Assistência domiciliar: como aumentar leitos sem construir hospitais

Com equipes treinadas, transforma-se um domicílio em um ponto de cuidado estratégico para o paciente e para a família

Medworld
(foto: Medworld)

Nesta semana, o jornal Estado de Minas trouxe uma matéria que faz um alerta importante - BH pode ter 15 mil internações num único dia. A notícia fala sobre um estudo realizado por professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que alerta para a sobrecarga do sistema de saúde e o possível aumento no número de mortes por falta de assistência hospitalar.

Como não chegarmos a este ponto? O isolamento social e a higienização correta são ações necessárias e podem ser adotadas por cada um de nós. Mas, além delas há uma estratégia ainda pouco comentada que é capaz de aumentar os leitos: a Assistência Domiciliar (AD).

No último ano, no texto “Atenção domiciliar - a evolução do Home care e uma solução humanizada para cuidar da saúde”, falei sobre essa modalidade continuada de prestação de serviços na área da saúde, realizada nas moradias dos pacientes, e como ela pode trazer bons resultados. Diante do cenário delicado que estamos vivendo e do risco de um colapso no sistema de saúde - público e privado -, a Assistência Domiciliar traz uma possibilidade real de aumento dos leitos comuns e de UTI. Através de equipes treinadas transformamos cada domicílio em um ponto de cuidado estratégico para o paciente e para a família, é a mágica de transformar o isolamento social em um isolamento assistencial.

Um dos objetivos da Assistência Domiciliar é realizar e apoiar a desospitalização precoce, oferecendo ao paciente a estrutura necessária - equipamentos e profissionais - para que receba os cuidados em casa, de forma humanizada e individualizada. Para atender as necessidades de cada indivíduo, a AD oferece um atendimento multiprofissional, realiza terapias medicamentosas, ventilatórias e atende pacientes com dispositivos complexos como gastrostomia, traqueostomia e respiradores garantindo, assim, maior inclusão, humanidade e conforto para o paciente e família. 

Esta modalidade é capaz de manejar pacientes de maneira segura e responsável sem comprometer o desfecho do paciente fora do ambiente hospitalar. Os cuidados realizados por meio da Assistência Domiciliar podem ser paliativos, preventivos, atendimentos pontuais, hospitalização domiciliar, atenção na fase pré e pós óbito. É

O ambiente hospitalar deverá ser reservado aos pacientes que mais necessitarem de cuidados intensivos. Pacientes previamente internados em hospitais poderão continuar recebendo o mesmo cuidado em suas residências, via Assistência Domiciliar - movimento que permitirá a liberação de leitos hospitalares para receber os casos mais graves da Covid-19. Assim como todas as situações da medicina, a Assistência Domiciliar deve ser avaliada caso a caso com a equipe médica responsável pelo cuidado do paciente internado.

A AD está disponível no sistema público e privado. No SUS, ela está em expansão por meio do Programa Melhor em Casa e EMAD. Em Belo Horizonte, além dos programas Melhor em Casa e EMAD (Equipe Multidisciplinar de Atenção Domiciliar), a prefeitura possui o Programa Mais Vida em Casa, realizado em parceria com o Hospital das Clínicas da UFMG. Já no sistema privado, as operadoras e planos de saúde realizam a assistência domiciliar por meio de equipes próprias ou por empresas parceiras e especializadas neste cuidar - mais conhecidas como home care.

Há 5 anos, atuo na Assistência Domiciliar fazendo o cuidado dos pacientes e a gestão dos serviços e equipes assistenciais e o que descrevo aqui não é um projeto, é uma realidade que leva dignidade e assistência de qualidade. Por isso, é tão importante avaliar a AD como uma estratégia real e plausível diante do desconhecido que nos espera. As estatística mudam de um dia para o outro, as curvas de crescimento e cura não são confiáveis. 

Eu acredito na ciência e na medicina. Como médico e cientista, me propus a estudar diariamente e sei que a certeza de ontem pode não ser a de amanhã, por isso se apegar a promessas, vontades e opiniões não é uma boa saída. Todas as pessoas do mundo desejariam uma resposta prática, lógica e segura para combater o coronavírus, mas isso não é justificativa para mudar a rota das descobertas. 

Decisões heróicas podem ser fatais e, sinceramente, gostaria de relembrar a todos meus colegas da saúde, aqueles que serão responsáveis pela vida das pessoas - Primum non nocere - Primeiro, não prejudicar. O princípio da não-maleficência deve guiar nossos passos e nossa consciência. De maneira bem objetiva a Dra. Ho Yeh LI, coordenadora da UTI de moléstias infecciosas do HC da USP em sua espectacular aula, disponível na internet pelo CREMESP, diz: "não inventa. Faz o que você já sabe".

Tem alguma dúvida ou gostaria de sugerir um tema? Escreva pra mim ericksongontijo@gmail.com