Ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, defende a série O mecanismo, elogia o governo Temer e diz que o maior problema do país é a impunidade

"Padilha tem o direito de realizar a obra que quiser", afirma em entrevista exclusiva ao Estado de Minas

por Cecília Emiliana 19/04/2018 20:03
Jornalista de formação, o Ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, é do tipo que solta “aspas” aos colegas sem medo. Mesmo as mais controversas, como “Gosto de viver num país em que criminosos são punidos”, dita recentemente sobre a prisão do ex-presidente Lula. 
Antônio Cunha/CB/D.A Press
O ministro estará nesta sexta (20) em BH participando de um evento (foto: Antônio Cunha/CB/D.A Press)

Talvez porque polêmica seja o principal ingrediente do setor cultural, a que ele se dedica há quase duas décadas. Aos 49 anos, Sá Leitão já exerceu cargos como secretário municipal de Cultura do Rio, na gestão Eduardo Paes (PMDB), chefe de gabinete do Ministério da Cultura no período em que a pasta foi comandada por Gilberto Gil, e diretor da Ancine (Agência Nacional do Cinema). 

À frente do MinC desde de julho do ano passado, o ministro cumpre agenda nesta sexta-feira (20) em Belo Horizonte, onde participa do evento Cultura Gera Futuro. Realizado de 9:30h às 18h no Cine Theatro Brasil Vallourec, o projeto itinerante foi lançado em 15 de março e percorrerá 27 capitais brasileiras. A ideia é qualificar produtores locais, gestores públicos e patrocinadores para o acesso a mecanismos de fomento do setor cultural, como editais da Lei Rouanet e Fundo Setorial do Audiovisual. 

“O esforço grande que eu tenho procurado fazer no Ministério da Cultura é de despolitizá-lo. Eu acho que ele foi excessivamente politizado anteriormente e isso foi muito ruim. Tenho feito a proposta de que nós coloquemos de lado as nossas divergências políticas ideológicas, e que a gente foque nas questões intrínsecas específicas da cultura e da política cultural, onde, tenho certeza, o que nos aproxima é muito maior que o que nos separa”, disse em longa entrevista por telefone ao  Estado de Minas.

 


Cineastas e historiadores acusam José Padilha, diretor da série O mecanismo, de “abuso de licença poética”. Sobretudo pelo fato de ele não ter ter sido fiel a certos fatos históricos recentes, representados em sua obra. Não só enquanto espectador, mas como parte integrante do governo retratado na produção, como o senhor vê essa polêmica?
Existe algum critério para medir dose objetiva de abuso de licença poética? Acho que não, né? Então, essa não é uma avaliação possível, do meu ponto de vista. Mas o Padilha tem o direito de realizar a obra que quiser. Tenho certeza de que de o cineasta julgou estar fazendo o melhor trabalho possível. Sobre a controvérsia, considero natural que um conteúdo audiovisual que aborda um tema da realidade brasileira cause esse efeito, na medida em que as pessoas têm visões diferentes sobre os acontecimentos. De qualquer forma, há um aviso no início de cada episódio dizendo que se trata de série ficcional inspirada em fatos reais. Não se pode exigir de uma ficção que seja absolutamente correspondente aos fatos. Se assim fosse, teríamos um documentário ou trabalho jornalístico, não uma série. No mais, acho que O mecanismo tem alto nível de realização, o que demonstra a alta qualidade da produção audiovisual brasileira contemporânea.

O senhor disse recentemente à imprensa que “a rapidez na prisão de Lula deve ser elogiada”. Como enxerga os “mecanismos” sociais neste momento - os que corrompem e os que tentam frear a corrupção?
No caso específico do ex-presidente Lula, as instituições brasileiras demonstram que estão funcionando bem. A democracia, o Estado de direito e o Judiciário. Trata-se de um bom exemplo, que deve servir de referência a outros casos. O maior problema que nós temos no Brasil – e temos muitos problemas – é a questão da impunidade. Quando o Estado de direito mostra que está funcionando adequadamente, estamos indo contra esse senso de impunidade. Pra mim, isso é muito positivo. A democracia, o Estado de direito, o Executivo, o Judiciário, são todas instituições imperfeitas, cheias de falhas. Por isso mesmo, acho importante celebrar quando há avanços, justamente para não perdê-los de vista. Eles devem ser nossas referências.

