Asma causa uma morte no país a cada três horas

Doença que matou a roteirista, atriz e escritora Fernanda Young é crônica e atinge 10% da população. Segundo especialistas, brasileiro negligencia o tratamento

Laura Valente 26/08/2019 14:42
Bob Wolfenson/divulgação
Fernanda Young morreu em consequência de uma crise de asma (foto: Bob Wolfenson/divulgação)

A morte prematura de Fernanda Young, aos 49 anos, roteirista, atriz e escritora, chocou a comunidade artística e os brasileiros no último domingo. E leva a uma pergunta que não quer calar: a asma, doença crônica que ataca o sistema respiratório do paciente, mata
 
 
A resposta é positiva. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, a asma é uma doença bastante comum, atinge 10% da população e mata um brasileiro a cada três horas no país. 
Porém, médicos apostam no tratamento contínuo como principal arma no combate à doença. “O problema é que muitos pacientes negligenciam o tratamento, correndo o risco de serem atacados por uma crise que pode se agravar e mesmo levar a óbito”, avisa o médico Rodrigo Luis Lima, presidente da Sociedade Mineira de Pneumologia e Cirurgia Torácica.

O que é a asma


O especialista descreve que a asma é uma doença crônica (que não tem cura). De causa hereditária, é caracterizada pela inflamação dos brônquios e bronquíolos, estrutura pulmonar responsável por receber o fluxo de ar no processo respiratório. “A asma é uma doença caracterizada por inflamação crônica das vias aéreas, principalmente dos brônquios e bronquíolos, pequenas estruturas dentro do pulmão por onde o ar circula. A inflamação provoca secreção e espasmos, e a passagem do ar é dificultada.Daí, sintomas como chieira, falta de ar e opressão torácica.” 
 
Pixabay/reprodução
Respiração é comprometida com a inflamação dos brônquios (foto: Pixabay/reprodução)
 
 
Lima afirma que os sintomas da asma começam durante a infância. Com o tempo, muitos pacientes melhoram. Em outros casos, as crises permanecem e podem ser frequentes, principalmente quando associada a outras doenças e/ou a condições de ambiente que pioram a inflamação, a exemplo de contato com mofo e/ou poeira. “A asma tem característica hereditária, mas o que normalmente causa a irritação é poeira, resfriado e gripe, condições que podem agravar os sintomas.” 


Tipos de tratamento

 
O pneumologista cita dois tipos de tratamento diante do diagnóstico da doença. “Há o tratamento de alívio, com broncodilatadores e, geralmente, utilizado em momentos de crise. Mas o principal – e que os pacientes costumam negligenciar – é o tratamento de manutenção e prevenção. Geralmente à base de medicamentos corticoides, ele deve ser mantido regularmente pelo paciente e objetiva controlar a inflamação e evitar o aparecimento das crises.” 
 
O médico não se arrisca a dizer o que houve para levar Fernanda Young a óbito. No entanto, reforça que o pulo do gato no controle da doença é a manutenção e constância do tratamento. 
 
A maioria dos pacientes usa apenas o remédio de alívio, o que é um grande erro, pois o mais importante é tomar o remédio de prevenção. A asma acomete entre 6% e 12% da população. Por ano, morrem 2 mil pessoas por asma no Brasil. em média, e a maioria não faz tratamento de prevenção.”
 
Grupo São Cristóvão Saúde/divulgação
Tratamento para a asma deve ser constante (foto: Grupo São Cristóvão Saúde/divulgação)
 
 
Por fim, o presidente da Sociedade Mineira de Pneumologia e Cirurgia Torácica atesta que a asma é, sim, uma doença perigosa e que acomete pessoas de todas as idades, crianças, adultos e idosos. “As crises podem ser intensas e, muitas vezes, não dar chance de o socorro chegar a tempo. Por isso, a prevenção é um grande aliado. O que falta para evitarmos mais óbitos é o paciente levar a doença e os cuidados com o tratamento mais a sério.”

Sintomas x gravidade 

 
Arquivo pessoal/divulgação
Médico pneumologista Flávio Mendonça (foto: Arquivo pessoal/divulgação)
Também pneumologista, membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, o médico Flávio Mendonça reforça que muitos dos pacientes diagnosticados com asma – cerca de 10% da população –, não se comprometem com a regularidade do tratamento. 
 
“Há negligência, desconhecimento e até preconceito em relação aos medicamentos inalatórios e/ou à base de corticoide, os mais indicados para o controle da doença e para a prevenção de crises. No entanto, é preciso dizer que são drogas como as outras, que preveem efeitos colaterais, sim. Contudo, salvam vidas e são administradas pelos médicos a partir de critérios clínicos precisos.” 
 
