Novembro: Mês de Consciência Sobre o Câncer de Pulmão

Conheça os extraordinários avanços obtidos especialmente devido ao melhor entendimento da genética, da genômica e da imunologia destes tumores

Diário de Pernambuco/reprodução
(foto: Diário de Pernambuco/reprodução)

Um grupo de organizações e líderes internacionais de pesquisa e defesa contra o câncer de pulmão se junta a cada novembro em um esforço para melhorar os resultados para pacientes com câncer de pulmão em todo o mundo. Trata-se do Lung Cancer Awareness Month. 

Por isso, gostaria de tratar hoje dos extraordinários avanços obtidos no tratamento desse câncer, graças especialmente ao melhor entendimento da genética, da genômica e da imunologia desses tumores.

Comemoramos, neste ano, 20 anos de muitos e importantes avanços no tratamento do câncer de pulmão avançado. No ano 2000, os resultados do ensaio clínico do grupo cooperativo americano ECOG (Estudo 1594) foram apresentados na sessão plenária da Reunião Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO).

O estudo demonstrou resultados comparáveis entre quatro regimes diferentes de quimioterapia à base de platina para o tratamento do câncer de pulmão de células não pequenas metastático (CPCNP). As taxas de resposta objetiva foram de aproximadamente 20% e a sobrevida global mediana foi de apenas 8 meses.

Apenas um ano antes, o docetaxel havia sido aprovado como terapia de resgate para CPCNP avançado, com base em taxas de resposta de menos de 10% e uma sobrevida média de 8 meses.

Houve então um intenso debate sobre se a terapia sistêmica deveria ser oferecida a pacientes com CPCNP em estágio avançado, devido à baixa eficácia da quimioterapia oferecida à época.

A única possibilidade de sobrevida de longo prazo ou cura para o câncer de pulmão era seu diagnóstico precoce e o consequente tratamento cirúrgico. No entanto, apenas uma pequena proporção de cânceres de pulmão era diagnosticada precocemente devido à falta de métodos de rastreamento eficazes.

É difícil pensar que mesmo o oncologista torácico mais otimista poderia ter previsto o mar de mudanças que se seguiu, resultando em um reposicionamento dramático do câncer de pulmão como uma plêiade de paradigmas de tratamento individualizado para fornecer sobrevivência a longo prazo para pacientes com câncer em estágio avançado.

Com os novos tratamentos, a mortalidade por câncer de pulmão tem sido reduzida em 3% a 6% ao ano, desde 2013, nos EUA. Desde 1991, a redução geral foi de 29% - traduzindo-se em 3 milhões a menos de mortes relacionadas ao câncer de pulmão nas últimas três décadas.

Esse avanço, sem dúvida, se deve em grande parte à mudança do paradigma do tratamento medicamentoso com a incorporação das drogas alvo-moleculares e também da moderna imunoterapia, chamada de imunoterapia de última geração.

O que são drogas "alvo-moleculares" ou "alvo-específicas"?


O câncer ocorre quando a célula tumoral sofre mutação genética nos genes responsáveis pelo controle da multiplicação celular e há, então, a produção de proteínas que estimulam seu crescimento e sua multiplicação desordenada.

Os medicamentos de tecnologia alvo-molecular têm atuação mais direcionada, atacando especificamente as células doentes. Eles identificam os genes doentes e suas proteínas e agem sobre eles. 

Já a imunoterapia de última geração se baseia nos ‘‘inibidores de proteínas dos pontos de checagem imunológica’’ e utilizam o próprio sistema imunológico do paciente para combater as células tumorais.

Esta nova classe de imunoterapia desliga um sistema de camuflagem das células tumorais e permite que o organismo recomece e destrua as células tumorais através dos linfócitos T ativados. 

Vários alvos moleculares hoje são passíveis de tratamento direcionado, como as mutações dos genes EGFR e BRAF e as fusões dos genes ALK e ROS1. Já a hiperexpressão da proteína PD-L1 determina a sensibilidade aos imunoterápicos anti-PD-1 ou PD-L1.

