Coronavírus: Todos Pela vida, fique em casa

Doença chegou de forma "sorrateira" ao país, onde burocratas de olhos fechados não perceberam a tragédia inexorável

Piero Cruciatti / AFP
(foto: Piero Cruciatti / AFP)

Vivemos um momento histórico! Como médico, com 38 anos de profissão, jamais imaginei viver algo semelhante.


Um vírus invade o planeta e transforma nossas vidas em poucos dias.


Enquanto o problema assolava a China, assistimos como quem vai ao cinema ver um filme de terror. Meros espectadores.


O invasor passa pela Europa e devasta a Itália, Espanha, Alemanha…, mas Deus é brasileiro, aqui não chegará.


Aqui já desembarcara de forma sorrateira, de mala e cuia.


Num piscar de olhos, estamos dentro do filme e somos atores sem dublê.

 

O inimigo mostra suas garras em todo país. Acende o sinal de alerta, mas o gigante paquidérmico pela própria natureza demora para perceber e agir. Burocratas de olhos fechados para o perigo, navegam em corredeiras sem perceber a tragédia inexorável.


Pois bem, para onde foram os recursos que há décadas deixaram os hospitais quebrados e sucateados, profissionais de saúde desprestigiados e desmotivados?!


A pergunta número 1 que todos fazem:

 

- de onde e como surgiu este vírus?

 

A resposta que eu gostaria de dar:

 

- Surgiu das profundezas da nossa inércia, do nosso cinismo e hipocrisia. Surgiu do atraso mental de não nos percebermos vivendo. De não sabermos viver em paz, de forma sustentável e respeitosa.
Gastamos trilhões de dinheiros com guerras, obras faraônicas e propaganda do bem, mal feito.
Mas há luz no fim do túnel.


Pela primeira vez nestes 38 anos de profissão, uma autoridade nos convida ao seu gabinete e pergunta:

 

- O que devo fazer?


Fez o que nenhuma outra cidade da América Latina, até então havia feito. Parou a cidade, como a última trincheira para barrar a catástrofe anunciada.


Assumimos a responsabilidade pela orientação e ele pela atitude.


Cerramos fileira e fomos à luta numa batalha sem armas, sem sectarismo ideológico, sem partidarismo futebolístico, sem jamais termos trabalhado juntos. Mas fomos à batalha com a convicção de que tomamos a decisão correta. Acreditamos ter sido no momento correto…

 

Mas, isso só o futuro dirá.


Como diz meu velho amigo e colega José Carlos Serufo, médico e acadêmico da Academia Mineira de Medicina, “o isolamento não vai acabar com a epidemia, mas é fundamental para mitigar seu curso. A epidemia só vai acabar quando atingir uma parcela considerável da população (50, 60, 70%), formando uma imunidade de massa. O isolamento mais criterioso dos idosos desloca a infecção para os jovens, que são mais resistentes (abaixo de 40 anos a mortalidade é menor do que 0.1%, segundo estudos da Coreia do Sul. A mitigação da epidemia permite ainda otimizar a demanda pelos serviços de saúde, que antes do coronavírus já operavam no limite aqui no Brasil”
 
Na sequência, apresentarei um conjunto de perguntas e respostas elaboradas e respondidas pela Sociedade Brasileira de Infectologia, esclarecendo vários aspectos a cerca do COVID-19.


Todos pela Vida, fique em casa.


INFORME N°9 DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA SOBRE O NOVO CORONAVÍRUS - PERGUNTAS E RESPOSTAS PARA
PROFISSIONAIS DA SAÚDE E PARA O PÚBLICO EM GERAL

(Atualizado em 20/03/2020)

Vivemos um momento crítico da pandemia da COVID-19 no Brasil: 904 casos confirmados, 11  óbitos  e  estamos  entrando na fase epidemiológica de transmissão comunitária ou sustentada.

 

Este informe tem como principais objetivos fazer recomendações que possam auxiliar os médicos que atendem pacientes com suspeita de COVID -19 a tomar decisões clínicas e os agentes  públicos a tomar decisões que possam minimizar a propagação desta pandemia histórica, que já ceifou 11.186 vidas.

 

Embora este informe seja dirigido principalmente aos infectologistas do Brasil, sabemos que médicos de outras especialidades e o público em geral podem  também ter interesse. 

 

Procuramos usar linguagem adequada para todos interessados. A pandemia é dinâmica e as informações e recomendações deste informe podem ser atualizadas em poucos dias, à medida que a epidemia aumente e que novos conhecimentos científicos são publicados.


