Decisão de Angelina Jolie levanta dúvidas sobre mastectomia preventiva, entenda

Especialistas dizem que há alternativas à retirada das mamas e que alteração genética relatada pela atriz corresponde a menos de 10% do total de casos de câncer de mama registrados. Decisão deve ser conjunta e tomada após acompanhamento multidisciplinar

por Letícia Orlandi 14/05/2013 14:01

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AFP PHOTO/SAFIN HAMED
Jolie revelou, aos 37 anos, que passou pela retirada do tecido mamário de forma preventiva. Um exame detectou uma alteração genética que aumenta consideravelmente o risco de desenvolvimento do câncer de mama (foto: AFP PHOTO/SAFIN HAMED )

Aos 37 anos, a atriz americana Angelina Jolie revelou ter realizado uma mastectomia (retirada das mamas) dupla e preventiva. Em um artigo publicado nesta terça-feira (14) no jornal New York Times, Jolie conta detalhes do processo que a levou até a decisão, seu histórico familiar – a mãe morreu de câncer aos 56 anos - e da cirurgia em si (veja abaixo).

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O oncologista Luiz Adelmo Lodi explica que as mutações citadas pela atriz – nos genes BRCA1 e BRCA2 – realmente aumentam consideravelmente a chance de a mulher desenvolver câncer de mama e de ovários e, no caso dos homens, além do câncer de mama, favorece o surgimento do câncer de próstata.

De acordo com João Henrique Penna Reis, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia/Regional Minas Gerais, a mastectomia profilática, ou retirada das mamas, como a realizada por Jolie, pode ser feita em pacientes de alto risco para câncer de mama, mas é uma medida extrema que beneficia um número muito restrito de pacientes.

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Além disso, o processo de tomada de decisão – até mesmo para se realizar o exame que identifica a mutação - deve avaliar inclusive a condição psicológica do paciente para lidar com o resultado. “A Sociedade Brasileira de Mastologia entende que sua indicação é muito restrita e deve ser feita por uma equipe composta por mastologista, geneticista, oncologista e psicólogo. Seu benefício se restringe a pacientes com mutações genéticas comprovadas, geralmente identificadas em famílias com vários casos de câncer de mama e de ovário”, explica o médico.

O especialista lembra ainda que o risco apontado pela atriz – de 87% - corresponde aos primeiros estudos em torno dessa mutação genética, nas décadas de 90 e 2000. “Os estudos mais recentes apontam risco de 60 a 65%, que ainda assim é altíssimo, é claro. Mas essa mutação corresponde a uma faixa de 5 a 10% de todos os casos de câncer de mama registrados. Uma mulher norte-americana que não apresenta essa mutação apresenta risco médio em torno de 13 a 14%; e no Brasil estima-se que o risco seja um pouco menor”, pondera Penna Reis.

O presidente da SBM/MG completa que, geralmente, os cânceres decorrentes dessas mutações tendem a ser mais agressivos e aparecem em idades mais jovens. “Quando se identifica a mutação, a retirada das mamas não é a única alternativa. Pode-se considerar três estratégias – vigilância intensa por meio de mamografia, ressonância magnética e ultrassom; emprego de medicamentos de quimioterapia preventiva, como o tamoxifeno, que reduz o risco em 47%; e por fim, a medida mais extrema, que é a retirada das mamas, lembrando que ela reduz muito, mas não elimina completamente as chances de a doença se desenvolver”, explica o presidente da Sociedade.

REUTERS/Toru Hanai/Files
'Posso dizer a meus filhos que não precisam ter medo de me perder por culpa de um câncer de mama', disse a atriz. Especialistas ponderam que a mastectomia preventina reduz muito, mas não elimina o risco. Alternativas podem ser consideradas (foto: REUTERS/Toru Hanai/Files )
Soraya Zhouri Costa e Silva, mastologista e professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG, reforça que, apesar de controverso, o procedimento da mastectomia como prevenção de câncer e mama é estabelecido. “A decisão deve ser tomada em conjunto com os médicos que acompanham o paciente e deve levar em conta que o risco, apesar de em muitos casos diminuir em mais de 90%, não cai a zero”, explica. Outro fator que deve ser lembrado, segundo a mastologista, é que a colocação de implantes em mulheres que passaram pela retirada do tecido mamário, embora seja esteticamente muito satisfatória - inclusive porque, quando feita de forma preventiva, é possível preservar o mamilo -, oferece um risco maior de rejeição e encapsulamento da prótese.

