Diagnóstico personalizado ou rastreamento universal do câncer de próstata?

Novembro Azul chama atenção para novas abordagens personalizadas considerando perfil do paciente, história pregressa, casos na família e outros fatores de risco

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(foto: Pixabay)

Se o leitor reparar bem, perceberá que, a cada mês, um tipo de câncer é alvo de ações de conscientização. Assim, durante todo o ano fala-se da importância da prevenção e do diagnóstico precoce da doença. E, agora, já estamos no Novembro Azul, mês de atenção à saúde integral do homem, mas, principalmente, dedicado à conscientização sobre o câncer de próstata.

Com 65.840 casos previstos pelo INCA somente este ano, esse tipo de tumor deverá corresponder a 29% dos tumores em homens. Em 2018, conforme o Atlas da Mortalidade por Câncer do INCA, foram 15.576 óbitos. Sempre que vejo números tão altos assim, tal como é também o número de mortes por COVID-19, acho pertinente lembrar que cada um deles era uma vida importante, que, muitas vezes, a detecção precoce e até mesmo a prevenção personalizada poderiam ter poupado.

Sendo meu objetivo conscientizar sobre isso, chamo atenção para algumas discussões a respeitos das ações de diagnóstico: ainda hoje o rastreamento do câncer de próstata, por meio das dosagens periódicas do PSA (antígeno prostático específico) e a realização do toque retal são discutidos diante da falta de um consenso.

Enquanto de um lado argumenta-se que não há evidências conclusivas de que a detecção precoce tenha influência na redução da mortalidade se o rastreamento for realizado em toda a população masculina e não no grupo de risco, por outro, defende-se que o rastreamento repercute, sim, na queda da mortalidade.


Parecer das  autoridades mundiais


Para efeitos práticos, as Sociedades Americana, Europeia e Brasileira de Urologia se baseiam em estudos randomizados de grande porte e longo seguimento para defender que o rastreamento universal de toda população masculina (sem considerar idade, raça e história familiar) não é a melhor abordagem.

Em artigo sobre o tema, a própria SBU destaca que apesar de associado ao diagnóstico precoce e diminuição da mortalidade, o rastreamento universal pode trazer efeitos negativos a muitos homens pelo fato de que, uma vez diagnosticado um tumor, a cirurgia é então indicada (a chamada prostatectomia radical) ou alternativamente o tratamento radioterápico, para pacientes que apresentem contraindicação ao tratamento cirúrgico. Essa cirurgia, apesar de raramente, pode resultar em incontinência urinária e em disfunção erétil.

Ocorre que, especialmente em indivíduos mais idosos, estes tumores podem apresentar uma evolução muito lenta e, muitas vezes, podem ficar confinados à próstata por muitos anos, sem qualquer prejuízo à saúde do portador. Uma cirurgia nesse caso pode não resultar consequentemente em benefício inequívoco.

A grande questão é que hoje não temos ainda a capacidade de distinguir tumores mais agressivos (em que o tratamento precoce resultará em benefício inequívoco) daqueles indolentes, para os quais o tratamento precoce não resultará na mudança da história natural da doença. O melhor entendimento da genética tumoral certamente nos dará esta resposta em um futuro próximo. 

Como oncogeneticista, e muito tempo antes disso, considero que, em geral, a prevenção e o diagnóstico personalizados, que avaliam o perfil do paciente, sua história pregressa, seus eventuais fatores de risco e também histórico familiar para definição de um protocolo preventivo e diagnóstico focado em cada realidade são os mais indicados. Somado a isso, os avanços na genética e nos testes genéticos para o diagnóstico correto das síndromes de predisposição hereditária ao câncer, por exemplo, já propiciam melhor seleção dos homens para o rastreamento do câncer de próstata.

Hoje, estudos genéticos recentes sobre a doença indicam que o principal fator de risco é hereditário, sendo responsável por até 13% dos casos. As pesquisas indicam que, nestes casos, os tumores tendem a ser mais agressivos e a surgirem em idade mais jovem (abaixo dos 50 anos).