Em 2016, o senhor publicou um post no Instagram, posteriormente apagado, dizendo: “Não votei na chapa Dilma-Temer. Não votei nos candidatos da coligação PT-MDB. Não sou responsável por Dilma, por Temer ou por Eduardo Cunha. Por isso… Durmo bem à noite”. Alguma insônia desde que assumiu o Ministério da Cultura?
Acho que houve uma espécie de corte epistemológico na história brasileira recentemente, que foi o impeachment da presidente Dilma. Com isso, o atual presidente assumiu e formou um novo governo. Inclusive, trouxe outra agenda, com a qual tenho grande afinidade. A agenda da estabilidade econômica, da retomada do desenvolvimento do país e das reformas estruturais de que tanto precisamos para finalmente chegar ao século 21. Tenho total concordância com este governo, com o que o presidente Michel Temer tem dito, proposto, reformulado, implementado e realizado. Portanto, sinto-me muito bem em participar desta gestão. Aliás, tenho grande orgulho de participar de um governo que fez a reforma trabalhista, a reforma do ensino médio, a lei das estatais, implantou o teto de gasto público e uma série de medidas que estão fazendo com que o Brasil retome o seu processo de desenvolvimento econômico e social. Não me sentiria bem em participar do governo anterior, comandado pela ex-presidente Dilma, com quem tinha muitas divergências. Considero que aquele foi um governo muito ruim para o nosso país. E sabemos que, no presidencialismo brasileiro, um presidencialismo quase imperial, a influência que o vice-presidente tem sobre os destinos do governo é muito pequena. Diria ínfima. Trata-se apenas de substituir o presidente quando ele viaja ao exterior. Então, falo com toda a tranquilidade: neste governo, eu me sinto muito confortável e à vontade.


Seu antecessor, Roberto Freire, pediu exoneração do cargo se dizendo chocado com os escândalos de corrupção que eclodiram no atual governo. Como o senhor se sente em relação a esses acontecimentos? 
A gente tem que deixar a Justiça funcionar. Todas as pessoas que porventura tenham cometido atos ilícitos devem ser investigadas. Se, porventura, a culpa for comprovada, elas têm que ser julgadas e punidas. Isso vale para todos. Agora, é preciso também que a gente tenha o princípio da presunção da inocência. Esse é um dos princípios basilares do direito, né? E, portanto, da democracia. Ninguém é culpado até que se prove essa culpa.

Ao assumir a pasta, o senhor levantou a bandeira da diversidade cultural, regional, de gênero e raça. Não seria mais coerente com essa postura ter mantido a advogada e produtora de cinema Débora Ivanov no cargo de diretora-presidente da Ancine, em vez de indicar Christian de Castro, um homem, para o posto?
Duvido que haja outra instituição em âmbito federal que tenha tanta presença feminina em cargos de direção quanto o Ministério da Cultura. A secretária-executiva do ministério é mulher: Mariana Ribas. A minha chefe de gabinete é mulher: Cláudia Pedrozo. Temos a Helena Severo, presidente da Biblioteca Nacional. Nós temos a Débora (Albuquerque), secretária da (Cidadania e da) Diversidade (Cultural). Outro dia, fizemos uma foto da equipe e dois terços do ministério são compostos por mulheres. Então, nós temos presença feminina muito expressiva em nossa equipe. Fiz, agora, ao presidente Michel Temer, a indicação a uma vaga aberta na diretoria da Ancine. Com a saída de Roberto Lima, indiquei a Fernanda Farah (ex-gerente do Departamento de Economia da Cultura do BNDES). Com a entrada dela na diretoria da Ancine, que espero aconteça logo, teremos paridade de gêneros na diretoria. São quatro vagas: teremos duas mulheres e dois homens. Posso dizer a você, com toda segurança, que essa presença feminina tão expressiva, tão significativa se dá por dois únicos critérios: conhecimento e competência. A questão em relação à diretora-presidente da Ancine foi simplesmente uma questão de avaliação de desempenho profissional. Quando a gente avalia que o desempenho não vem sendo à altura da expectativa, é melhor você mudar.

