Estudo revela que dormir bem pode ajudar a proteger o sistema nervoso

Segundo estudo americano, dormir bem aumenta a produção da substância que protege o sistema nervoso central. O desgaste dessa estrutura pode desencadear doenças autoimunes, como a esclerose múltipla

por Thaís Cieglinski 11/09/2013 15:00

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Uma boa noite de sono é capaz de renovar o ânimo, descansar o corpo e a mente. Um estudo publicado no The Journal of Neuroscience acrescenta mais um motivo à lista de benefícios: dormir intensifica a produção da bainha de mielina, substância que envolve os neurônios e protege o sistema nervoso central. “O uso que fazemos do cérebro enquanto estamos acordados exige um período de descanso. Muitas funções cognitivas ficam comprometidas se ficarmos despertos por muito tempo, da atenção à memória, passando ainda pelo humor. Elas só conseguem ser reparadas se, de fato, adormecermos”, explica a neurocientista Chiara Cirelli, pesquisadora da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, e coordenadora do estudo.

As constatações foram feitas em experimentos com camundongos. Os dados levantados indicaram que a taxa de produção das células que dão origem à mielina, os oligodendrócitos, dobrou enquanto eles dormiam. Apesar de saber que muitos genes são ativados durante o sono — a exemplo dos hormônios do crescimento — , os cientistas ainda não conheciam o impacto do repouso sobre células responsáveis pela produção da substância branca. “Agora, está claro que a maneira como operam outras células de apoio no sistema nervoso também muda significativamente se estivermos dormindo ou acordados”, detalha a especialista.

Valdo Virgo / CB / DA Press
Clique para saber qual é o efeito de uma boa noite de sono sobre os neurônios (foto: Valdo Virgo / CB / DA Press)
A capacidade de aprender e de ganhar novas habilidades são precisamente controladas pela mielina, que funciona como isolante de um circuito elétrico. Ela garante que os impulsos sejam transmitidos de forma rápida de uma célula para outra, podendo transmitir um sinal em velocidade superior a 100 metros por segundo, tão rápido quanto um carro de Fórmula 1. O desenvolvimento dos oligodendrócitos é iniciado durante o segundo trimestre de gestação, logo após o surgimento da maioria dos neurônios; continua durante o nascimento e perdura pela vida adulta. Sem a bainha de mielina, no entanto, os neurônios são expostos, e a transmissão dos impulsos nervosos fica comprometida. Podem ainda acontecer “curtos-circuitos” ou bloqueios da transmissão dos impulsos.

É o que ocorre com portadores de doenças como a esclerose múltipla e a mielite transversa (leia Para saber mais). Em ambos os casos, a degradação da substância branca pode provocar um série de alterações físicas e cognitivas, como fraqueza muscular; formigamento ou dormência na face, nos braços e nas pernas; incoordenação motora, problemas na memória, desequilíbrio, incontinência urinária, entre outras. A desmielinização, no entanto, não se dá de forma homogênea, mas em focos localizados principalmente em áreas motoras e sensoriais.

Os ataques à mielina acontecem em virtude de uma falha genética no sistema imunológico — responsável por proteger o corpo humano diante de um agente intruso, como um vírus ou uma bactéria —, que, por razões ainda desconhecidas, passa a atacar a substância branca. O sistema nervoso central tem a capacidade de reverter, até certo ponto, a degeneração da mielina, mas, com a progressão dos ataques à substância branca, esse mecanismo perde força.

Novos tratamentos
A descoberta dos pesquisadores norte-americanos pode, portanto, oferecer novos caminhos no tratamento dessas enfermidades. De acordo com o estudo, a maior produção de oligodendrócitos se deu durante a fase mais profunda do sono, o período REM (sigla em inglês para movimento rápido dos olhos). Em contrapartida, quando os ratos foram forçados a permanecer acordados, houve queda nessa taxa. Além de sintetizar a mielina, essas estruturas são responsáveis por mantê-la.

