A cirurgia é sempre necessária para se tratar as fraturas nos pés?

Os parâmetros para decisão no tratamento das fraturas são complexos e multifatoriais. Na dúvida, procure sempre a opinião de um ortopedista

Cristian Newman/Unsplash/Banco de Imagens
(foto: Cristian Newman/Unsplash/Banco de Imagens)

Nessa semana o futuro presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sofreu uma fratura no pé. Apesar das notícias não especificarem qual osso foi quebrado, foi divulgado que ele não será submetido a nenhum procedimento cirúrgico e usará bota "por várias semanas". Mas como funciona isso? Toda fratura pode ser tratada com bota? Isso é realmente uma opção?

Essas perguntas são muito frequentes no consultório e farei aqui um panorama em linhas gerais de como nós ortopedistas definimos se uma fratura específica necessita de cirurgia ou não. Essa decisão não é simples - é baseada em estudo científicos sérios e leva em conta vários parâmetros, dentre os principais: osso quebrado, características da fratura, lesões associadas, e perfil do paciente que sofreu a fratura.

Em relação ao osso quebrado, o algoritmo de decisão é bem simples de entender. O leitor consegue facilmente imaginar que uma fratura da tíbia (osso da perna) é totalmente diferente de uma fratura de uma falange (osso do dedo do pé).

Isso ocorre pelo tamanho, função e características do osso: a tíbia obviamente é um osso muito mais relevante para a locomoção humana do que as falanges dos pequenos dedos. Nesse sentido, utilizando esse único parâmetro para avaliação, há uma tendência das fraturas da tíbia serem tratadas de forma cirúrgica (pela repercussão que um tratamento não cirúrgico pode acarretar) e a das falanges serem tratadas de forma conservadora (devido e benignidade e simplicidade do tratamento não cirúrgico).

Em relação às características da fratura, temos aí um ponto muito relevante. O que nós ortopedistas nos preocupamos muito é como é o traço da fratura: é simples? É único? Em qual direção? Vai para a articulação?

Essas e outras características nos respondem essencialmente sobre o potencial de estabilidade da fratura. Fraturas estáveis (traço único, simples, sem envolvimento articular) têm uma probabilidade maior de ser tratada de forma conservadora do que uma fratura instável (traço múltiplo, complexo, com envolvimento articular).

As lesões associadas, por sua vez, também devem ser consideradas no algoritmo de decisão. Essas lesões podem ser de outros ossos, da pele, de ligamentos ou até de outros sistemas. Ou seja, uma avaliação global entra na decisão. Como exemplo, temos a fratura da fíbula (osso do tornozelo): quando o traço é simples, sem desvio e sem lesão ligamentar associada, podemos considerar o tratamento conservador.

Entretanto, quando há lesão ligamentar associada (por exemplo do ligamento deltóide, que fica na parte interna do tornozelo), há maior probabilidade de indicação de tratamento cirúrgico, devido a instabilidade gerada por essa associação.

Por fim, não podemos nos esquecer "em quem" a fratura específica ocorreu. Não tenham dúvida que o tratamento de uma mesma fratura em um jovem atleta de 20 anos é completamente diferente do tratamento empregado em um senhor de 90 anos acamado.

Da mesma forma, o tratamento de uma fratura que acontece de forma isolada é completamente diferente de uma fratura em um paciente que tem várias outras lesões, como um trauma cranioencefálico. Ou seja, nós tratamos as pessoas, e não as fraturas.

Os parâmetros para decisão no tratamento das fraturas são complexos e multifatoriais. Na dúvida, procure sempre a opinião de um ortopedista.

Cuidem dos seus pés. São eles que nos fazem ir cada vez mais longe!