Só no ano de 2020, a Food and Drug Administration dos EUA aprovou nove novas indicações para câncer de pulmão; quatro representam novos agentes aprovados pela primeira vez (selpercatinibe, pralsetinibe, lurbinectedina, capmatinibe) e três são novas indicações para agentes de imunoterapia.  

Com os novos tratamentos, a sobrevida em longo prazo dos pacientes, sem o comprometimento da qualidade de vida, é uma meta terapêutica realista para um grande subconjunto de pacientes com CPCNP em estágio avançado.

Os testes moleculares, por meio de abordagens de sequenciamento de próxima geração (NGS), permitem a detecção de pelo menos sete ‘‘alvos moleculares’’ que podem ser tratados com terapias direcionadas, com os testes sendo realizados tanto em tecido tumoral quanto em DNA tumoral circulante no sangue (a revolucionária ‘‘Biópsia Líquida’’).

Esses novos agentes fornecem taxas de resposta tumoral objetivas, entre 50% e 85%, e sobrevida livre de progressão mediana variando de 10 meses a 25 meses.

Primeiros passos para a terapia personalizada: inibidores de EGFR e ALK


Os primeiros passos em direção à terapia personalizada começaram com o desenvolvimento de inibidores de tirosina quinase do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) e da demonstração de que a presença de mutações ativadoras estava associada a sensibilidade à terapia.

Posteriormente, novas gerações de inibidores de EGFR foram desenvolvidas para melhorar a perfil de eficácia e para superar mecanismos de resistência adquirida. Um aumento na especificidade para o receptor mutado melhorou o perfil de segurança dos inibidores da tirosina quinase.

A atividade melhorada contra a metástase cerebral também foi um contribuinte chave para o sucesso da nova geração de inibidores de tirosina quinase EGFR.

Outro marco importante foi a descoberta de que o rearranjo da cinase do linfoma anaplásico (ALK) é um alvo oncogênico para certos pacientes com câncer de pulmão no ano de 2007. Isso foi seguido rapidamente pela avaliação dos inibidores de ALK que proporcionaram benefícios dramáticos aos pacientes.

Seis inibidores de ALK diferentes demonstraram eficácia robusta para este subconjunto de pacientes com doença em estágio avançado, para os quais a sobrevida média é de mais de 5 anos.

Mais recentemente, resultados promissores foram observados com o direcionamento direto do oncogene KRAS G12C, tido até então como um alvo inatingível. Drogas anti-KRAS G12C, recentemente desenvolvidas, proporcionam uma taxa de resposta de aproximadamente 32%.

Um conjugado anticorpo-droga demonstrou uma taxa de resposta de mais de 60% em pacientes com CPCNP com mutação HER2, em resultados iniciais de um estudo em andamento. Tomados em conjunto, o número de alvos oncogênicos para terapias de precisão logo atingirá dois dígitos, trazendo para o primeiro plano nossas aspirações de longa data de tratamentos individualizantes.

Últimos passos para a terapia personalizada: inibidores de pontos de checagem imunológica


O advento dos inibidores do ponto de controle imunológico representa mais um marco importante na jornada de progresso contra o câncer de pulmão. Cinco inibidores do ponto de verificação imunológico são agora usados na prática clínica de rotina.

Para pacientes com alta expressão de PD-L1, que representam aproximadamente 30% dos pacientes com NSCLC metastático, a taxa de sobrevida em 5 anos com pembrolizumabe em monoterapia é de 32%.

Aqui, novamente, a seleção de tratamento baseada em biomarcador permite maximizar o benefício da imunoterapia usando-a sozinha ou em combinação com quimioterapia, dependendo do nível de expressão de PD-L1.

A combinação de ipilimumabe e nivolumabe agora foi aprovada como a primeira abordagem combinada sem quimioterapia no contexto da inibição do ponto de controle imunológico. 

Espera-se que mais abordagens de combinação estejam disponíveis no futuro para superar a resistência e estender os benefícios da imunoterapia. Tenhamos esperança e continuemos os investimentos em pesquisas.


*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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