de cirurgia bariátrica, como naqueles que estão situados com o IMC entre 30 e 35. 

 

Em 2011, a International Federation of Diabetes (IFD) introduziu a cirurgia metabólica nos algoritmos de tratamento de DM2 como alternativa para pacientes com IMC entre 30 e 35 kg/m2 desde que a doença não tenha sido controlada apesar do tratamento medicamentoso otimizado e associada a fatores de risco para doença cardiovascular. Nos anos de 2013 e 2014, a American Society for Metabolic and Bariatric Surgery (ASMBS) e a International Federation for the Surgery of Obesity and Metabolic Disorders (IFSO), respectivamente, recomendaram a cirurgia para pacientes com DM2, sem controle da doença após tratamento clínico e mudança no estilo de vida. A entidade britânica National Institute for Health and Care Excellence (NICE), passou a recomendar, em 2014, o tratamento cirúrgico para pacientes com mesmo perfil desde que o diagnóstico da doença seja inferior a 10 anos. Por fim, em 2016, 49 associações médicas de diferentes países revisaram as recomendações para o tratamento da DM2 e reconheceram a cirurgia metabólica como opção para o tratamento de diabetes e inadequado controle glicêmico após tratamento clínico. O Conselho Federal de Medicina (CFM) reconheceu, através da Resolução nº 2.172/2017, a cirurgia metabólica como opção terapêutica para pacientes portadores de DM2 com IMC entre 30 e 34,9, desde que a enfermidade não tenha sido controlada com tratamento clínico

 

Na coluna Cirurgia bariátrica: quando nem tudo são flores, abordei ainda sobre a aspectos pouco discutidos da cirurgia bariátrica. Existe um entusiasmo da comunidade médica ao constatar o impacto favorável da cirurgia metabólica na obtenção de melhora ou até remissão do DM2. Entretanto, também tem sido ainda pouco mencionado para os pacientes que naqueles obesos diabéticos submetidos a cirurgia bariátrica/metabólica, com intenção de tratar o diabetes, alguns fatores são capazes de predizer recidiva e foram frequentemente identificados e citados na literatura científica. Entre esses fatores de predição de recidiva descritos estão a presença de sinais de DM2 avançado na época da cirurgia, ter um tempo maior de duração de DM2 antes da operação, apresentar um DM2 mal controlado nos pacientes já usando múltiplos agentes redutores de glicose ou estar em uso de insulina; todos esses são os fatores clínicos que refletem reserva limitada das células pancreáticas. Nos pacientes com remissão de diabetes mais duradoura comparado com pacientes com recidiva tardia, foi encontrada maior perda de peso de curto prazo e manutenção de perda de peso a longo prazo nos pacientes que mantiveram remissão de diabetes. 

 

Os pacientes com recidiva posterior do DM2 tiveram recuperação de peso a longo prazo significativamente maior comparado com aqueles sem recidiva da doença. Alguns autores que estudam esse tema descrevem que, mesmo que ocorra a recidiva do diabetes com o passar dos anos após a cirurgia, ainda assim existiria um benefício para esses pacientes operados. Sobre esses indivíduos, mesmo voltando a ter diabetes anos depois da cirurgia, imagina-se que o tempo em que ficaram em remissão teria sido um período de menor impacto por menos exposição de glicemia elevada nos órgãos alvos como rins e retina. Sendo assim, esse período, ainda que transitório, de melhor controle glicêmico poderia ajudar a reduzir ou adiar o risco de complicações crônicas do diabetes. 

 

Por exemplo, um estudo de Coleman e colaboradores avaliou 4.683 pacientes com DM2 submetidos à cirurgia bariátrica em alguns serviços nos EUA. Entre os pacientes que tiveram uma recidiva tardia após a remissão inicial, o período de tempo em que permaneceram em remissão foi inversamente relacionado ao risco de incidência de doença microvascular diabética. Para cada ano adicional mantido em remissão antes da recidiva, foi reduzido em 19% o risco de doença microvascular, em comparação com os pacientes que nunca alcançaram a remissão do diabetes. Mais pesquisas, entretanto, são necessárias para estudar qual efeito potencial da cirurgia bariátrica/metabólica pode haver na incidência subsequente das complicações diabéticas nos pequenos e grandes vasos, mesmo naqueles pacientes que apresentam uma recidiva tardia de DM2.