As principais mutações herdadas conhecidas são em genes como o BRCA-2 (menos frequentemente o BRCA-1, o TP53, o MLH1, o PMS2, o MSH6, o MSH2 e o HOXB13). O risco de câncer de próstata é duas a três vezes maior nos portadores de mutação no gene BRCA-1 e 9 vezes maior nos portadores de mutação do gene BRCA-2. As mutações destes genes aumentam também o risco de cânceres de mama (inclusive nos homens), ovário, pâncreas e pele (melanoma).

Atenção personalizada aos homens com perfil para síndromes hereditárias


Mas, afinal, como identificar entre toda a população masculina os que possuem tais síndromes? Recomenda-se a pesquisa destas mutações – por meio de testes genéticos que avaliam amostras de sangue ou saliva – quando houver histórico de câncer de próstata de agressividade alta ou intermediária (Escala de Gleason maior ou igual a 7) e também nas seguintes situações:

1) Pelo menos um parente de primeiro grau com histórico de câncer de mama, ovário ou próstata com diagnóstico feito em idade abaixo dos 51 anos;

2) Pelo menos 2 parentes com histórico de cânceres de mama, ovário ou próstata em qualquer idade.  O ideal é que se faça o teste genético primeiramente em um paciente que teve o câncer.

Uma vez detectada uma mutação específica, indica-se também a pesquisa genética de familiares consanguíneos. Assim, confirmando-se em mais membros é possível realizar um rastreamento ativo com dosagens seriadas de PSA e ainda outros exames para a detecção precoce dos demais tumores que compõem as síndromes. 

De forma geral, recomenda-se o rastreamento seja iniciado aos 50 anos de idade. Entretanto, o rastreamento deve ser iniciado abaixo dos 40 anos em casos de portadores de mutações hereditárias de predisposição ao câncer de próstata, como a do gene BRCA2.

Também aplicamos a regra do início do rastreamento 5 anos abaixo da idade em que foi diagnosticado o câncer no familiar em idade mais jovem. Todas estas condutas e exames, bem como o aconselhamento genético pré e pós testes devem ser realizados por especialistas com larga experiência em oncogenética. Homens de raça negra ou com parentes de primeiro grau com câncer prostático devem começar aos 45 anos. 

As principais entidades médicas internacionais também sugerem que os testes genéticos sejam realizados em todos os pacientes com câncer de próstata avançado, uma vez que a identificação de mutações patogênicas nos genes de recombinação homóloga, como BRCA-1 e BRCA-2, é atualmente indicação para terapia alvo com drogas alvo-específicas denominadas inibidores de enzima PARP, como o olaparibe. A imunoterapia também passou a ser avaliada no tratamento do câncer de próstata com resultados promissores.

Atenção aos sintomas


Aproveitando a oportunidade, chamo o público masculino a estar atento aos sintomas comuns do câncer de próstata: problemas para urinar, sensação de que a bexiga não se esvazia completamente e sangue na urina são indícios que indicam um estágio avançado da doença. Dores ósseas, principalmente nas costas, sugerem a presença de metástases, fase em que a doença já é incurável. Por isso, o foco deve ser realizar o diagnóstico antes que os sintomas surjam, para que o tratamento tenha altas chances de cura.

Para além do diagnóstico precoce e personalizado, é importante que a população possua hábitos de vida que contribuam para a prevenção do tumor. Estudos sugerem que maus hábitos alimentares, como uma dieta rica em gordura e proteína de origem animal de alimentos industrializados, enlatados, adocicados, embutidos artificialmente conservados eleva os índices de substâncias potencialmente cancerígenas no organismo, como a nitrosamina e o IGF, que é um fator similar à insulina, com propriedades estimuladoras do crescimento de células tumorais.

A obesidade e o sedentarismo igualmente elevam os riscos. Portanto, uma dieta saudável, rica em verduras, legumes, frutas, grãos e peixes além da prática regular de atividades físicas e manutenção do peso ideal seriam as principais medidas preventivas.

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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