O fascinante hormônio do crescimento: mitos e verdades

O GH tem sido usado de forma indiscriminada para fins estéticos, mesmo sem comprovação e com os riscos potenciais envolvidos a médio e longo prazo

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(foto: Pixabay)

No intrigante mundo dos hormônios essas substâncias causam fascinação e encantamento para a maioria da população leiga. O intricado e complexo sistema endócrino constantemente permeia o imaginário popular com potenciais “efeitos mágicos”.

As mais diversas ações potenciais benéficas são atribuídos a eles, mesmo aquelas que ainda nem foram satisfatoriamente avaliados cientificamente. Mas seduzem as pessoas a achar que usando essas substâncias mágicas “a torto e a direito” ficarão mais saudáveis, rejuvenescidas ou mais bonitas e esbeltas.

Muitas vezes, as pessoas caem facilmente no canto da sereia. Entre vários hormônios está o hormônio do crescimento, mais conhecido como GH.

Há anos tem sido usado de forma indiscriminada para fins estéticos, como sendo um “elixir para a juventude”, mesmo sem comprovação e com todos os riscos potenciais envolvidos a médio e longo prazos da sua utilização, e sem ter aprovação pelas sociedades médicas para esse fim.

Mesmo assim, o GH é um importante hormônio, e já é utilizado há décadas, sendo aprovado pelas agências de vigilância sanitária no mundo todo para algumas patologias específicas. Nessas doenças ele foi testado e comprovado cientificamente sua eficiência e segurança.

Apesar disso, mesmo nessas situações onde foi aprovado o uso de GH após anos de pesquisas, ainda permanecem alguns aspectos pendentes e que vem merecendo contínua análise e supervisão de potenciais efeitos indesejáveis a longo prazo.

Ao longo da história, inicialmente o uso do GH na medicina não foi muito feliz. Foi utilizado desde o primeiro paciente em 1958 até 1985, quando o hormônio ainda era retirado da glândula hipófise de cadáveres humanos.

Usando este tipo de GH, foi descrito em 1985 que quatro pacientes que tinham usado o hormônio desde os anos 1960 apresentaram tardiamente sérias complicações à saúde por impurezas que causavam contaminação dos usuários, levando a complicações neurológicas semelhantes à “doença da vaca louca”.

Há quase três décadas, o hormônio de crescimento usado na medicina é de origem sintética produzido por sofisticada tecnologia de DNA recombinante e não é mais extraído de cadáveres – e chamamos de GH recombinante humano (GHrh).

Além de mais seguro se tornou mais disponível e mais acessível por ser produzido em escala industrial e ajudou a expandir o leque de indicações médicas para seu uso, que variam de país para país.

As principais indicações têm sido para crianças e adultos com documentação de deficiência do hormônio, síndrome de Turner, atraso de desenvolvimento em portadores de doença renal crônica, algumas crianças nascidas pequenas para a idade gestacional.

Os resultados globais de muitos milhares de pacientes-anos de tratamento sugerem que o GHrh é seguro. No entanto, uma revisão sistemática e meta-análise de artigos publicados até setembro de 2013 mostrava um ligeiro, mas significativo aumento da mortalidade por todas as causas em pacientes que tinham sido tratados com GHrh na infância e adolescência.

Infelizmente, a maior parte do conhecimento sobre GHrh é baseada em estudos com curto acompanhamento de eventos adversos apenas disponíveis nos bancos de dados mantidos por empresas farmacêuticas produtoras desse hormônio. Para superar essas limitações e estudar a segurança a longo prazo da terapia com GHrh, foi montado um consórcio europeu SAGhE (Segurança e Adequação de tratamento GH na Europa) envolvendo oito países (Bélgica, França, Alemanha, Itália, Holanda, Suécia, Suíça e Reino Unido) contendo dados de cerca de 24.000 adultos jovens tratados com GHrh durante a infância e adolescência.

Esse consórcio europeu SAGhE já tinha divulgado anos atrás dois relatórios preliminares, apresentando dados de mortalidade em pacientes adultos jovens tratados com GHrh nos pacientes com os seguintes diagnósticos na infância, como a deficiência isolada idiopática de GH, crianças pequenas para a idade gestacional, ou na condição conhecida como baixa estatura idiopática.

Em 2012, apenas o estudo parcial com dados franceses de 6.500 pacientes relatou um aumento significativo na mortalidade por todas as causas e mortalidade por causa específica para tumores ósseos e hemorragia cerebral, enquanto a análise de dados da Suécia, Holanda e Bélgica não identificou mortes por câncer ou doença cerebrovascular entre 2.500 pacientes.

Agora, em agosto de 2020, foi publicado no periódico Lancet o estudo apresentando os resultados de todo o conjunto de dados dos oito países do consórcio SAGhE.

O objetivo principal foi estudar a mortalidade geral e de longo prazo e também por causas específicas de pacientes adultos jovens tratados previamente durante a infância com GHrh, além de relacionar isso ao diagnóstico subjacente que levou à indicação do uso do hormônio.

