Como o uso inadequado do álcool gel transforma um guardião em vilão

Concentração errada, aplicação incorreta, frequência desnecessária, forma inadequada são fatores que podem trazer mais malefícios do que benefícios

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Lavar as mãos é hábito de higiene essencial para prevenir COVID-19 (foto: Pixabay)

Alcum gel? Alkimgel? Álcool Gel. Até poucos dias atrás, esse produto foi um dos mais disputados nas prateleiras de supermercados e farmácias.

Mesmo aqueles mais descrentes dos riscos provocados pelo novo coronavírus foram atrás. Muitos pagaram preços com variações de mais de 200%.

Hoje, a oferta do álcool gel já caminha para o equilíbrio em algumas regiões. Você, que conseguiu o mais novo "potinho de ouro", sabe para que e como ele deve ser usado?

Para falarmos sobre isso, conto uma história que, infelizmente, tem se tornado cada vez mais frequente. Dona Norma*, muito atenta e zelosa, sempre teve itens de segurança e higiene em casa - uma compra que já faz parte da sua rotina. No início das suspeitas de crises de abastecimento de máscaras e álcool gel, sua casa já estava preparada para a grande pandemia. Além dos produtos, o novo coronavírus trouxe novos hábitos - lavar as mãos e adotar práticas de higiene mais zelosas se tornaram rotina. Arrisco a dizer (e espero) que o avanço nas medidas de higiene será duradouro.

A nossa protagonista da segurança - Dona Norma - agora utiliza álcool gel toda hora, de minuto em minuto ela está higienizando as mãos para manter o coronavírus afastado. O que muitos se esquecem ou ainda não sabem é que é necessário ter técnica para o uso de máscaras, para lavar as mãos e também para o uso de álcool como antiséptico

Infelizmente, apesar de toda a atenção, Dona Norma hoje está internada no hospital, com queimaduras graves nas regiões das mãos e braços. Você deve estar se perguntando "mas como isso aconteceu?".

O álcool não deixa de ser um dos combustíveis mais envolvidos em acidentes domésticos e, na última quarta-feira, Dona Norma utilizou o álcool e voltou às suas atividades de cozinha. O fogo iniciou uma chama transparente que nem foi vista e se alastrou por todo o braço e roupas. Muita dor, muita secreção e um desconforto enorme. 

A situação se torna ainda mais triste quando lembramos que em casa podemos tranquilamente lavar as mãos com água e sabão e reservar o uso do álcool para ocasiões em que não é possível o uso de água e sabão.

Após esclarecer dúvidas sobre a COVID-19, orientar sobre o uso de máscaras e falar da importância e da necessidade do isolamento social, não poderia esquecer deste protagonista mundial, o álcool gel. Embora muito disputado, este produto já foi motivo de muita polêmica em razão dos riscos e benefícios apresentados por ele. 

Durante muitos anos, o álcool que tínhamos em casa era o líquido, mas após inúmeros acidentes domésticos, estabeleceram-se teores alcoólicos mais seguros e a formulação em gel para prevenir queimaduras gravíssimas e incêndios de todas as proporções possíveis.  

Com base nesse histórico e na relevância deste produto no contexto atual, quero explicar alguns pontos importantes para que todos possam usá-lo da forma correta, sem exposição a riscos desnecessários.

Algumas vezes já escutei a fala "se o 70 é bom, o maior que esse será melhor ainda" - o pensamento de que o álcool acima de 70% poderia ser ainda mais eficiente é frequente, mas é uma ilusão. O uso do álcool gel respeita uma indicação de tipo e forma e o álcool 70% não foi escolhido ao acaso e não é pelo menos 70%, mas sim 70. 

A indicação desta graduação é devido a uma concentração que irá desfazer e prejudicar a maioria das bactérias e vírus. Algo semelhante a um encaixe, ou seja, não deve ser mais e nem menos. Os mecanismos de ação do álcool são desidratação, desnaturação e coagulação. O álcool rouba água das bactérias, fungos e vírus, causa alteração das formas e altera o fluxo de aglutinação de partículas dos agentes causadores de doenças. 

A concentração, graduação ou teor de álcool, nada mais é que a quantidade de álcool em uma porção de água. Descobriu-se que o álcool precisa de água para entrar na célula e fazer seu trabalho, e que acima de 70% o álcool evapora antes de realizar sua atividade agressiva e protetora.

A forma em gel é mais adequada e segura por não se espalhar tanto como o álcool líquido e também por evaporar menos. Além disso, ele causa menos irritação à pele, graças à função hidratante em sua composição. 

Utilizar o álcool de posto de gasolina como fonte para produção de álcool 70% é uma ação péssima, pois o álcool de posto possui outros componentes tóxicos e agressivos ao ser humano e não deve ser adotado, assim como álcool "puríssimo", acima de 70% também não.

O álcool gel pode se tornar o ouro de tolo. Todos os itens de precaução e proteção possuem uma indicação de composição e de forma de utilização, essas determinações são consolidadas através de estudos para concluir se o que achamos é realmente verdade. Portanto, ajam com cuidado e conhecimento para que a intenção de proteção não se torne uma tragédia como a de Dona Norma.

*nome modificado para preservar a identidade da paciente.

Tem alguma dúvida ou gostaria de sugerir um tema? Escreva pra mim ericksongontijo@gmail.com