Especialistas debatem avanços, mas não arriscam palpite sobre a possibilidade de cura da Aids

O que seria o segundo caso de cura da história do HIV - o primeiro foi o conhecido paciente de Berlim, que eliminou o vírus ao se tratar de leucemia com transplante de medula - acabou não se confirmando. Há um mês, o bebê, infectado pela mãe soropositiva durante o parto, voltou a apresentar carga viral detectável na corrente sanguínea

por Bruna Sensêve 29/07/2014 11:00

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Mal Fairclough/AFP
(foto: Mal Fairclough/AFP)
Debates intensos marcaram a 20ª Conferência Internacional Aids 2014, realizada na última semana, na Austrália. Estratégias para prevenir e enfrentar a doença foram ampliadas, iniciativas exemplares e bem-sucedidas, aplaudidas. No entanto, não houve resposta para a principal pergunta: quão perto ou longe estamos da cura do HIV? A mulher laureada com o Nobel de Medicina, em 2008, pela descoberta do vírus, Françoise Barré-Sinoussi, não poderia ser mais categórica ao afirmar, com pesar, que ainda é impossível saber. “Não podemos dar esse tipo de esperança. O que sabemos é que precisamos continuar em frente porque há muita evidência e muitos dados nos dizendo que podemos fazer progressos. Quantos anos precisamos para uma estratégia em particular, não sabemos.”

Barré-Sinoussi não quer cometer o mesmo erro de pesquisadores que, em 1984, garantiram que haveria uma vacina dentro de dois anos. “Já passamos mais de 30 anos depois disso e não temos vacina”, observou a cientista. A verdade é que o cenário, no momento, não é dos mais inspiradores. Na conferência, ao lado da virologista francesa, estavam reunidos os maiores nomes da pesquisa global em busca da cura da Aids. Quem despertou maior interesse foi a figura compenetrada de Deborah Persaud, do Hospital Infantil de John Hopkins, em Baltimore. Bombardeada de perguntas e olhares, a cientista não economizou palavras para tentar desvendar o que pode ter acontecido com o chamado “bebê de Mississippi”.

O que seria o segundo caso de cura da história do HIV — o primeiro foi o conhecido paciente de Berlim, que eliminou o vírus ao se tratar de leucemia com transplante de medula — acabou não se confirmando. Há um mês, o bebê, infectado pela mãe soropositiva durante o parto, voltou a apresentar carga viral detectável na corrente sanguínea. A criança recebeu a primeira dose de antirretroviral com menos de 30 horas do nascimento. O medicamento foi mantido até o ano passado pela equipe de Persaud, quando a criança já estava com 18 meses. Mesmo depois de interrompido o tratamento, houve a surpreendente manutenção do vírus a taxas indetectáveis. Tudo indicava que, se o antirretroviral fosse dado de maneira muito precoce, não haveria tempo suficiente para o vírus atingir um reservatório — onde poderia se esconder permanentemente e de forma latente (veja infografia).

Essa continua a ser uma das principais linhas de pesquisa para a cura da doença. Mesmo com a volta do vírus ao sangue da criança, os cientistas consideram a longa remissão um fato extremamente curioso. “Aprendemos que essa infecção latente pode persistir por muitos anos e em estado total de dormência. Acompanhamos essa criança por mais de dois anos e nada foi manifestado nos testes mais sensíveis”, observa Persaud. Ela se mantém otimista quanto à remissão pediátrica e acredita que os dados recolhidos servirão para novos ensaios clínicos.

Contestação
Mas, apesar da expectativa da infectologista, estudos indicam que dificilmente a estratégia de tratamento precoce será a melhor opção. Em artigo publicado na renomada revista científica Nature, durante a conferência, Dan Barouch, chefe da divisão de pesquisa em vacinas do Centro Médico Beth Israel Deaconess, da Universidade de Harvard, enterra a proposta buscada por Persaud.

Nesse novo estudo, a equipe científica iniciou a terapia antirretroviral em grupos de macacos no terceiro, no sétimo, no 10º e no 14º dias após a infecção pelo vírus da imunodeficiência símia (SIV), uma variação para primatas não-humanos do HIV. Aqueles tratados no terceiro dia não mostraram nenhuma evidência de vírus no sangue e não geraram quaisquer respostas imunitárias específicas para a infecção. Porém, após seis meses de tratamento, todas as cobaias sofreram com o ressurgimento viral devido à interrupção da medicação. Ainda que o início terapêutico precoce tenha resultado em um atraso no tempo de retorno da carga viral, em comparação com um tratamento mais tardio, a incapacidade de erradicar o reservatório viral sugere que estratégias adicionais serão necessários para curar a infecção por HIV.