Exame

Sobre o exame para a detecção da mutação genética, a médica explica que existem diversas técnicas, disponíveis tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. É possível realizar um teste que indica presença da mutação, mas que não oferece a precisão máxima e tem custo em torno de R$3 mil. E é possível também realizar um exame que faz a tipagem completa de toda a cadeia do gene, que pode chegar a R$15 mil.

No laboratório belo-horizontino Gene, comandado pelo geneticista brasileiro Sérgio Danilo Pena, é possível realizar alguns dos exames capazes de identificar a mutação nos genes BRCA1 e BRCA2.

Ana Helena Heller, bióloga do Laboratório, explica que o material coletado é o sangue e que são utilizadas duas técnicas – o sequenciamento genético e a técnica MPLA, que analisa deleções (perda) e duplicações na cadeia de DNA. O resultado pode ser negativo, quando não há alterações; e pode ser positivo. No caso de um resultado positivo, o exame aponta se a alteração tem importância clínica. O teste realizado por meio dessas duas técnicas tem custo de R$4.390 reais. “O procedimento só é realizado com solicitação médica e o resultado só pode ser analisado pelo especialista que acompanha o paciente, ciente dos outros fatores envolvidos, como o histórico familiar”, ressalta a bióloga. Ela lembra ainda que, embora os principais genes que conferem alto risco para câncer de mama sejam o BRCA1 e BRCA2, há outros genes associados à doença. Ela destaca que o tema deve ser tratado com bastante cuidado.

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Penna Reis explica também que os testes são realizados em parentes que tiveram e que não tiveram a doença. Dependendo do número de pessoas, o custo pode ser diluído. “Ainda assim, é bom lembrar que o resultado é passível de interpretação”, define o presidente da SBM/MG.

Soraya lembra que, nos anos 80, houve o que se pode classificar de 'histeria coletiva' nos Estados Unidos, com um número elevado de mulheres interessadas em fazer a retirada preventiva das mamas, ainda que o risco de desenvolvimento da doença pudesse ser acompanhado ao longo da vida. “Hoje, a postura é menos radical, mas não descarta o controle rígido. Se há mais de um caso de família em parentes de primeiro grau, essa estratégia deve, sim, ser avaliada em conjunto com o médico”, pondera Soraya. “A estratégia de fazer a mastectomia bilateral preventiva é mais dificilmente aceita em uma cultura como a nossa, de fortes raízes latinas. Isso impacta também a demanda pelo exame ”, completa Luiz Adelmo Lodi.

Alertas
Lodi ressalta que, ainda que não seja realizado o exame para verificar a mutação genética, há sinais de alerta que não devem ser ignorados. “Se, na família, há mais de um caso de câncer de mama ou de ovário em parentes de primeiro grau – mãe, filha, irmã – , a paciente deve procurar o mastologista e contar todos os detalhes de seu histórico familiar. Se este caso for cercado do máximo de cuidados, é possível uma detecção precoce que evite a mastectomia bilateral”, completa.

Outra informação importante que ganha mais relevo com este caso – Angelina tem 37 anos – é que, apesar de a política nacional prever a mamografia regularmente a partir dos 50 anos, há várias correntes que já estabelecem a necessidade de ela começar mais cedo, aos 40. “E, se houver um histórico familiar, a estratégia deve ser bem individualizada, uma vez que a doença pode atingir mulheres mais jovens”, destaca o oncologista. Soraya concorda. “A Sociedade Brasileira de Mastologia, que segue as diretrizes da American Cancer Society, também recomenda que o exame seja feito regularmente a partir dos 40 anos”, define.

“Não se recomenda o teste genético em pessoas sem histórico familiar de câncer de mama e de ovário. Para as mulheres em geral, a melhor arma contra o câncer de mama é a mamografia anual a partir dos 40 anos”, define Penna Reis.