O senhor tem dito que não falta dinheiro para a cultura, falta gestão. No entanto, o orçamento do Ministério da Cultura vem apresentando sucessivas reduções. Poderia esclarecer seu ponto de vista?
Se você somar todos os recursos disponíveis para o Ministério da Cultura este ano, considerando todas as fontes, nós temos R$ 4,5 bilhões. Um valor extremamente significativo. Temos o desafio de utilizar esse valor plenamente. Historicamente, o Ministério da Cultura teve um índice de execução orçamentária baixo. Ano passado, conseguimos executar 99,9% do que nos foi disponibilizado de recursos diretos, sem contar as leis de incentivo. Foi uma execução recorde na história do ministério. Então, primeiro, temos que passar o orçamento na sua totalidade. Depois, executar bem, gerando objetivos efetivos para a sociedade brasileira.  Um dos problemas que temos em relação a esse segundo tópico é que, até agora, o ministério trabalhou sem análise de impacto econômico. Estamos introduzindo isso este ano, em vários programas. Um mecanismo para que a gente possa mensurar as externalidades positivas dos investimentos do ministério e o quanto a sociedade e o setor cultural de fato se beneficiam disso. Outro ponto importante é que, embora o valor de R$ 4,5 bilhões me pareça muito significativo, temos um componente muito elevado de custeio nisso. Um pouco mais de R$ 1 bilhão de custeio. Portanto, algo em torno de 25% dos recursos do ministério. É muito elevado. Precisávamos tentar reduzir e, com isso, ter mais recursos para a atividade-fim, que é incentivar, apoiar e promover a cultura que é feita pela sociedade brasileira.

Em reunião com a bancada evangélica na Câmara dos Deputados, realizada em 2017, o senhor afirmou que a polêmica performance La bête, exibida no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), "apresentava claro descumprimento do que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O que leva o senhor a crer nisso?
Nós temos uma Constituição, a qual todos respondemos.Ela é muito clara ao afirmar os princípios da liberdade de expressão, de manifestação, criação artística e intelectual. Ao mesmo tempo que estabelece o respeito às religiões e o cuidado com a infância e a juventude. Quando me manifestei, não me referi ao mérito das exposições do Santander Cultural (Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira) e do MAM (La Bête, leitura interpretativa da obra Bichos, de Lygia Clark). Meu posicionamento tem a ver com o fato de crianças estarem expostas àqueles conteúdos sem nenhum tipo de regulamentação. Não havia, sequer um aviso ou alerta. Esse é o ponto. Os artistas têm o total direito de elaborar as obras como quiserem, assim como instituições têm total direito de exibir essas obras. Agora, nós precisamos levar em consideração também a necessidade de proteger as crianças e os adolescentes. Por isso que eu defendo que nós tenhamos, no campo das exposições, assim como nós temos no cinema, em shows e outras áreas da cultura, um sistema de classificação etária indicativa. 

O Ministério da Cultura se posicionou contra as ações pleiteadas pela Procuradoria-Geral da República que tentam derrubar o registro profissional de artistas e músicos. O senhor chegou a declarar que o MinC entraria com uma petição solicitando o adiamento da votação da pauta no Supremo Ttribunal Federal, marcada para 26 de abril. Alguma novidade nesse sentido?
Eu conversei semana passada com a (presidente do STF e relatora do caso), ministra Cármen Lúcia, que me disse que sua intenção é retirar o assunto da pauta e fazer uma audiência pública, para que as entidades representativas dos artistas sejam ouvidas. Falei também com a ministra Grace (Mendonça), advogada-geral da União. Quando essa sessão do STF acontecer, ela é quem fará a sustentação oral em nome do governo, em nome, portanto, dos ministérios que defendem o registro. E ela assegurou que sua posição está afinada com a nossa. 

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