“Na fase inflamatória de doenças autoimunes que atingem o sistemas nervoso central e periférico ou no caso de desmielinização muito intensa e persistente, não há chances de recuperação com os medicamentos atualmente disponíveis”, explica o neurologista Carlos Tauil, médico do Hospital de Base de Brasília.

O próximo passo dos pesquisadores será analisar as taxas de produção de oligodendrócitos em humanos, em especial nas pessoas afetadas pela esclerose múltipla. A suspeita é de que a privação de sono possa agravar alguns sintomas da doença. Além disso, a equipe de Chiara Cirelli pretende analisar se a falta de sono, especialmente na adolescência, pode gerar efeitos nocivos, de longo prazo, para o cérebro.

De acordo com o Centro Norte-Americano de Controle e Prevenção de Doenças, a privação de sono pode aumentar o risco de doenças crônicas — incluindo problemas cardiovasculares e diabetes —, de depressão, além de desencadear maior tendência à obesidade. Para quem sofre de doenças neurodegenerativas, o repouso é imprescindível. “O sono é um processo natural de renovação e equilíbrio de neurotransmissores e neurohormônios que agem em áreas do sistema nervoso que controlam a sensação de fadiga. Um ciclo circadiano e um sono eficiente são fundamentais, além de exercícios físicos e dieta adequada”, observa Carlos Tauil.

Falha imunológica
A esclerose múltipla é uma doença neurodegenerativa, autoimune, com incidência maior em mulheres jovens. Por uma falha do sistema imunológico, a bainha de mielina é identificada como um agressor e passa a ser atacada. Até o momento, a causa da doença é desconhecida, assim como a cura. Os sintomas e sinais são relacionados ao acometimento dos seguintes sistemas funcionais: motor, sensitivo, tronco cerebral, visual, cerebelo, controle urinário, intestinal e mental. A estimativa é de que 25 mil pessoas sofram da doença no Brasil.

Para saber mais: mal raro e súbito A mielite transversa é uma enfermidade neurológica rara que se inicia, habitualmente, com dor súbita nas costas, seguida de adormecimento e debilidade motora nas pernas. Os episódios podem avançar ao longo de vários dias e, se forem graves, gerar paralisia sensitivo-motora e perda do controle intestinal e da bexiga. Pode aparecer em qualquer idade, mas o maior número de casos é registrado entre 10 e 19 anos e depois dos 40. É comum os pacientes apresentarem febre pouco antes do início de sintomas neurológicos. Os primeiros casos foram descritos em 1882 e atribuídos a lesões vasculares e eventos inflamatórios agudos. Apesar de muitas pessoas se recuperarem com pouca ou nenhuma sequela, algumas sofrem prejuízos permanentes capazes de afetar a capacidade de executar tarefas simples, como andar. A maioria dos pacientes terá apenas um episódio da doença.

Arte: Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Arte: Soraia Piva / EM / DA Press)
Recuperação de danos
“A depender do estágio, as áreas que foram desmielinizadas podem ser recuperadas. Os axônios são envolvidos pela bainha de mielina, que, por sua vez, é produzida pelos oligodendrócitos no sistema nervoso central, e pelas células de Schwan no sistema nervoso periférico. Na fase inflamatória de doenças autoimunes que atingem o sistema nervoso central, como a esclerose múltipla, ou o sistema nervoso periférico, como a síndrome de Guillain Barré, não há chances de remielinização com os medicamentos atualmente disponíveis. Se o dano for menor, o próprio sistema nervoso pode reconstituir os danos. Algumas drogas em pesquisa, como o antilingo, são promessas para a ação regenerativa da substância branca, enquanto alguns medicamentos já disponíveis, a exemplo do fingolimod e do natalizumabe, agem indiretamente como protetores aos ataques à mielina.” Carlos Tauil, neurologista