Indivíduo de peso normal metabolicamente não saudável: outro lado da moeda

A obesidade é sim uma doença, mas existe um percentual de obesos metabolicamente saudáveis com menor risco à saúde cardiovascular

Pixabay
(foto: Pixabay)


Na semana passada discorri sobre uma questão discutida na literatura médica a respeito de um conceito contra intuitivo, o da presença de pessoas obesas metabolicamente saudáveis

A motivação sobre esse tema ocorreu após ter visto a discussão entre internautas se obesidade seria doença e se existiria obeso saudável e que pautou as redes sociais em mais um dos infindáveis imbróglios desses novos tempos no mundo virtual.


Apesar de disparidades históricas na definição de Síndrome Metabólica (SM) nos últimos anos, a descrição comumente mais aceita é a ocorrência de obesidade com aumento da gordura abdominal, agrupadas com duas ou mais anormalidades metabólicas como aumento de triglicérides, redução do colesterol de alta densidade (HDL), aumento da pressão arterial e/ou níveis elevados de glicemia em jejum.

Os pacientes com esses fatores de risco cardiometabólicos agrupados têm aumento importante de apresentar mortalidade por doenças cardiovasculares, como infartos do miocárdio e derrames cerebrais.

Mais recentemente, alguns autores têm questionado a necessidade de existir entre os critérios para definir SM a presença de obesidade.

Isso tem ocorrido principalmente quando estudos de diversos autores observam um percentual de indivíduos com obesidade classificados como metabolicamente saudáveis variando dependendo do critério usado entre 6% e 38%.

Acontece também que existe um número considerável de pessoas com peso normal classificados como metabolicamente não saudáveis que vem sendo cada vez mais descrito. Sendo assim, juntamente com o conceito de obesos metabolicamente saudáveis, surgiu mais recentemente o conceito de SM na pessoa magra.

Até a presente data, vários autores tentam cunhar uma terminologia que possa ajudar a melhor descrever e caracterizar esse subgrupo de indivíduos.

Alguns nomes têm sido mencionados na literatura e termos como “obesos de peso normal”, “magro por fora e gordo por dentro” ou “indivíduo de peso normal metabolicamente não saudável”.

Esses nomes tentam incluir os indivíduos com peso normal que, com base em tabelas de peso padrão não são obesos, mas expressam anormalidades metabólicas como níveis aumentados de adiposidade em locais mais perigosos, como aquela envolvendo as viscerais dentro do abdome e resistência à insulina e maior suscetibilidade ao diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e doenças cardiovasculares (DCV).

Tem sido estabelecido que as pessoas com um índice de massa corporal (IMC) na faixa de peso normal definido pela OMS, que é entre 18,5 kg/m² e 25,0 kg/m², estariam em um grupo associado à menor mortalidade por todas as causas.

Mas algumas perguntas têm sido feitas por pesquisadores, entre as quais uma dúvida seria se essa suposição se aplica a todos os sujeitos dessa faixa de IMC. As pesquisas sobre as causas e consequências nos indivíduos com obesidade metabolicamente saudável tem mostrado que, para um certo IMC, o risco de doença cardiometabólica e morte pode variar substancialmente entre os sujeitos.

Em comparação com pessoas com peso normal e metabolicamente saudáveis, os indivíduos com peso normal, mas metabolicamente não saudáveis correspondem em torno de 20% dos adultos de peso normal e têm um risco três vezes maior de mortalidade e/ou eventos cardiovasculares. Esse risco também é maior do que o de obesos metabolicamente saudáveis.

A esse respeito, grandes estudos mostraram que, em comparação com pessoas de peso normal e metabolicamente saudáveis, indivíduos com “obesidade metabolicamente saudável” têm apenas um risco moderado em torno de 25% mais alto de mortalidade por todas as causas e/ou eventos cardiovasculares, por outro lado o risco nas pessoas de “peso normal metabolicamente não saudáveis” chega ser muito maior, em torno de 300%. 

Os pesquisadores do Hospital Universitário de Tübingen e do Instituto de Pesquisa em Diabetes e Doenças Metabólicas (IDM) do Helmholtz Center Munich, parceiro do Centro Alemão de Pesquisa em Diabetes levantou algumas questões importantes.

Entre elas, quais fenótipos caracterizam essas pessoas magras metabolicamente não saudáveis; se esses fenótipos diferem daqueles que colocam indivíduos obesos em risco aumentado; que mecanismos moleculares determinam esses fenótipos em indivíduos magros e obesos e como esse conhecimento pode ser usado para prevenir e tratar doenças?

Norbert Stefan, Fritz Schick e Hans-Ulrich Häring estudaram e publicaram um estudo em 2017, onde avaliaram as características e dados de 981 sujeitos tentando determinar a saúde metabólica em pessoas magras (181), com sobrepeso (358) e obesos (442), e mostraram que um acúmulo reduzido de gordura na parte inferior do corpo colocaria em risco as pessoas magras e destacou as implicações de suas descobertas para a prevenção personalizada e tratamento de doenças cardiometabólicas.