1) Ao entrarmos na fase epidemiológica de transmissão comunitária ou sustentada, quais pacientes com suspeita de COVID-19 devem consultar nos serviços de emergência?


a) Os pacientes que apresentarem febre por mais de 24 ou 48 horas (ver
abaixo) ou
b) Dispneia (falta de ar) ou descompensação das condições clínicas da sua doença de base


Qual  o  raciocínio  clínico  para  essa  orientação?  Não  poderia  ser  apenas pacientes com mais de 48 horas de febre?


Em cidades onde está havendo casos de influenza (= gripe) e que o critério de  febre por mais de 24 horas não irá sobrecarregar o Sistema de Saúde, este  período de febre (24 horas e não 48 horas) deve ser adotado, pois o antiviral  específico para gripe, que é o oseltamivir, e que está disponível pelo SUS,  diminui a duração dos sintomas da gripe e sua excreção viral, se usado nas  primeiras 48 horas do início dos sintomas. Após esse período, sua eficácia é  pequena. Por isso, se orientarmos os pacientes para procurarem o Serviço de  Emergência com mais de 48 horas, perderemos a oportunidade de tratamento do vírus da gripe (vírus da influenza). Em Santa Catarina e Maranhão, já houve morte pelo vírus da influenza este ano.

 

2) O que é e qual a grande dificuldade para se definir que uma cidade,  Estado  ou  um  país  entrou  na  fase  de  transmissão  comunitária  ou  sustentada?


A   fase  de  transmissão  comunitária  ou  sustentada  sucede  a  fase  de  transmissão local e é caracterizada pelo aumento significativo de casos em  determinada região, não sendo mais possível rastrear a origem dos casos, ou  seja, não é mais possível determinar quem transmitiu o vírus para o paciente.  Para definir que determinada cidade ou Estado tem transmissão comunitária do  novo coronavírus, precisamos fazer o teste de detecção do vírus SARS-CoV-2  por PCR em tempo real em amostra respiratória (nasofaringe/orofaringe) de  pacientes  que  apresentam  resfriado  ou  síndrome  gripal,  sem  vínculo com  viagem internacional (fase epidemiológica de “casos importados”), nem contato  com   pacientes   confirmados   com COVID-19 (fase epidemiológica   de  transmissão local). Devido a limitação do número de testes diagnósticos disponíveis, várias cidades e Estados não estão conseguindo definir que mudaram de fase epidemiológica.


3) Quais pacientes são suspeitos de terem COVID-19 a partir do momento que o vírus (SARS-CoV-2) está circulando na comunidade?


Os estudos clínicos publicados da pandemia na China e na Europa mostram que 80% dos pacientes apresentaram forma leve da doença, na forma de resfriado (coriza, tosse e dor de garganta) ou na forma de “síndrome gripal”, que tem a tosse como principal manifestação respiratória e febre, podendo até apresentar pneumonia “leve” (sem hipóxia). Não se deve usar o termo “gripe”, pois  este  se  refere  apenas  à  doença  respiratória causada pelo vírus da influenza. Portanto, na fase de transmissão comunitária, tanto pacientes com resfriado como com “síndrome gripal” podem ter COVID-19. Logo, todos  pacientes  com  essas  duas  apresentações  clínicas  devem ser colocados em isolamento respiratório domiciliar por 14 dias.


Em torno de 15% dos pacientes apresentaram doença grave com dispneia, hipóxia  e  pneumonia;  e  cerca  de 5%  doença  crítica, com  insuficiência respiratória  necessitando  de  ventilação  mecânica  e/ou  choque  séptico. A letalidade varia de 2,3% a 6%, dependendo se casos leves também são testados ou apenas os hospitalizados.


4) Qual a implicação prática de considerarmos todos casos de resfriado e síndrome  gripal  como  suspeitos  de  COVID-19,  além  de  termos  que colocá-los em isolamento respiratório?


O sistema de saúde já está e ficará ainda mais sobrecarregado se os Serviços de Emergência tiverem que atender todos pacientes com resfriado, pois além da COVID-19, vários outros vírus, em especial o rinovírus, também causam resfriado e sempre foram muito prevalentes, não sendo possível diferenciá-los clinicamente. Como não é possível excluir COVID-19 sem exame virológico, temos que colocar todos pacientes com resfriado em isolamento respiratório por 14 dias, salvo se conseguíssemos fazer o exame, o que é impossível no momento pela escassez de testes diagnósticos.


5) Qual a solução para não sobrecarregar o sistema de saúde?


