O trem do amor

por Zulmira Furbino 18/05/2015 10:18

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Estado de Minas
(foto: Estado de Minas)


Cupido andava meio cansado de disparar flechadas sem resultado. Esse papo de que homem é tudo igual, e vice-versa, estava enchendo o saco e acabando com sua reputação no Olimpo. Quem diria que o amor chegaria ao século 21 tão desacreditado?

Para não desperdiçar flechas com alvos sem potencial, o deus do amor passou a agir de forma seletiva. Bons tempos aqueles em que havia esperança e confiança de sobra. Era só sair por aí, acertando corações, e missão cumprida, o amor pegava pra valer.

Tais dificuldades o levaram a dar uma passeadinha em Minas Gerais. Dizem, no Olimpo, que os mineiros, chegados numa tradição, são mais casadoiros do que os habitantes de outras paragens. Foi por isso que Cupido, um romântico incorrigível, resolveu tentar fisgar alguém numa viagem de trem (BH/Vitória/BH).

Se não encontrasse vítimas em potencial, aproveitaria a estonteante paisagem e o conforto do comboio, coisa de primeiro mundo, comenta-se na mais alta montanha da mitológica Grécia.

Na ida, 13 horas de viagem, e nada. Na volta, no meio de um cochilo, o trem parou numa cidadezinha cujo padroeiro é São Sebastião, o santo das causas impossíveis. Cupido acordou e achou que o momento era auspicioso.

Mas, ao esticar os braços para se espreguiçar, atrapalhou-se, deixando cair a mochila que guardava sua flecha. Nesse exato momento, uma mulher, prestes a completar 60 anos, passava por ali. Seu nome era Valentina.

Ela tropeçou na mochila e, antes que Cupido pudesse abrir a boca, caiu na gargalhada. Impressionado pela beleza e o ótimo astral dela, e animado pela fama do padroeiro local, o deus do amor começou a afiar sua flecha invisível.

Depois do encontro com Cupido, Valentina sentou-se em sua poltrona, abriu o notebook e se distraiu até que sua tranquilidade fosse interrompida por um senhor 10 anos mais velho, que pedia licença para se sentar na poltrona ao lado da sua.

Aqui será preciso dizer que Valentina estava divorciada há um quarto de século e que, depois de namorar muitos jovens sarados, aposentara as sapatilhas, de modo que sua vida afetiva e sexual era uma nulidade (mas estava tudo sublimado, ok?).

Cupido não perdeu tempo, e deu-se o milagre.

Valentina, que jamais aceitava a abordagem de estranhos, começou a conversar com o vizinho de poltrona. E quando uma mulher abre o falador, nem mesmo os deuses sabem onde a coisa vai parar.

Daí em diante, como moravam em cidades diferentes, passaram a se falar diariamente por telefone e WhatsApp, até que ela o convocou para uma
conversinha.

Não tenho mais idade para perder tempo, você está querendo alguma coisa comigo? – perguntou. Sim, claro! – ele respondeu. Também não tenho paciência para ser enrolada. Você está livre e desimpedido? E ele: – Há dois anos! Ah, e também não tenho tempo para esperar. Quando é que a gente se encontra?

Treze dias depois, ela desembarcou na cidade onde vivia seu paquera inesperado. Logo no primeiro abraço, deu-se aquele famoso arrepio de corpo inteiro. Ah! Ali mesmo, em pleno aeroporto, as correntes do amor aprisionaram a distraída e desavisada Valentina.

Ele a levou para seu apartamento, mas, antes de entrarem, pediu que ela esperasse do lado de fora. Quando a porta se abriu, Valentina pôde ver o chão enfeitado com pétalas de rosas, que perfaziam uma trilha até o quarto. Velas acesas haviam sido distribuídas em pontos estratégicos da casa. E a mesa do jantar estava finamente arrumada.

No quarto, em cima da cama, um miniconjunto verde-azeitona de calcinha e camisola sensuais deixava entrever as intenções do "rapaz". Como é que ele imagina que vou caber nisso? – torturou-se Valentina por um breve instante.

Emocionado, o jovem setentão lembrou-se que não havia ligado a trilha sonora, especialmente preparada para a ocasião. Valentina logo pensou em Roberto Carlos, Vando, Elimar Santos... Mas o som que saiu da caixa foi o de Latino: “Hoje é festa/Lá no meu apê/Pode aparecer/Vai rolar bundalelê”...

Nada é perfeito! Nem mesmo Cupido quando acerta.