Quero mudar! e outras histórias de quem faz diferença por meio da internet

Pessoas com perfis bem diferentes usam blogs e redes sociais para compartilhar experiências e incentivar amigos e desconhecidos que enfrentam os mesmos desafios

por Letícia Orlandi 30/04/2013 08:00

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Reprodução / queromudar.andrepacheco.com
(foto: Reprodução / queromudar.andrepacheco.com)

“Eu fumava insuportáveis 50 cigarros por dia, não fazia nenhum exercício físico e a alimentação era levada como 'engole essa coisa logo e vai trabalhar, diacho'. Por mais clichê que possa parecer, foram 7 dias de luta esses últimos. Porque não é fácil, gente, não é mesmo. (…) Perder peso é fácil, difícil é mudar a cabeça. A minha luta diária tá sendo contra os fantasmas que me assombram, e que me deixaram totalmente displicente com meu corpo durante anos. E quando a gente deixa de lado a preocupação com o corpo, a saúde e a aparência é que sentem o baque.”

Esses são alguns trechos do post publicado no blog queromudar.andrepacheco.com, de André Pacheco, assessor de 27 anos, no último dia 8 de abril. Ele é mineiro, mas mora em São Paulo há dois anos. Recorrer a essa estratégia – criar um blog ou perfil em rede social para dividir as angústias e sucessos quando se resolve mudar de vida, ou quando se é obrigado a enfrentar um tratamento de câncer, por exemplo – tem sido cada vez mais comum. Antes restrita às mulheres, a ferramenta conquistou os homens e encontra respaldo na comunidade médica/científica.

Um estudo publicado em 2008 na revista American Journal of Preventive Medicine é exemplo dessa comprovação. De acordo com o pesquisador Victor Stevens, manter um diário permite que a pessoa fique mais consciente de sua forma de comer e se exercitar, percebe mais facilmente de onde vêm as calorias em excesso e passa a comer menos. Também em 2008, outra pesquisa divulgada nos Estados Unidos demonstrou que fotografar a refeição antes de comer também ajuda a perder peso, por um motivo simples: para sair bem na foto, os voluntários participantes da pesquisa escolhiam melhor o que colocar no prato.

Irmandade
Um blog também vai gerar um círculo, uma “irmandade”, com pessoas muitas vezes desconhecidas. Os desabafos são compartilhados. A vontade de não desapontar os “seguidores” também constitui uma forma de pressão. Mas outro fator não pode passar despercebido: seja qual for o tema, a orientação profissional deve sempre ser colocada em evidência. Outras pessoas não podem simplesmente seguir as dicas apresentadas sem verificar a adequação para seu corpo, idade e histórico médico.

De acordo com a médica endocrinologista Amanda de Souza Silva, algumas pessoas procuram atendimento médico para um check-up e, a partir daí, começar a mudança dos hábitos. "Outras são orientadas a mudar por questão de doença, por exemplo. Passa a ser uma receita médica, tão importante quanto tomar os remédios corretos. Mas há ainda aqueles indivíduos que optam pela mudança por conta própria e começam a procurar explicações, indicações, recomendações em sites, blogs, revistas em geral”, explica.

A médica considera que, embora não seja possível negar que a decisão individual de mudança é muito importante e gera um empenho e dedicação mais eficazes, nem sempre as informações disponíveis são isentas de riscos. Cada indivíduo tem um perfil, condição de saúde física e mental diferentes e por isso não deve haver uma generalização. Vale a pena investir no acompanhamento individual, personalizado, com profissional habilitado, de acordo com o objetivo de cada um. “Já temos casos conhecidos de pacientes que abandonaram a medicação prescrita – até mesmo no caso de uma doença grave, como o câncer – em função de receita caseiras que viram na internet. A informação é sempre muito valiosa, mas é passível de interpretações e deve ser alvo de uma conversa com um profissional especializado para esclarecimento“, pondera.

A médica explica que, com a tecnologia disponível e uso de internet cada vez maior, muitos preferem o acompanhamento virtual de blogs, recebimento de mensagens, alertas, dicas em aplicativos de smartphones, redes sociais. “Muitos profissionais capacitados já introduziram esta nova forma de relacionamento com o cliente e fornecem informações confiáveis. Entretanto, não podemos esquecer que este tipo de interação virtual não deve substituir a relação presencial com o profissional. Deve ser entendida como uma extensão do tratamento proposto”, indica.

A endocrinologista acredita que o blog e as páginas podem ser estimulados como um pontapé inicial para a mudança comportamental. “O primeiro passo para qualquer tipo de mudança proposta é a conscientização do problema. Sair da inércia às vezes é a parte mais difícil de qualquer tipo de tratamento. É o rompimento de barreiras e até mesmo paradigmas. Deve-se sempre incentivar a busca do autoconhecimento, da autonomia que cada um possui para gerar resultados sólidos e duradouros”, ensina Amanda.

Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal)
André (
queromudar.andrepacheco.com)
Com um histórico de 'efeito sanfona' no currículo, principalmente após os 19 anos, André Pacheco sempre conseguia emagrecer, “quando quisesse”. Ele já foi dos 90 aos 125 quilos.

