Desde 2011, a indústria de equipamentos médicos e a comunidade científica mundial se debruçam sobre um novo tratamento que promete trazer alívio para a parcela da população mais penalizada pela hipertensão. A denervação renal com cateter dedicado (veja procedimento completo no quadro ao lado), é um procedimento minimamente invasivo que tem como meta bloquear os estímulos do sistema nervoso simpático sobre o rim, um dos responsáveis pela regulação dos níveis de pressão arterial.
De forma equivocada, o cérebro avalia que a pressão está baixa e manda comandos para que o rim comece a atuar. "Um dos mecanismos utilizados pelo órgão para aumentar a pressão é a retenção de sal e água. Outro seria a produção de uma substância que causa vaso constrição, ou seja, o estreitamento das artérias", explica Alexandre do Canto Zago, médico cardiologista do Hospital Mãe de Deus e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O erro de comunicação justifica a alta descontrolada dos índices pressóricos.
Interromper essa troca de informações é, portanto, o principal objetivo da denervação renal, tratamento já realizado no Brasil desde novembro, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a comercialização do cateter no país. A maior parte dos procedimentos realizados por hospitais detentores de tecnologia de ponta ainda ocorre em protocolo de pesquisa. No Hospital Mãe de Deus, no Rio Grande do Sul, porém, a denervação renal já faz parte da rotina clínica. "Fizemos três procedimentos, todos com resultados positivos", afirma Zago, coordenador da equipe responsável.
MODESTA, MAS DECISIVA
Em um homem de 71 anos, houve redução de 20mm/Hg na pressão sistólica e 10mm/Hg na diastólica, o equivalente a sair de 17/11 para 15/10. "Os resultados são compatíveis com os estudos. Os números podem parecer baixos, mas, no longo prazo, cifras dessa ordem podem ter efeitos sobre órgãos alvo, como coração e rins", observa Zago. Ao contrário do que se espera, a denervação renal não vai eliminar a necessidade de uso dos medicamentos, mas promete melhorar a qualidade de vida do paciente. "Conseguimos reduzir a quantidade desses remédios, principalmente aqueles com efeitos colaterais que não são tolerados", observa o cardiologista do Rio Grande do Sul. Segundo Luiz Bortolotto, membro da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH) e diretor da unidade de hipertensão do Instituto do Coração (Incor), a média de sete remédios consumidos antes da intervenção pode cair para quatro.
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A expectativa agora gira em torno dos próximos estudos, previstos para serem divulgados nos congressos internacionais ao longo do ano. "Apesar do desânimo da última pesquisa, estamos com expectativa de que os novos estudos venham mostrar resultados importantes. Ainda há otimismo", garante Malachias. A principal dúvida a ser respondida é qual tipo de cateter alcançará maior eficácia. "Pode ser que o mecanismo de radiofrequência não seja o melhor. Já há possibilidades com ultrassom", antecipa o especialista.
NORMATIZAÇÃO
Para Luiz Bortolotto, também é crítica a necessidade de estabelecer um protocolo exato de aplicação clínica do procedimento para que não seja realizado sem necessidade. "É preciso reforçar que os casos devem ser muito bem selecionados e deixar claro qual será o paciente realmente beneficiado", pondera. Isso porque, diante da novidade da intervenção e das dúvidas que ainda pairam sobre sua eficácia, não há previsão de quando será coberta pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nos planos de saúde, tratamentos como esses podem demorar até dois anos para entrar no rol de cobertura. "Quando há um estudo não favorável, como o publicado recentemente, dificulta -se ainda mais esse processo. A eficácia deve ser incontestável", pondera o cardiologista Alexandre do Canto Zago.

A doméstica Lourdes Ferreira, de 47 anos, trata da hipertensão há 14 anos e é uma entre os milhares de brasileiros que poderiam se beneficiar do tratamento, no caso de ser incorporado à cobertura médica. "Tomo cinco medicamentos e minha pressão ainda fica em torno de 14 por 8 quando estou tranquila", conta. Episódios críticos em que a pressão sistólica passa de 15 obrigam-na a recorrer ao atendimento hospitalar e não são evitados pelos vários fármacos. "Sinto muita dor de cabeça e mal-estar. Quando a pressão sobe muito, ainda tenho náuseas", descreve.
Indícios de benefícios
Há indícios de que a denervação renal também traga efeitos positivos na redução dos índices glicêmicos e de colesterol. "Poderia melhorar a insuficiência cardíaca, arritmias e até tendência de melhora metabólica, como a redução do nível de glicose", afirma o cardiologista Marcus Bolivar Malachias. Pesquisas dedicadas a comprovar os demais benefícios do procedimento começam a ser realizadas nos principais centros hospitalares do país.