Todos  pacientes que apresentarem resfriado ou síndrome gripal devem imediatamente (no  primeiro  dia  de  sintoma  quando  o  vírus  já  pode  ser transmitido) permanecer em isolamento respiratório domicili ar por 14 dias, sem consultar no Serviço de Emergência. Apenas pacientes com febre por mais de 24h ou 48h (ver resposta 1) ou dispneia ou descompensação das condições clínicas da sua doença de base devem consultar.


6) Como não prejudicar os trabalhadores  com resfriado e gripe que ficarão em isolamento respiratório domiciliar sem atestado médico?


A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) solicitou junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT) que recomendasse  diante da grave situação de saúde pública da COVID-19, que os trabalhadores que apresentarem resfriado ou síndrome gripal tenham suas faltas abonadas, mesmo sem atestado médico, pelo período de isolamento respiratório domiciliar de 14 dias. Esta solicitação de autodeclaração de resfriado ou “síndrome gripal” por parte do trabalhador foi aceita pelo MPT e as notificações com a recomendação serão expedidas nacionalmente.


7)   Qual   a   importância   de   profissionais   de   saúde   envolvidos   no atendimento de pacientes  com COVID-19 serem submetidos a testes diagnósticos quando apresentarem resfriado ou gripe?


Pela escassez de testes diagnósticos, a prioridade será testarmos pacientes com suspeita de COVID-19 com as formas grave e crítica (ver resposta da pergunta 3). Porém, como outros vírus respiratórios que não requerem 14 dias de  afastamento  como  o rinovírus e o vírus da gripe,  e que também são prevalentes,  ao  se  fazer  testes  diagnósticos (idealmente  painel  de  vírus respiratório e COVID-19) para os profissionais de saúde evitamos que eles fiquem afastados por duas semanas.   Isto   minimizará a carência de profissionais de saúde disponíveis para o atendimento dos pacientes. Caso não seja possível fazer os 2 testes (painel e COVID-19), pelo menos o da COVID-19 deveria ser disponibilizado para os profissionais da saúde que trabalham no atendimento de pacientes com suspeita de COVID-19.


8) Qual a conduta a ser tomada, se o isolamento respiratório de pacientes com resfriado e gripe, além das medidas de restrição social que já foram tomadas (suspensão  das  aulas,  fechamento  de  cinemas,  teatros  e parques, cancelamento de eventos públicos etc.) não forem suficientes?


Considerando a grave situação em países desenvolvidos como na Itália e Espanha, que têm sistemas de saúde mais aperfeiçoados que o nosso e entraram em colapso, a próxima medida a ser tomada, se a epidemia continuar a progredir nas cidades e Estados brasileiros, é uma ordem municipal ou estadual de “ficar em casa”, recomendando seus residentes para deixar suas cinco casas apenas quando muito necessário durante a pandemia de coronavírus, com fechamento de restaurantes, comércio e indústria.


Se  tal  atitude  ainda  não  for  suficiente  para  conter  a  epidemia,  deve-se considerar  a  implantação  da “quarentena”,  medida  extrema,  recentemente adotada na França e Espanha (a Itália já havia adotado há algumas semanas), quando  as  pessoas  ficam  proibidas  de  sair  às  ruas,  exceto  para  ir  ao supermercado (de forma organizada e limitada) e farmácia, sob “a força de lei e força policial, se necessário”.


A COVID-19 provavelmente entrará para história como a pandemia com maior impacto  sócioeconômico.  Não  podemos  deixar  que  ela  supere  a “gripe espanhola”, que ocorreu em 1918 a 1920, e teve o maior impacto de mortes, até hoje considerada a mais devastadora da nossa história recente. Nem mesmo o Presidente da República da época foi poupado. Rodrigues Alves foi eleito em março de 1918 para o segundo mandato, mas não tomou posse; morreu de “gripe espanhola” em janeiro de 1919. Em breve, publicaremos orientações sobre o uso de EPIs (equipamentos de proteção  individual),  bem  como “perguntas  comuns  do  público  sobre  o coronavírus”, além de informe sobre os testes diagnósticos.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA
- Presidente: Dr. Clovis Arns da Cunha
- Coordenador Científico: Dr. Sergio Cimerman
- Participaram da elaboração deste documento: Dr. Clovis Arns da Cunha, Dr. Alberto Chebabo, Dr. Sergio Cimerman, Dra. Lessandra  Michelin, Dr. Antonio Carlos de Albuquerque Bandeira, Dra. Priscila
Rosalba Domingos de Oliveira, Dr. Marcos Antonio Cyrillo, Dra. Christiane  Reis Kobal, Dr. Estevão Urbano Silva,  Dr. Leonardo Weissmann e Dra. Tania Vergara.