“Antes de vir pra São Paulo, por exemplo, fiz uma reeducação alimentar e exercícios físicos. Cheguei aqui com apenas 10kg acima do meu ideal. Mas engordei 20kg nos últimos meses e fiquei um sedentário de marca maior”, conta. CLIQUE PARA SABER MAIS







Divulgação / Blog da Mimis
(foto: Divulgação / Blog da Mimis)
Michelle (
blogdamimis.com.br)
Michelle Franzoni Frantz tem 35 anos, é fisioterapeuta e mora em Florianópolis. Ela emagreceu 32 quilos por meio da reeducação alimentar e exercício físico, sem uso de medicamentos.

Ela criou o Blog da Mimis em setembro de 2012, com a ideia de compartilhar os conhecimentos adquiridos em culinária saudável, atividade física e qualidade de vida. CLIQUE PARA SABER MAIS







Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal)
Kátia (
www.viverbemateos100.com)
Kátia Soares é jornalista, casada, com uma filha. Em agosto de 2011, aos 36 anos, ela encontrou um caroço na mama durante um autoexame.

“Apesar de ser um nódulo pequeno, com pouco mais de 1 cm, a doença estava no estágio III, pois o tumor era muito agressivo. Quase pirei de tanto medo de morrer. Pensei na minha filha, então com três anos, no meu marido... Eu não tinha 'tempo' para o câncer”, revela Kátia. CLIQUE PARA SABER MAIS








Arquivo pessoal
(foto: Arquivo pessoal)
Flávia (
quimioterapiaebeleza.wordpress.com e www.facebook.com/QuimioterapiaEBeleza)
Gravidez aos 15 anos, carreira de modelo, sucesso meteórico na moda, divórcio dos pais, mudança para os Estados Unidos, separação traumatizante do marido e até um processo de deportação já seriam emoções suficientes para compor a biografia de uma mulher de 35 anos.

No ano passado, entretanto, mais uma reviravolta para Flávia Flores: o diagnóstico de câncer de mama. E de um tipo agressivo. CLIQUE PARA SABER MAIS

Assista ao vídeo de divulgação da página de Flávia, com depoimento da atriz Marisa Orth:



Ter um blog é navegar num mar de rosas?
Nem sempre. As experiências, em geral, são positivas. Mas podem existir alguns reveses. Para o ex-blogueiro Maurício*, os questionamentos de algumas pessoas – conhecidas ou não, e muita vezes com boas intenções – acabaram incomodando mais do que ajudando. “Eu sigo estritamente o que meu médico e meu nutrólogo recomendaram. Se a dieta é radical ou não, confio neles. Afinal, se quero sair dos 140 quilos sem cirurgia, preciso seguir à risca. Quando postava fotos de algumas refeições, a chuva de perguntas sobre se aquilo era saudável, se não era muito calórico, ou muito restritivo, e por aí vai...Eu gastava tanto tempo respondendo que isso me tirou o prazer de escrever”, lamenta.

Ele não abandonou totalmente o diário virtual e mantém um perfil no Instagram, em que usa apenas as hashtags compartilhadas por usuários que têm o mesmo objetivo. “Acho importante dizer que não existe uma receita única, para todos. Pode ser que eu já tivesse muitos problemas de aceitação pelas outras pessoas e o blog só evidenciou isso. Não deixa de ser um aprendizado”, pondera.

A endocrinologista alerta para o bom senso e para a necessidade de afastar soluções ditas mais fáceis, rápidas e promissoras, evitando o imediatismo. “Resultados rápidos e milagrosos; dietas completas apresentadas como a salvação, sem muito esforço; receitas caseiras para tratar doenças graves: isso deve ser visto com muito cuidado. Os seguidores, num primeiro momento, não medem o tamanho do investimento neste tipo de decisão. Criam expectativas positivas, que nem sempre se concretizam. Eles podem entrar num ciclo vicioso de sensação de fracasso, de impotência, com impacto negativo na autoestima. A partir de então, começam a não mais acreditar na possibilidade de um estilo de vida saudável e acham que as opções já se esgotaram”, detalha a médica.

Entre as publicações citadas nesta matéria, a ideia é bem diferente. No Blog da Mimis, por exemplo, o recado é claro: “como já falei, milagres não existem. Para mim, não há A dieta mágica, nem O shake emagrecedor”. A médica Amanda de Souza Silva reforça que, nos casos em que a decisão é bem indicada por profissionais especializados, há mais chance de sucesso. “A participação em grupos, com reuniões frequentes e depoimentos sobre comportamentos, têm impacto positivo. O ideal é que haja, sempre que possível, uma abordagem multidisciplinar em busca da boa saúde”, detalha.

Michelle Franzoni completa: “ser saudável não é viver fora do mundo e se abster de tudo. É saber equilibrar e levar a vida com mais leveza e qualidade. A despeito das críticas, acredite e você vai conseguir”, finaliza. “Quando me produzo e posto uma foto inspiradora, muitas mulheres podem se enxergar naquele personagem, se produzir e sair de cabeça erguida na rua, feliz e leve durante o tratamento”, completa Flávia Flores.


*o entrevistado solicitou não ser identificado