Valdo Virgo / CB / DA Press
Clique para ampliar e saber mais (foto: Valdo Virgo / CB / DA Press)
Segundo Barouch, a pesquisa confirma uma notícia não muito boa: os reservatórios foram estabelecidos já nos primeiros dias em que o organismo teve contato com o patógeno, antes mesmo da infecção ser detectável no sangue. “Encontramos um paralelo marcante com o bebê de Mississippi, pois confirma que os reservatórios são estabelecidos muito mais cedo do que imaginávamos. A terapia antirretrovial precoce, mesmo muito precoce, não é rápida o suficiente para impedir o reservatório viral.”

Ele pondera que a terapia precoce sempre terá benefícios para a redução desses reservatórios, porém será incapaz de erradicá-lo. “As implicações são que estratégias adicionais podem ser necessárias para a erradicação, o que inclui o uso de anticorpos monoclonais, vacinas e ativadores de reservatório.”

Um chute no vírus
Se a estratégia do tratamento precoce passa a ter grandes empecilhos, outra iniciativa começa a prosperar. A ideia da equipe de Ole Schmeltz Sogaard, do Hospital da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, é “acordar” o vírus para que possa ser combatido. O nome da técnica em inglês é kick and kill e significa chutar e matar. A referência é simples: o chute no vírus é necessário para que ele deixe seu estado latente. Uma vez ativo, passa a ser tão vulnerável quanto o HIV espalhado no sangue. Os desafios consistem em descobrir como retirá-lo de seu esconderijo e, logo em seguida, como matar essas partículas virais específicas. Os avanços apresentados por Sogaard durante a conferência são muito significativos. Ele testou uma droga anticancerígena e foi bem-sucedido no “despertar” do HIV latente.

O medicamento foi utilizado em outras pesquisas feitas em células em cultura e retiradas de pacientes, com êxito. Sogaard anunciou que o mesmo resultado foi observado em seis pacientes. Eles estavam com a carga viral suprimida por nove anos e meio em média. Após a administração de três doses do medicamento, por um período de 14 dias, a equipe de pesquisadores constatou grandes quantidades de novas partículas virais na corrente sanguínea. Elas foram detectáveis com exames laboratoriais comuns de monitoramento da doença. Depois disso, Sogaard quis descobrir se a estratégia havia influenciado no tamanho dos reservatórios. Após uma análise preliminar, a equipe avaliou que não houve qualquer diminuição. “Isso nos diz que é possível ativar as células e induzir a liberação das partes virais no plasma do paciente, mas não é o suficiente para fazer diferença no tamanho do reservatório.”

O cientista dinamarquês considera que o próximo passo está justamente na busca pela combinação de novas estratégias, por exemplo, com imunoterapia. “Para melhorar a habilidade do sistema imune em aniquilar essas partes virais despejadas no sangue”, assinala. Mais detalhadamente, Sogaard explica que, para uma atividade de reativação ser bem sucedida, é preciso que algumas células imunes sejam capazes de reconhecer as partes expostas para exterminá-las. “Acho que essa é a principal barreira para reduzir o reservatório quando já temos um importante agente de reativação.” O principal investigador do Instituto da Florida para Terapia Genética e Vacina, Nicolas Chomont, acrescenta ainda a garantia de uma boa medida do tamanho desse reservatório. Ele lidera uma pesquisa que resultou no exame Tilda.

O teste recém-desenvolvido é uma promessa para a definição do tamanho dos reservatórios em pacientes soropositivos. “Desenvolver um novo acesso para medir o tamanho do reservatório é importante porque queremos encontrar formas de monitorar a eficácia de estratégias de erradicação”, justifica. Ele considera que os testes que tentam fazer o mesmo atualmente necessitam de uma quantidade exagerada de sangue e dependem de um custo elevado para serem produzidos. O Tilda precisa de apenas 10 miligramas de sangue, e dois dias para ficar pronto. “E, mais importante, pode ser implementado em quase qualquer laboratório do mundo porque precisa de instrumentos muito básicos para usar”, acrescenta. (BS)