Livro mostra como é possível ser um iogue urbano

Iogue urbano é aquele que é capaz de harmonizar compromissos e a vida corrida na cidade com as práticas de meditação

por Gláucia Chaves 16/12/2014 10:30

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Zuleika de Souza/CB/D.A Press
Thadeu Martins é autor de 'Conversas com um yogue urbano' (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Thadeu Martins é uma pessoa alegre. Com fala calma, articulada e sempre com um sorriso largo, ele explica que o segredo dessa tal felicidade é a ioga. Martins dá aulas de ioga todos os sábados. Com exercícios e palestras bem-humorados, ele ensina os alunos a interiorizar o iogue urbano: um indivíduo capaz de harmonizar compromissos e a vida corrida na cidade com as práticas de meditação. Ele ensina a técnica desde 1983. Cada aula começa com uma conversa sobre os fundamentos da prática. “As palestras são para trazer as pessoas para os conceitos e para a filosofia, para os alunos não acharem que faremos só ginástica”, explica. “A gente até vai (fazer ginástica), mas eles precisam entender o porquê.” Em 2004, as palestras começaram a ser gravadas pelo jornalista e aluno de Thadeu Martins, Ricardo Borges. A compilação virou o recém-lançado livro Conversas com um yogue urbano (edição do autor). No sumário, 100 capítulos curtíssimos que servem como pílulas de ioga.

O que seria um iogue urbano?
Você é uma pessoa em meio à correria da cidade, mas é um indvíduo capaz de ser quem ele é, respirar, se comportar. Tem luz própria, como cada pessoa.

Como começou sua história com a ioga?
Comecei a praticar em 1968. Levava uma vida normal, estudava engenharia. Era uma época muito conturbada no Brasil. Eu participava do movimento estudantil, era tesoureiro do grêmio acadêmico… Não dá para viver só aquela intensidade. Eu me recolhia na prática da ioga para conseguir manter a paz e a tranquilidade. À medida que eu fui harmonizando estudar, trabalhar e praticar ioga, aquilo foi fazendo parte da minha vida. Em 1980, resolvi estudar de verdade (a ioga). Meu professor morreu, então, em homenagem a ele, resolvi estudar toda a biografia que ele indicava. Virei importador de livros, abri uma livraria no Rio de Janeiro, perto do Mercado das Flores.

Isso tudo aconteceu no Rio de Janeiro?
Sim, eu morava lá. Sou carioca, nascido e criado em Botafogo. Comecei a importar os livros e descobri que o The Yoga Institute, onde meu professor estudava, em Mumbai, tinha os livros. Comecei a estudar toda a biografia do mestre que fundou esse instituto. Em 1983, eu me mandei para a Índia porque não tinha mais o que estudar aqui. Fiquei como residente desse instituto.

Existe alguma diferença entre a “ioga urbana” e a tradicional?
A ênfase não é de ginástica. Os exercícios são os mesmos que se praticam em todos os locais em que a ioga é praticada, mas é um modo de viver. Cada exercício está associado a uma atitude.

Então a pessoa pratica o exercício pensando em uma atitude específica?
Isso, mentalizando aquela atitude. Ioga é atitude. Quando você, por exemplo, faz um exercício em que fica na posição vertical, olhando para um objeto bem distante e percebe tudo que está ao seu redor, já tomou a primeira atitude: perceber onde você está. Perceber em que ordem do mundo você está inserido.

Quais são outras atitudes importantes na ioga?
A mais importante de todas é ser quem você é. O que não é fácil, porque no dia a dia temos que exercer muitos personagens. De repente, vai que a pessoa se identifica tanto com o personagem que deixa de ser quem ela realmente é. Passa a ser o cobrador do ônibus, o professor da escola, o motorista de táxi… Mas ninguém é só mãe, pai, filho. É alguém que nem precisaria ter nome, mas que sente, esse é o segredo. É preciso se perceber, porque, se isso não acontece, você pode estar fazendo algo que está te fazendo mal. É como casamento errado: aquilo vai se esticando, as duas pessoas estão sofrendo, e para quê? Desapegar, que é a capacidade de aprender coisas novas, ver a realidade como ela é, sem estar tão preso aos próprios preconceitos e história. A última é a autoconfiança, que é ser capaz de agir. Essas são as quatro atitudes. Isso tudo para apoiar o ser que se é.

Quais são as principais dificuldades do indivíduo urbano em praticar a ioga e a meditação?

Não percebo dificuldades só nos meus alunos, mas em mim também. Na verdade, percebo em muitas pessoas (risos). Somos muito voltados para fora, então, estamos quase que o tempo todo fora de nós. Dedicamos muita atenção às solicitações que nos fazem, aos papéis que a gente exerce. Desde pequeno, na hora que você nasce, já está no mundo da produção. Você tem que fazer, comprar, vender… Tem que estar sempre agindo, agindo, agindo. Raramente, a pessoa tem a oportunidade de parar. E de aceitar que é razoável parar de agir.

Até para pensar sobre o que se está fazendo...
Exatamente. O iogue urbano é, ao mesmo tempo, duas pessoas: é quem faz a ação e quem observa a si próprio fazendo a ação. Esse é o grande barato, porque você está ao mesmo tempo fazendo e percebendo.

Como a ioga ensina esse olhar, essa percepção da própria realidade?
Com a prática. O segredo de qualquer excelência é a prática. Não basta compreender, tem que exercitar. E esse exercitar é diário. É já começar o dia praticando ioga.

E como alguém pode começar o dia praticando ioga?
Na hora de se espreguiçar, por exemplo, faça-o com a intenção de a musculatura se mover, de saborear o amanhecer. Dar bom-dia ao dia. Acordar com a luz do dia em vez de usar um despertador. Levantar de bom humor, com um sorriso. O barato não é ser feliz? Mas o “ser feliz”, na ioga, é o princípio, não o fim. Você já começa sendo feliz e, sendo feliz, você faz as coisas. Você não pratica para ser feliz.

Ioga, então, seria a percepção da própria realidade para sair do automático da vida moderna?
E fazer aquilo que você acha que é coerente com os seus valores, com a sociedade, enfim. Com o seu mundo, com a sua época. Vivemos valores que já estão aqui há algum tempo e vão perdurar. Se eu não for coerente com os valores da época em que vivo, serei um excluído. A primeira coisa que em ioga se presta atenção é você estar incluído. Aliás, o maior medo da humanidade é ser excluído. A morte é a exclusão total, por isso temos medo de morrer. Não é só a morte em si. Daí o desapegar-se estar associado às posturas em que você se torna indefeso. O cara que medita se prepara para morrer diariamente, mas sem traumas. Meditar e morrer é a mesma coisa — é o não agir completo.