 

Agora em agosto de 2020, foi publicado um importante estudo no periódico New England Journal of Medicine (NEJM) que já está gerando polêmica. O estudo foi projetado para determinar se a cirurgia de bypass gástrico confere de fato efeitos metabólicos terapêuticos independentemente da perda de peso em pessoas com obesidade e DM2. Compararam então os efeitos da marcante perda de peso induzida pela cirurgia de bypass gástrico em Y-de-Roux com os efeitos da mesmo grau de perda de peso (aproximadamente 18% de perda de peso) induzida apenas por dieta com baixo teor calórico em pacientes sem cirurgia. Foram analisados vários parâmetros importantes, como o impacto na sensibilidade à insulina hepática e também na sensibilidade no músculo e tecido adiposo, na função da célula beta pancreática, na resposta metabólica à ingestão de refeições mistas, na glicemia plasmática de 24 horas glicose, nos ácidos graxos livres e nos perfis de insulina e na composição corporal. Também avaliaram vários fatores supostamente associados aos benefícios do bypass gástrico independente da perda de peso como as alterações nos aminoácidos de cadeia ramificada do plasma, dos ácidos biliares plasmáticos e o microbioma intestinal.

 

Nesse trabalho envolvendo pacientes com obesidade e DM2, os benefícios metabólicos da cirurgia de redução do estômago e da dieta sem cirurgia foram semelhantes e aparentemente relacionados à própria perda de peso, sem efeitos clinicamente importantes evidentes, independente da perda de peso. A polêmica foi instaurada então, já que na conclusão os autores comentam que o que fez a diferença não foi o alegado e potencial efeito metabólico da cirurgia com sua ação na dinâmica da ação dos hormônios gastrointestinais, mas na verdade foi obtido pela perda de peso em si, o que descontruiria a ideia de cirurgia metabólica. Os resultados desse estudo ressaltaram o profundo efeito que a perda de peso acentuada pode ter na função metabólica em pessoas com diabetes. 

 

Como em todo estudo científico, os autores apontaram algumas limitações deste atual, entre eles a de que a atribuição de tratamento não foi randomizada, a possibilidade dos benefícios exclusivos da cirurgia não terem sido detectados devido ao poder estatístico inadequado e a grande proporção de desistentes.

Foi avaliada uma variedade de resultados secundários que exigem confirmação porque não houve ajuste para testes múltiplos e também os resultados metabólicos foram avaliados após uma perda de peso entre 16 a 24%, portanto não foi possível excluir a possibilidade de resultados diferentes com menor ou maior quantidades de perda de peso. Por último, não foi possível excluir a possibilidade de que o bypass gástrico tenha efeitos em outros resultados clínicos importantes não avaliados neste estudo.

 

Na conclusão, os autores afirmam que as descobertas semelhantes vistas nos participantes dos dois grupos desafiariam a crença atual de que o bypass gastrointestinal teria efeitos clinicamente significativos sobre os principais fatores metabólicos envolvidos na homeostase da glicose e na patogênese de diabetes que seriam independentes da perda de peso. Mas não deixam de destacar que a dificuldade em obter sucesso na perda de peso a longo prazo com terapia de estilo de vida muitas vezes torna a cirurgia de redução do estômago muito mais eficaz do que a terapia de dieta para a maioria dos pacientes com obesidade e diabetes tipo 2. E também concluem dizendo que encontraram benefícios quase idênticos da perda de peso na sensibilidade à insulina de múltiplos órgãos, na função células beta, na glicose plasmática de 24 horas, perfis de insulina e composição corporal seja a induzida por bypass gástrico ou por dieta apenas.

 

Um editorial publicado também na mesma edição do NEJM discute que a cirurgia bariátrica/metabólica tornou-se um tratamento estabelecido e eficaz para obesidade em pacientes com ou sem DM2. Os autores citam que a Federação Internacional para a Cirurgia de Obesidade e Distúrbios Metabólicos registrou quase 400.000 cirurgias de procedimentos para perda de peso em todo o mundo em 2018. As hipóteses mais recentes de como ocorre o equilíbrio da manutenção do controle da glicose têm se baseado em um entendimento mais sofisticado incluindo a maior liberação de hormônios gastrointestinais (por exemplo, secretina, glucagon e peptídeo gastrointestinal), produção seletivamente maior de hormônios hipofisários (por exemplo, grelina e neuropeptídeo Y), mudanças nas concentrações circulantes de ácido biliar ou aminoácidos de cadeia ramificada e alterações no microbioma intestinal.

Mesmo destacando as limitações do estudo, no entanto, ele confirma a natureza patogênica da obesidade em impulsionar a resistência à insulina e, em última análise, do DM2. Os autores concluem, portanto, que o estudo ofereceu uma abordagem simples e uma importante mensagem para os médicos e pacientes, a de que reduzir gordura corporal, seja por qual método for, cirurgicamente ou por dieta, significa que irá melhorar o controle da glicose no sangue em pessoas com DM2. Fica então para os próximos capítulos, em estudos futuros, nessa longa jornada do conhecimento, a ciência definir se a cirurgia é bariátrica ou metabólica. 

 

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