Pesquisadora faz alerta sobre impacto da poluição em eventos esportivos

Pesquisa encomendada pelo Comitê Olímpico Britânico indica que poluição pode sim comprometer o desempenho de atletas profissionais. Autora sugere que poluentes presentes em capitais brasileiras podem interferir nas competições internacionais que vão acontecer no país

por Gabriella Pacheco 20/05/2013 08:00

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Olivia Harris
Dez atletas profissionais de alta performance participaram do experimento (foto: Olivia Harris)
O impacto da poluição na prática esportiva foi tema de uma pesquisa realizada por uma equipe da Edinburgh Napier University, da Escócia, que foi apresentada no I Simpósio Brasileiro de Imunologia do Esporte, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), realizado no início de 2013. O texto comprova um alerta que especialistas já faziam à esportistas e amadores que se aventuram em corridas e exercícios por grandes centros urbanos: a poluição faz mal.

Dez atletas profissionais de alta performance participaram do experimento, sendo submetidos a corridas de 8 quilômetros em quatro ambientes diferenciados. No primeiro, os atletas tiveram que lidar com temperatura de 20 °C e 50% de umidade relativa do ar. No segundo, a temperatura e umidade continuaram as mesmas e o ozônio foi inserido. No terceiro, a temperatura aumentou para 31 °C e a umidade foi para 70%. No quarto, os atletas foram expostos ao calor e umidade anteriores com o acréscimo de ozônio.

O resultado mostrou que nas condições 3 e 4, o tempo que os atletas gastaram para realizar a prova aumentou em média 33 segundos, em relação com os dois primeiros ambientes. Mesmo sem o acréscimo do calor ou umidade, as presença do ozônio no segundo ambiente já foi suficiente para implicar em uma queda média de 12 segundos nas performances dos atletas.

Arquivo Pessoal
A pesquisadora brasileira Elisa Couto Gomes é formada em Educação Fìsica pela UFMG, Mestre em Fisiologia do Exercício pela Loughborough University, da Inglaterra, e Doutora em Fisiologia e Imunologia do Exercício pela Edinburgh Napier University. (foto: Arquivo Pessoal)
À convite do Saúde Plena, uma das autoras do estudo, a pesquisadora brasileira e doutora em Fisiologia e Imunologia do Exercício pela universidade escocesa, Elisa Couto Gomes, falou sobre algumas conclusões tiradas do trabalho encomendado pelo Comitê Olímpico Britânico. Segundo ela, a confirmação do impacto negativo da poluição levanta um alerta vermelho para as cidades brasileiras que receberão jogos das Copas do Mundo e das Confederações e pelas Olimpíadas.

Você observou os efeitos dos poluentes na performance durante corridas pontuais, mas é possível dizer quais consequências podem aparecer ao se correr constantemente nessas condições?

Existem alguns poucos estudos científicos, a maioria em ratos, que mostram que existe uma adaptação no organismo para a exposição crônica. Essa adaptação ocorre mas a inflamação e a lesão pulmonar persistem, o que pode levar um ''endurecimento'' do epitélio, como o que ocorre com fumantes, sem falar nas outras consequências para a saúde - por exemplo, um menor peso de recém-nascidos de mulheres que vivem em regiões com alto índice de poluição atmosférica. Mas, em termos de desempenho em esportes eu ainda não vi nenhum estudo investigando o efeito crônico da exposição à poluição. Na minha próxima pesquisa essa será uma das coisas que irei investigar, justamente devido a falta de estudos nessa área.

Com base no seu trabalho, quais são as áreas a serem evitadas nos centros urbanos brasileiros?


A minha pesquisa foi realizada em uma câmara ambiental aqui da universidade, onde temos um aparelho que produz ozônio. Então eu pude controlar a temperatura, que pode variar de -10 graus a 50 graus; a umidade, que pode variar de 20% até 100%, e poluição nesse lugar, já que esse aparelho permite que eu estipule uma concentração de poluição para ser liberada. Dessa forma, eu tenho certeza que todos os atletas foram expostos sempre a mesma situação. Nos centros urbanos locais com muito trânsito geralmente vão ter uma maior concentração de material particulado e ozônio. Porém, o problema do ozônio é que sendo um gás ele pode ser levado a locais onde ele não foi produzido inicialmente. Por exemplo, em São Paulo sabe-se que no parque Ibirapuera a concentração de ozônio é bastante elevada! E muitas pessoas exercitam lá.

