A segurança da sua saúde vai além do que você conseguiu comprar nas lojas online

Os dados fornecidos por exames ou aparelhos devem ser interpretados dentro de um contexto adequado

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(foto: Pixabay)

Os pacientes e seus familiares podem acreditar que os valores de referência dos exames ou os dados observados em seus aparelhos domésticos são protagonistas das decisões de saúde. Preciso compartilhar com vocês que muitas vezes esses números, se analisados de forma isolada, não são suficientes para um bom cuidado.
"Mas doutor, esse resultado está completamente fora da faixa de referência!", "Agora estou tranquilo, o aparelho está marcando saturação de 95%, isto é bom, não é mesmo?"  O raciocínio clínico vai além dos números e pode não ser tão exato quanto parece. No contexto da saúde, há inúmeras variáveis capazes de transformar a avaliação  de um valor de referência. 

Se você estivesse dentro de um hospital e pudesse escutar a seguinte conversa dos médicos: "Paciente estável, pressão arterial 120x80 mmHg, frequência respiratória de 18 respirações por minuto, temperatura de 36,9 graus celsius, saturação de oxigênio de 98%, sem dor, sem esforço respiratório, não apresentou febre nas últimas 48 horas", o que você imaginaria?

Estes são os meus dados vitais, no momento em que escrevia este texto, mas são também os dados de um paciente meu que está internado no CTI do hospital que trabalho. Os dados devem sempre ser interpretados e relacionados. Assim como diz o professor Edgar Nunes de Moraes, um dos meus mestres da Geriatria, os números podem não explicar nada sobre o nosso paciente, assim como a idade isolada, resultados isolados e medidas isoladas muitas vezes podem nos trair e descrever um paciente totalmente diferente, "é preciso olhar e entender o paciente", somos ensinados a enxergar primeiro o paciente e depois os exames e os números que eles trazem. Neste momento, o conhecimento dos médicos e demais profissionais da saúde são extremamente necessários e importantes, se não fossem certamente já teriam sido substituídos por computadores, tabelas e inteligência artificial.

Algumas pesquisas recentes mostraram que os itens mais desejados e adquiridos durante a pandemia são as luvas, máscaras, protetores de rosto, botas e macacões de proteção. Já falamos aqui sobre o uso inadequado dos equipamentos individuais de proteção, o impacto do consumo inadequado e a escassez em locais de necessidade extrema, como os hospitais. Outra onda de consumo que estamos observando são dos termômetros com e sem contato e dos oxímetros. 

O bom e velho termômetro é sim um item essencial em cada casa, porque ele permite a aferição da temperatura e a identificação da febre - um dos sintomas da Covid-19  e de diversas outras doenças. A situação é um pouco diferente no caso do oxímetro. Ele é um aparelho que mede indiretamente a quantidade de oxigênio no sangue de um paciente e deve ser interpretado com grande cautela, pois muitas vezes pode nos passar uma falsa segurança. Nesta semana, o jornal Estado de Minas trouxe uma matéria importante "Coronavírus: uso do oxímetro em casa merece atenção", e achei oportuno dar continuidade ao tema.

Os oxímetros devem ser utilizados de maneira adequada e inseridos em um contexto de cuidados, orientado por um profissional. No atendimento hospitalar não é raro iniciar ações imediatas para atender um paciente com baixa saturação de oxigênio e abortá-las após um reposicionamento do aparelho ou até  mesmo após constatar que aquele paciente específico possui um quadro de saturação abaixo da esperado na população em geral. O aparelho deve estar calibrado, com baterias suficientes e em bom estado. A pele fria, esmalte nas unhas e outras diversas situações do paciente devem ser avaliadas para que a aferição não seja equivocada. Os profissionais treinados já realizam essa conferência de maneira automática, porém não podemos esperar isso de pessoas em isolamento, angustiadas e sem treinamento.

Os dados que nos norteiam são definidos após estudos que analisam um grupo de pessoas específico e, muitas vezes, os nossos pacientes possuem características diferentes e não se enquadram na mesma análise dos estudos. No exemplo que apresentei podemos observar um paciente intubado em um CTI e saturando 98% ou uma pessoa calma, em casa, trabalhando em seu computador.

Nos tempos de COVID-19 devemos lembrar dos sintomas da doença, tosse, cansaço, febre, coriza, dor de garganta e dificuldade para respirar. Quando o assunto for saturação de oxigênio, é importante deixar bem claro quais são os dados e a importância deles. O saturimetro ou oxímetro fornece os dados de saturação de oxigênio e, geralmente, da frequência cardíaca. Os dados são obtidos de maneira indireta através de sensores de som e luz, porém não há uma verificação de batimentos cardíacos e nem há contato com nenhum oxigênio do seu corpo; são medidas indiretas. Nos hospitais podemos verificar esses dados de maneira mais específica por meio de exames como eletrocardiograma e a gasometria - um exame que avalia a concentração de gases presente no sangue, como o oxigênio e o gás carbônico. 

O grande desafio é mudar o curso das doenças e melhorar esses desfechos ruins, especialmente no caso de Covid-19, precisamos alertar que os dados de saturação de oxigênio serão alterados somente em quadros avançados da doença, então se a sua saturação de oxigênio estiver abaixo do esperado você já deveria ter sido avaliado em local adequado, ou seja, não espere os dados do seu oxímetro estarem ruins para procurar os  serviços de saúde.

Os relatos atuais descrevem que os pacientes com Covid-19 tem comprometimento grave de saúde, antes mesmo de apresentarem alterações de oximetria. O corpo está se esforçando para conseguir vencer a doença, mesmo com valores de bons de oxigênio. 

A intervenção precoce por uma equipe de saúde bem treinada é o que tem demonstrado melhores resultados e essa velocidade não pode ser atrasada por valores de oxigênio medidos em casa. Os dados da Alemanha e de muitos locais aqui do Brasil de bom desfecho de tratamento estão sempre associados a uma equipe bem preparada para decidir as melhores condutas. Não podemos nos iludir que isto pode ser substituído por oxímetro de dedo e outros acessórios. Aos sinais de cansaço ou falta de ar deve-se buscar atendimento médico imediatamente.