Mendonça afirma que, em média, 3% dos pacientes sofrem de asma grave. Entre os sintomas, chieira, falta de ar, tosse, opressão torácica e cansaço são os mais comuns. “Os gatilhos para a crise são gripe, infecção virótica, inalação de substâncias voláteis, quadro emocional de depressão e ansiedade, uso de remédios para a pressão e/ou anti-inflamatórios e exposição ao mofo”, descreve ele.
 
O médico considera a mortalidade da doença baixa em relação ao volume de pacientes. Ainda assim, o óbito pode ser evitado na maior parte dos casos, a partir do tratamento de prevenção e cuidados para evitar ambientes e situações que piorem a inflamação. “O uso regular da medicação é indicado mesmo quando não há sintomas da doença”, alerta. E lamenta: “Mas o que ocorre é que grande parte dos pacientes não faz o controle adequado da doença”. 
 
Questionado sobre o que pode ter provocado a morte de Fernanda Young, o especialista especula sobre um agravamento inesperado do quadro. “Sabemos que a crise não costuma ocorrer de uma hora para outra, mas de forma gradual, com a piora gradativa dos sintomas. Não posso afirmar o que houve no caso da Fernanda. O que imaginamos é uma possível inalação de conteúdo gástrico em meio à crise. A possibilidade de entrada de vômito nos pulmões pode ter ocorrido e, nesse caso, uma obstrução mais severa dos brônquios. “Com a presença de secreção e espasmo, a oxigenação fica muito reduzida, com consequente parada cardiorrespiratória. No caso dela, aspirar conteúdo gástrico pode ter piorado o quadro e não ter havido tempo hábil para o socorro.” 

Maioria dos pacientes negligencia prevenção

Dados da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) apontam que 47% das pessoas diagnosticadas com asma não utilizam a medicação de forma regular e 73% delas não seguem todas as orientações médicas para o controle da doença.
 
Ricardo Queiroz, alergista do Grupo São Cristóvão Saúde, também aponta que o descuido pode agravar o problema. O especialista reforça que fatores alergênicos pioram a doença. “Elementos que irritam o sistema imunológico, como ácaros, poeira, mofo, fumaça, poluição e algumas substâncias químicas, desencadeiam a inflamação dos músculos pulmonares e aumentam a produção de muco. Essa alteração causa o estreitamento da passagem de ar, dificultando sua circulação pelo pulmão. É o que provoca a sensação de sufocamento, um dos principais sintomas da doença”, frisa.
 
A pediatra Cláudia Conti destaca que os principais sintomas que caracterizam uma crise asmática são dificuldade para respirar, chiado no peito, tosse seca, respiração rápida e curta, dor no peito e falta de fôlego depois de praticar exercícios. “Essas manifestações costumam ser muito comuns na infância, por causa da maior sensibilidade que o sistema imunológico tem nessa fase. A natação é um esporte que ajuda muito os pequenos, porque a pressão da água faz com que a criança tenha maior facilidade de expandir o pulmão e respirar”, afirma.

AUXÍLIO Para o alergista do São Cristóvão, parte do problema relacionado ao controle da doença se dá pelo fato de que muitos pacientes ignoram os sintomas brandos da asma, procurando auxílio médico somente quando o quadro já está avançado. “Quando o paciente incorpora em sua rotina todos os cuidados e tratamento necessários, ele terá significativa melhora na qualidade de vida”, finaliza.

Entenda as complicações da asma


O médico pneumologista Flávio Mendonça, que atende na Santa Casa de Belo Horizonte e é membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, explica a seguir como a doença crônica pode gerar uma crise e levar o paciente a óbito. 

1- O paciente pode ser portador de asma e, muitas vezes, não receber o diagnóstico correto por não procurar o médico e ou achar que se trata de bronquite ou de uma doença simples; 

2- Porém, a asma é uma doença crônica e, portanto, o tratamento implica realizar consultas periódicas com especialista. Na maioria dos casos, o tratamento deve ser a longo prazo e prevê o uso regular de medicações; 

3- O principal fator para desencadear crises de asma ou a piora dos sintomas é o tratamento inadequado. Esses sintomas pioram e podem ser desencadeados por uma série de fatores, como gripe, contato com mofo e ou substâncias voláteis; 

4- Após o contato com esses fatores, ocorre uma inflamação nos brônquios, que leva a um broncoespasmo e ao acúmulo de secreção dentro da luz do brônquio; 

5- O quadro leva à dificuldade de passagem do ar até os alvéolos, onde existe a troca gasosa, essencial para a respiração; 

6- Tal dificuldade leva a uma redução do oxigênio no sangue e, consequentemente, uma baixa oxigenação nos tecidos, além de aumentar o nível de gás carbônico em circulação; 

7 – O acúmulo de gás carbônico pode levar o paciente à parada cardiorrespiratória e a óbito, se não houver atendimento adequado e em tempo hábil.