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Angelina com a mãe, Marcheline Bertrand,em 2001. Marcheline morreu de câncer aos 56 anos, após lutar durante dez anos contra a doença (foto: REUTERS/Fred Prouser/Files )


'Minha opção médica'
Este é o título do artigo de Angelina Jolie publicado no NY Times nesta terça-feira. Ela explica que tem uma mutação genética, conhecida como BRCA1, que indicava uma probabilidade de 87% de desenvolver um câncer de mama e 50% de chance para o câncer de ovários. A mãe de Angelina, Marcheline Bertrand, morreu de câncer aos 56 anos, após lutar durante dez anos contra a doença."Ela viveu o suficiente para conhecer seus primeiros netos e segurá-los nos braços. Mas minhas outras crianças nunca terão a chance de conhecê-la e sentir quão amável e graciosa ela era", afirma.

A atriz conta que, quando teve a situação confirmada, optou pela “prevenção para minimizar o risco o máximo possível”. Ela começou a estratégia pelos seios pela probabilidade maior de sofrer com a doença. No dia 27 de abril, Jolie concluiu os três meses de preparação para a operação. Segundo a atriz, depois da intervenção, o risco de ter câncer de mama é de apenas 5%. "Posso dizer a meus filhos que não precisam ter medo de me perder por culpa de um câncer de mama", escreve a atriz e diretora, que teve três filhos com Brad Pitt e adotou outros três.

No texto, ela detalha a operação para retirada de tecido mamário e a substituição por implantes temporários: “após 8 horas, você levanta com tubos de drenagem e extensores nos peitos. Parece uma cena de um filme de ficção científica, mas, alguns dias depois da operação, pude voltar à vida normal", lembra. O processo foi realizado com a técnica 'nipple delay', "para que a mastectomia não danifique esteticamente o mamilo. Isto causa um pouco de dor e um montão de hematomas, embora aumente as chances de salvar o mamilo", explica.

Ela utilizou o espaço no jornal para ressaltar o papel de Brad Pitt. "Conseguimos encontrar momentos para rir juntos. Sabíamos que era o melhor que poderíamos fazer e que nos uniria ainda mais", relata. Ela explicou ainda que as cicatrizes não são chocantes e que ela não se sente menos mulher após a mastectomia. “Sinto que estou mais forte e tomei uma decisão importante, que não diminui em nada minha feminilidade", completa a atriz, conhecida por interpretar heroínas e mulheres-fatais no cinema, como a Lara Croft em Tomb Raider. Ela lamenta, no artigo, que o teste para detectar a mutação genética custe mais de US$ 3 mil nos Estados Unidos, o que é um obstáculo para a realização dele para muitas mulheres.

Ela disse ainda esperar que seu caso sirva de exemplo para outras mulheres e que resolveu escrever sobre o assunto porque espera que elas possam se beneficiar de sua experiência. A atriz lembra no texto que o câncer de mama mata 458 mil pessoas por ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. O tratamento também estará detalhado, em breve, na página do instituto Pink Lotus Breast Center, que atendeu a atriz.

"Eu queria escrever isso para contar a outras mulheres que a decisão de fazer uma mastectomia não foi fácil. Mas estou muito feliz de tê-la tomado", diz Angelina."A vida está cheia de desafios. Os que não devem nos dar medo são os que podemos enfrentar e podemos controlar", conclui a vencedora do Oscar e alta comissária da Organização das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR).

Câncer de mama –
é o mais comum entre as mulheres e corresponde a 22% do total de casos a cada ano no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer. De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), Carlos Alberto Ruiz,  a estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca) prevê mais de 52 mil casos em 2013. As estatísticas demonstram que são mais de 13 mil mortes por ano no Brasil por conta da doença, que já é a segunda maior causa de morte da mulher brasileira, perdendo apenas para doenças cardíacas. O presidente da SBM ressalta que o diagnóstico precoce ainda é o melhor caminho para a prevenção e que a mamografia é o exame mais preciso na identificação dos tumores precocemente. Quando detectado logo no início, 95% dos casos têm chances de cura. A recomendação da Sociedade Brasileira de Mastologia é que ela seja feita anualmente a partir dos 40 anos. Estudos independentes sobre dados obtidos em pesquisas mundiais mostram redução de até 35% na mortalidade pela doença em mulheres entre 39 e 69 anos, como resultado do rastreamento mamográfico. “A detecção precoce também pode levar à preservação dos seios na cirurgia de retirada do tumor”, afirma Ruiz, ressaltando que há muita vida após o câncer de mama.

Arte / Soraia Piva / EM
(foto: Arte / Soraia Piva / EM)