Depois de definirem a saúde metabólica como tendo menos de dois fatores de risco componentes da SM, eles descobriram que 18% de seus indivíduos magros eram metabolicamente não saudáveis alinhado com os números detectados em outros estudos maiores que investigaram a relação da saúde metabólica com eventos cardiovasculares e mortalidade.

Stefan e seus colaboradores usaram imagens de ressonância magnética e ressonância com espectroscopia para determinar com precisão a massa gorda corporal, a distribuição de gordura e a deposição de gordura no fígado.

Além disso, eles determinaram a sensibilidade à insulina, secreção de insulina, espessura da parede do vaso carotídeo e condicionamento físico dos indivíduos.

Eles descobriram que entre os compartimentos de gordura, uma baixa porcentagem de massa gorda nas pernas era o determinante mais forte do risco metabólico em indivíduos magros, enquanto em indivíduos obesos a doença hepática gordurosa não alcoólica e aumento da massa gorda intra-abdominal determinavam fortemente esse risco.

Com base nessas descobertas, e com o apoio de dados de animais e dados genéticos de estudos em humanos, eles concluíram que em indivíduos magros o problema de armazenar gordura na perna pode ser um fator crucial, que coloca as pessoas magras em risco aumentado de doenças cardiometabólicas.

Eles ainda levantam a hipótese de que esse fenótipo se assemelha aos fenótipos observados em algumas doenças muito raras, chamadas de lipodistrofia. Os autores no entanto, destacaram que esse fenótipo tipo lipodistrofia nas pessoas de peso normal metabolicamente não saudáveis teriam uma forma muito menos grave daquele observado nessa doença. 

No que diz respeito ao impacto de suas descobertas na prática clínica de rotina, os pesquisadores fizeram algumas considerações potenciais, primeiramente no caso de um indivíduo com peso normal ter dois ou mais parâmetros da SM  em uma avaliação clínica e/ou ter uma baixa percentagem de massa gorda nas pernas, seria importante realizar diagnósticos cuidadosos para detectar precocemente doenças metabólicas.

Segundo, se uma doença cardiometabólica, como DM2 ou DCV, estiver presente em pessoas muito magra, o tratamento farmacológico que pudesse resultar em um aumento da massa gorda subcutânea poderia ser benéfico para alguns pacientes.

Finalmente, a aplicação de estratégias de fenotipagem bem definidas em ensaios clínicos para separar melhor o risco metabólico em indivíduos magros e obesos poderia ajudar a adaptar melhor o estilo de vida e a intervenção farmacológica para atingir o objetivo de fornecer prevenção e tratamento personalizados aos pacientes.

Para finalizar a discussão desse tema que iniciei na semana passada, a obesidade é uma característica mais visível e aparente, mas pode ser mal interpretada como um critério-chave para a SM e aumento da mortalidade por DCV.

Mas não podemos perder de vista que já está bem estabelecido que a avaliação da distribuição de gordura é mais crucial que a adiposidade total na triagem da saúde metabólica das pessoas e o IMC pode não ser tão capaz de discriminar isso muito bem.

Quando mencionei na semana passada do imbróglio da internet, referi que achava que na discussão “todo mundo tinha razão e ninguém tinha razão”. Podemos concluir que a obesidade é sim uma doença, mas existe um percentual de obesos metabolicamente saudáveis com menor risco à saúde cardiovascular.

Mas o outro lado da moeda é ter em mente que estar com o peso normal não é garantia de saúde metabólica. Existe uma alta prevalência de SM em pacientes magros e uma alta porcentagem de pacientes metabolicamente saudáveis na população obesa. 

Isso tudo em conjunto sugere que existe um denominador comum e que pode estar no tipo de alimentação atual das pessoas, além da quantidade calórica ingerida dos alimentos, a qualidade da dieta pode estar entre os maiores preditores independentes da saúde metabólica.

O consumo excessivo de alimentos ultra processados e o risco desencadeado pelo alto consumo de alimentos ricos em açúcar. A dieta é um dos principais fatores de risco modificáveis que contribui para o desenvolvimento de doenças crônicas e está passando da hora de um grande mutirão para exigir melhores opções de alimentos desde o início da vida. 

Nesta pandemia, temos visto que muitas pessoas que nunca tinham se aventurado antes na cozinha, em função do aperto e necessidade, tiveram que se virar e pilotar um fogão. Grandes chefs de cozinha e mestres da culinária têm tido um papel muito importante.

Me rendo aqui aos nobres profissionais da arte de cozinhar que tem nos ajudado a como se alimentar melhor com alimentos de verdade, com receitas caseiras de mais fácil execução com o trivial variado. Não vou citar nomes individuais desses profissionais pois são vários e poderia deixar de mencionar injustamente alguns deles.

Sendo assim, sintam-se todos homenageados pois vocês têm feito um bonito e nobre papel nesse trágico período da história da humanidade, e vem contribuindo muito na formação de uma nova geração até então de “analfabetos da cozinha” aprendendo o bê a bá.