Esse portanto, é o maior estudo de acompanhamento de mortalidade de longo prazo até o momento com o uso desse tipo de hormônio. 

Como a população estudada era muito heterogênea, já que vários tipos de diagnósticos prévios de base motivaram a utilização do GHrh. Sendo assim, essas doenças subjacentes diferentes entre os vários pacientes analisados foram estratificados, e já continham de antemão um risco de longo prazo maior ou menor.

Sendo assim, nos pacientes com uma doença que a priori tinha baixo risco de mortalidade não foi observado aumento na mortalidade geral com o uso do GHrh. No entanto, foi visto um aumento da mortalidade geral no subgrupo de pacientes cujo diagnóstico subjacente era conhecido a priori de estar associado ao aumento de risco de mortalidade.

No subgrupo de doenças subjacentes que compreendia deficiência de crescimento isolado e na baixa estatura idiopática, os pacientes que usaram GHrh não se observou aumento na mortalidade geral.

No subgrupo de pacientes nascidos pequenos para a idade gestacional foi observado um aumento da mortalidade geral e isso foi impulsionado pelo componente dos dados dos pacientes franceses. Se este risco aumentado pode ser realmente atribuído ao tratamento em si com GHrh ainda não ficou claro.

Existem estudos com grandes bases de dados populacionais mostrando que crianças nascidas pequenas para a idade gestacional, mesmo sem usar hormônio, já poderiam apresentar um aumento do risco de mortalidade em idades mais jovens em comparação com crianças com peso adequado ao nascimento.

Mesmo diante da grande importância do tema em relação à segurança de longo prazo dos usários de GHrh na infância, os estudos para afastar ou atribuir riscos são de grande complexidade e difícil de tirar conclusões definitivas.

Mesmo assim, o estudo do consórcio europeu recém-publicado com os dados do SAGhE não apontou para aumento significativo na mortalidade geral nos pacientes em baixo risco, como na deficiência isolada de GH ou na baixa estatura idiopática, embora a possibilidade de certos riscos para mortalidade por causa específica cardiovascular e hematológica permanecem.

Para os pacientes que já têm um aumento inerente do risco de mortalidade antes de iniciar o uso de GHrh, os autores concordam que o aumento das taxas de mortalidade são provavelmente relacionados ao diagnóstico subjacente.

Os autores concluem a discussão do artigo dizendo que apesar de os dados atuais serem reconfortantes, eles mesmo reconhecem várias limitações desse estudo e recomendam manter vigilância contínua de longo prazo dos pacientes tratados com GHrh durante a infância para permitir detecção de qualquer risco aumentado de mortalidade mais tarde na vida.

Como tudo na medicina, as indicações de qualquer tratamento se baseiam no balanço entre risco e benefício. Mesmo nas situações onde já está bem estabelecido, aprovado e indicado o uso do GHrh, essa tomada de decisão deve ser compartilhada com os pais daquelas crianças que possam se beneficiar da terapia, mas não deixando de expor os riscos potenciais.

Deve ser apontado que as doenças subjacentes que resultam na indicação para uso dessa reposição hormonal já tem riscos inerentes prévios ao tratamento que são diferentes. Nenhum tipo de tratamento tem risco zero de complicações.

Vale destacar que nas patologias que já têm indicação bem estabelecida para tratamento com GHrh, mesmo ele sendo seguro e aprovado pelas sociedades médicas, ainda assim tem sido exigido acompanhamento de longo prazo para manter a validação de seu uso.

E convém lembrar que para essas indicações já existe uma vasta literatura demostrando seus benefícios, o que ajuda muito na tomada de decisão na hora de prescrever.

Por outro lado, fica o alerta e a preocupação do uso desenfreado e informal da venda no “mercado negro” sem indicação em bula para uso estético, seja entre atletas (mesmo o GH sendo proibido e considerado doping) e nas situações não aprovadas pelas sociedades médicas.

Neste cenário, o desconhecimento sobre os riscos é total pela inexistência de estudos sérios de avaliação de segurança, seja no curto e no longo prazo. Além disso, por outro lado, há escassa e insuficiente literatura sobre os benefícios, apesar do magnetismo do marketing que apregoa efeitos “mágicos” para rejuvenescimento e melhora de performance atlética.

Que fique então muito claro que o uso do GHrh é de uso exclusivo para tratamento de algumas poucas patologias que tem sido extensivamente estudado nas últimas décadas, mas não é aprovado para uso “cosmético”.

Gosto muito da frase atribuída a Albert Einstein: “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”.

Nada mais apropriado hoje em dia, em diversas situações que temos visto atualmente. Em relação ao uso de todo tipo de hormônio sem indicação, escrevi aqui na coluna em dezembro 2019 (Chip da beleza: o perigo da onda de ''uso cosmético'' de hormônios sexuais) e hoje falo do uso GHrh, em que as pessoas são influenciadas pelo “efeito manada”, onde essa frase do gênio da física se encaixa como uma luva.