
O que seria um iogue urbano?
Você é uma pessoa em meio à correria da cidade, mas é um indvíduo capaz de ser quem ele é, respirar, se comportar. Tem luz própria, como cada pessoa.
Como começou sua história com a ioga?
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Isso tudo aconteceu no Rio de Janeiro?
Sim, eu morava lá. Sou carioca, nascido e criado em Botafogo. Comecei a importar os livros e descobri que o The Yoga Institute, onde meu professor estudava, em Mumbai, tinha os livros. Comecei a estudar toda a biografia do mestre que fundou esse instituto. Em 1983, eu me mandei para a Índia porque não tinha mais o que estudar aqui. Fiquei como residente desse instituto.
Existe alguma diferença entre a “ioga urbana” e a tradicional?
A ênfase não é de ginástica. Os exercícios são os mesmos que se praticam em todos os locais em que a ioga é praticada, mas é um modo de viver. Cada exercício está associado a uma atitude.
Então a pessoa pratica o exercício pensando em uma atitude específica?
Isso, mentalizando aquela atitude. Ioga é atitude. Quando você, por exemplo, faz um exercício em que fica na posição vertical, olhando para um objeto bem distante e percebe tudo que está ao seu redor, já tomou a primeira atitude: perceber onde você está. Perceber em que ordem do mundo você está inserido.
Quais são outras atitudes importantes na ioga?
A mais importante de todas é ser quem você é. O que não é fácil, porque no dia a dia temos que exercer muitos personagens. De repente, vai que a pessoa se identifica tanto com o personagem que deixa de ser quem ela realmente é. Passa a ser o cobrador do ônibus, o professor da escola, o motorista de táxi… Mas ninguém é só mãe, pai, filho. É alguém que nem precisaria ter nome, mas que sente, esse é o segredo. É preciso se perceber, porque, se isso não acontece, você pode estar fazendo algo que está te fazendo mal. É como casamento errado: aquilo vai se esticando, as duas pessoas estão sofrendo, e para quê? Desapegar, que é a capacidade de aprender coisas novas, ver a realidade como ela é, sem estar tão preso aos próprios preconceitos e história. A última é a autoconfiança, que é ser capaz de agir. Essas são as quatro atitudes. Isso tudo para apoiar o ser que se é.
Quais são as principais dificuldades do indivíduo urbano em praticar a ioga e a meditação?
Não percebo dificuldades só nos meus alunos, mas em mim também. Na verdade, percebo em muitas pessoas (risos). Somos muito voltados para fora, então, estamos quase que o tempo todo fora de nós. Dedicamos muita atenção às solicitações que nos fazem, aos papéis que a gente exerce. Desde pequeno, na hora que você nasce, já está no mundo da produção. Você tem que fazer, comprar, vender… Tem que estar sempre agindo, agindo, agindo. Raramente, a pessoa tem a oportunidade de parar. E de aceitar que é razoável parar de agir.
Até para pensar sobre o que se está fazendo...
Exatamente. O iogue urbano é, ao mesmo tempo, duas pessoas: é quem faz a ação e quem observa a si próprio fazendo a ação. Esse é o grande barato, porque você está ao mesmo tempo fazendo e percebendo.
Como a ioga ensina esse olhar, essa percepção da própria realidade?
Com a prática. O segredo de qualquer excelência é a prática. Não basta compreender, tem que exercitar. E esse exercitar é diário. É já começar o dia praticando ioga.
E como alguém pode começar o dia praticando ioga?
Na hora de se espreguiçar, por exemplo, faça-o com a intenção de a musculatura se mover, de saborear o amanhecer. Dar bom-dia ao dia. Acordar com a luz do dia em vez de usar um despertador. Levantar de bom humor, com um sorriso. O barato não é ser feliz? Mas o “ser feliz”, na ioga, é o princípio, não o fim. Você já começa sendo feliz e, sendo feliz, você faz as coisas. Você não pratica para ser feliz.
Ioga, então, seria a percepção da própria realidade para sair do automático da vida moderna?
E fazer aquilo que você acha que é coerente com os seus valores, com a sociedade, enfim. Com o seu mundo, com a sua época. Vivemos valores que já estão aqui há algum tempo e vão perdurar. Se eu não for coerente com os valores da época em que vivo, serei um excluído. A primeira coisa que em ioga se presta atenção é você estar incluído. Aliás, o maior medo da humanidade é ser excluído. A morte é a exclusão total, por isso temos medo de morrer. Não é só a morte em si. Daí o desapegar-se estar associado às posturas em que você se torna indefeso. O cara que medita se prepara para morrer diariamente, mas sem traumas. Meditar e morrer é a mesma coisa — é o não agir completo.