Preconceito e desinformação ainda prejudicam a conscientização sobre o HIV

Mesmo com avanço da medicina e de tratamentos, pacientes e profissionais que lutam pelo esclarecimento da população enfrentam barreiras ao tratar do vírus

Rodrigo Melo 02/12/2021 17:30
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Conscientização sobre o HIV ainda esbarra em preconceito e tabus da sociedade superados pela medicina (foto: Pexels)
Passadas 24 horas do Dia da Conscientização sobre o HIV, como na maioria das datas em que se tenta abordar um tema complexo na sociedade, a luta volta ao que era. Quem trabalha na linha de frente e, principalmente, quem vive com o vírus, retomam o enfrentamento ao preconceito, inverso aos avanços da medicina, e tentam esclarecer ao mundo a importância da prevenção, testagem e tratamento.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou, recentemente, para ser utilizado no Brasil, um comprimido único, menos tóxico e que causa menos efeitos colaterais para o organismo. Na Inglaterra, foi aprovado um tratamento injetável, a cada dois meses. O avanço no tratamento, aliado à conscientização sobre a prevenção das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) - antes chamadas DSTs - é fator central nesse contexto.

"Avançamos muito na questão científica, de tratamentos e expectativa de vida. A pessoa com HIV pode viver tanto ou mais que uma sem o vírus, o tratamento é bem menos tóxico e ela consegue ter uma boa qualidade de vida. Pode ter filhos. Caso esteja indetectável (o vírus), falamos que está intransmissível, pode até ter relações sem preservativos e sem transmitir para outra pessoa. Mas o preconceito e o estigma continuam fortes. É um abismo entre o avanço da ciência e o preconceito, que é parecido com o da década de 1980, quando a epidemia de Aids começou", aponta o médico infectologista Vinícius Borges.

Ele avalia como essencial o debate sobre a sexualidade ser amplo na sociedade, saindo da rua e dos consultórios médicos para ser tratado também nas escolas e em casa. Vinícius ressalta que não há grupo de risco para ISTs e que a conscientização da prevenção a esse tipo de doenças passa por jovens e até idosos, que hoje têm vida sexual ativa até mais velhos.

Passa pela "questão cultural, da época em que eles não estavam habituados a usar a prevenção, e também da invisibilização da sexualidade da pessoa idosa. Não é só isso, ainda vemos que muitas pessoas heterossexuais jovens só se lembram de usar o preservativo para evitar a gravidez. Acham que as ISTs não vão acontecer com eles", comenta.

Vinícius ainda lembra que, atualmente, existem medicamentos que podem ser tomados no dia a dia e que evitam que a pessoa seja infectada pelo HIV. Também foi desenvolvido um tratamento que, se iniciado em até 24 horas após a relação sexual, protege o paciente em quase 99% contra a infecção pelo vírus, caso não tenha sido usado preservativo ou tenha ocorrido algum problema.

"O tratamento modificou, a pessoa consegue tomar o medicamento por muito mais tempo e ele não para de funcionar. Isso está repercutindo e as pessoas com HIV estão vivendo tanto ou até mais que pessoas sem o vírus, pois elas passam a cuidar mais da saúde, frequentar as consultas médicas, cuidar da alimentação, praticar exercícios físicos e ter hábitos saudáveis", disse, salientando a dura batalha contra o preconceito.

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"Pessoas com HIV estão vivendo tanto ou até mais que pessoas sem o vírus, pois elas passam a cuidar mais da saúde, frequentar as consultas médicas, cuidar da alimentação, praticar exercícios físicos e ter hábitos saudáveis", diz o médico infectologista Vinícius Borges (foto: IStock)
"Aquela ideia de que o HIV é uma sentença de morte é uma falácia. Isso já foi ultrapassado. O HIV não é Aids. A Aids leva seis a dez anos para se desenvolver, a partir da destruição do sistema imune. Mas, se uma pessoa tem o diagnóstico precoce e começa a tratar, ou mesmo se adoece e inicia o tratamento, ela consegue reverter essa alteração do sistema imune e nunca vai desenvolver Aids e vai viver muito bem. Infelizmente o que resta é o preconceito", externou.

Jennifer nasceu com o vírus

A paulista e professora de francês Jennifer, de 32 anos, nasceu na capital do estado, já infectada pelo vírus. Sofreu transmissão vertical, por causa do quadro de HIV positivo da mãe. Ela também é voluntária em instituições que ajudam a realizar testagem, diagnóstico, tratamento e conscientizar a população sobre a prevenção de ISTs.

Jenni, como é chamada, contou das dificuldades em nascer e crescer com o vírus em uma sociedade que não esclarece e não trata abertamente sobre o tema.

"Foi muito difícil, pois uma criança crescer com o vírus HIV é muito difícil, é bem complicado, caótico. Por exemplo, o medo com que um adulto com o vírus passa na rua, as crianças passam dentro de casa. Com os familiares, com colegas na escola. No meu caso, nunca sofri nada na escola, porque ninguém sabia sobre a minha sorologia, mas com pessoas conhecidas sempre tem conversas, piadas, olhares diferentes ou o tratamento de pena. Então eu cresci sem esperança na vida. Minha adolescência e juventude foi sem esperança", relembra.

Jennifer soube de sua situação aos 13 anos, quando o pai decidiu lhe contar e, com o tratamento, não tem o HIV detectável no sangue e não transmite o vírus. Ela tem um namorado, que não é soropositivo, e diz que, depois que passou a tratar abertamente de seu caso e ajudar na linha de frente do trabalho de ONGs, sua vida mudou. "Hoje eu lido muito bem com o HIV, desde os meus 30 anos, que foi quando eu abri para o mundo, na internet, que eu vivia com o HIV. Desde então, minha vida tomou outro rumo e só coisa linda aconteceu", comenta.

"Hoje, eu costumo dizer que as pessoas que descobrem viver com o HIV têm muita sorte por ter tanta gente que fala sobre o tema. Na minha época, na minha adolescência, eu não tinha ninguém que falasse de HIV como temos hoje. Em todos os aspectos e para todos os grupos. É muito lindo e espero que tenha cada vez mais para normalizar a conversa", complementa.