Novas drogas anticâncer podem ter salvo mais de 1,2 milhão de vidas

Resultados encontrados entre americanos é provavelmente maior se forem considerados os estudos clínicos desenhados, desenvolvidos ou conduzidos ao redor do mundo

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(foto: Pixabay)

Existem muitos trabalhos que são feitos sem alarde, mas que de grão em grão vão acumulando resultados excepcionais. Exemplo disso são os dados recentes demonstrando que novos medicamentos contra o câncer podem ter salvado mais de 1,2 milhão de americanos.

As novas descobertas, relatadas no Journal of Medical Economics, sugerem que os medicamentos aprovados entre 2000 e 2016 para tratar os 15 tipos de câncer mais comuns ajudaram a reduzir a mortalidade em 24% a cada 100.000 pessoas.

As reduções na mortalidade foram mais notáveis para tipos de tumor com relativamente mais aprovações, incluindo câncer de pulmão e de mama, melanoma, linfoma e leucemia. Em janeiro, um relatório da American Cancer Society (ACS) estimou que, de 1991 a 2017, houve 2.902.200 mortes por câncer evitadas.

Como diretor de um dos Centros de Pesquisas que compõem essa extensa rede internacional de desenvolvimento de novos medicamentos, posso dizer que esses estudos devem também ter poupado milhares de vidas de brasileiros que participaram das centenas de estudos clínicos desenhados, desenvolvidos ou conduzidos com a participação ativa de Centros Brasileiros de Pesquisas Clínicas em Câncer.

E, por isso, dou meus parabéns a todos os envolvidos: profissionais de saúde, instituições, pacientes e familiares. Em especial, parabenizo a gerente de Pesquisa Clínica Alessandra Dias, que, com muita capacidade, conduz a equipe e os estudos do Centro de Pesquisas Clínicas Personal Oncologia.

De minha parte, tenho uma grande honra e o imenso orgulho de ter humildemente contribuído para a redução da mortalidade desses cidadãos, especialmente, no nosso estado de Minas Gerais. Nestes 30 anos de intensa atividade de pesquisa clínica de novos medicamentos e biomarcadores genômicos para o tratamento do câncer, foram quase 100 estudos e ensaios clínicos.

Tanto no Centro de Pesquisas da Clínica Personal: Oncologia de Precisão e Personalizada, quanto nos demais centros dos quais fui fundador e coordenador, no Hospital das Clínicas da UFMG, no Hospital Lifecenter e no Hospital Vera Cruz, desenhamos e executamos  ensaios clínicos de iniciativa própria, e também participamos como centro investigador de inúmeros ensaios clínicos internacionais que culminaram na aprovação de vários medicamentos hoje disponíveis para uso comercial contribuindo para enfrentamento do câncer.

Pudemos testar várias drogas e combinações de drogas como quimioterápicos, hormonioterápicos, drogas alvo-moleculares e imunoterápicas, além de vários tratamentos de suporte em oncologia, como antieméticos, analgésicos inibidores da perda óssea por metástases e também radioisótopos terapêuticos.

Sem dúvida, um dos estudos mais importantes foi o que desenhamos e executamos, ainda no Ambulatório de Oncologia do Hospital das Clínicas da UFMG, juntamente com os colegas do então Serviço GEN-CAD (Grupo de Gastroenteeologia, Nutrição e Cirurgia do Aparelho Digestivo - hoje Instituto Alfa), isso no início dos anos 1990.

Nessa época, ainda não havia comprovação de que a quimioterapia seria benéfica no aumento de sobrevida para os pacientes portadores de câncer de estômago em fase avançada de doença.

Tivemos então a ousadia de comprovar, pela primeira vez na literatura médica, o inequívoco benefício da quimioterapia nesse câncer, testando um esquema de medicamentos combinados chamado FAMTX, através de um estudo prospectivo de desenho de alocação aleatória (randomizado).

Nesse tipo de estudo, os pacientes são sorteados para receber a quimioterapia ou apenas o tratamento de suporte clínico e sintomático, que era o padrão da época. Os resultados obtidos foram considerados de extrema relevância e pioneirismo, pois comprovaram que a quimioterapia proposta triplicava a expectativa de sobrevida dos pacientes que receberam a combinação de quimioterápicos.

Esse estudo ganhou prioridade máxima de publicação na revista americana Cancer, considerada a mais importante da época para a Oncologia mundial. Sua importância foi tamanha que, até hoje, é referência de citação em vários artigos e livros-texto especializados.

Posteriormente, mais dois estudos realizados em outros países confirmaram nossos resultados. O nome do nosso Hospital, de nossa Faculdade de Medicina e do nosso Serviço pôde, então, ser divulgado em vários congressos nacionais e internacionais, incluindo uma Sessão Plenária de um Congresso Anual da ASCO (Sociedade Americana de Oncologia Clínica).

Hoje, tenho também me dedicado ao desenvolvimento de painéis genômicos para a melhor escolha terapêutica para tumores, tanto em tecido quanto em biópsia líquida, contribuindo, assim, com a chamada Oncologia Personalizada ou Oncologia de Precisão.

Somos pioneiros, no Brasil, no desenvolvimento da biópsia líquida que utiliza a tecnologia de dd-PCR (reação em cadeia da polimerase digital em gotas), a qual nos permite analisar os tumores molecularmente através do DNA tumoral presente no sangue periférico dos pacientes.

Isso nos permite escolher os melhores tratamento de forma personalizada e segura, pois não envolve a necessidade de biópsias ou mesmo cirurgias para obtenção do material tumoral.

Para finalizar, destaco a importância da criação de novos centros de pesquisa em nosso país, tanto nas instituições públicas, acadêmicas ou universitárias, quanto nas privadas, através de incentivos, apoio institucional e suporte logístico e financeiro pelas agências de fomento.

Também é imprescindível o estímulo e o treinamento contínuo aos profissionais envolvidos nas atividades de pesquisa, até para que novos investigadores possam se juntar aos já atuantes, fazendo com que o acesso aos ensaios clínicos e aos novos e pioneiros tratamentos possam ser democratizados, expandidos e melhor distribuídos em nosso país. 

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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