Peter Parks
Pequim, sede das Olimpíadas 2008, teve que fechar fábricas para diminuir o nível de poluição atmosférica (foto: Peter Parks)
Em um ponto do artigo você explica que os atletas utilizados no estudo são de alta performance e sugere que isso diferencia o resultado, uma vez que eles têm alta capacidade aeróbica e, portanto, inalam mais ar e O3 por minuto. É possível aplicar sua conclusão à qualquer pessoa exposta a um ambiente com essa combinação calor + ozônio?


Sim, pois apesar de eu ter usado atletas de alto nível, eles só foram expostos por 30 minutos, inalando uma alta quantidade. No entanto, a conta que utilizamos é a seguinte: a dose efetiva do poluente = volume de ar inspirado x o tempo exposto. Portanto, indivíduos que estão apenas caminhando no centro, ou dirigindo ônibus e táxis estão expostos por horas! E no final da conta eles vão ter um grande prejuízo.

Você dá destaque ao efeito que a poluição pode ter em competições esportivas. Realmente, o foco do Brasil para os próximos anos são as três grandes competições que sediaremos. Em algumas cidades o calor até dará uma trégua, já que elas acontecem em julho, mas é difícil acreditar que a situação da poluição terá mudado. Como você imagina que isso poderá afetar os eventos?

Bem em Pequim - inclusive uma das verbas pra minha pesquisa foi do Instituto Olímpico Britânico - a preocupação com a poluição era enorme, então o governo teve que tomar muitas medidas para diminuir e controlar a situação. Várias fábricas e indústrias foram fechadas por meses antes das Olimpíadas e acho q eles também modificaram o trânsito. Eles conseguiram diminuir e tiveram a sorte que no dia da maratona, onde a preocupação era maior, choveu e a temperatura foi baixa. Claro que em geral a poluição das grandes cidades do Brasil é um pouco menor que a de Pequim. Mas se não houver uma preocupação do governo pode ser que o nível dos poluentes ainda estejam elevados. Por exemplo, a temperatura média no Rio de Janeiro em julho é na média de 26° C, isso para o pessoal daqui (Escócia) é bem quente, e já é suficiente para a produção de ozônio. Mas o material particulado (MP) tem o mesmo efeito do ozônio e não depende do calor, já que é liberado principalmente por veículos. Acho que os indivíduos que forem mais susceptíveis a poluentes, como asmáticos, podem ser seriamente afetados, o que pode prejudicar o sistema respiratório e o desempenho deles, principalmente para competições ao ar livre.

Rodrigo Clemente/EM/D.A Press
Média de jogadores de futebol em campo varia entre 8 e 12 quilometros corridos por jogo (foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)
Seu foco foram as corridas. Em uma partida de futebol, atletas profissionais chegam a correr mais de 10 Km. Você acredita que a sua conclusão se aplica a outros esportes também? O dano é o mesmo?


Com certeza, o dano será o mesmo independente do esporte. Os atletas expostos ao ozônio relataram vários efeitos como náusea, ardência nos olhos, tosse, dor de cabeça etc. Imagine um atleta sentindo tais efeitos em um jogo, como o de futebol, que precisam de uma participação grande do sistema cognitivo, como tomada de decisão, visão geral do campo e antecipação de jogadas. Tudo isso pode ser prejudicado se o jogador estiver preocupado com a dor de cabeça, a náusea ou a vontade de vomitar.

Você acha que ao escolher essas cidades sede as organizações esportivas levam em conta a poluição e os efeitos que ela pode ter no desempenho dos atletas? Deveriam?


Acho que eles não levam em conta. Acho que a maioria das pessoas não levam em conta como que uma coisa que você não consegue ver (a poluição) pode causar mais mortes por ano do que o cigarro ou acidentes de carro - pelo menos é assim aqui na Grã-Bretanha). Acho que as organizações esportivas e os governos precisam dar mais atenção para isso, porque infelizmente as pessoas precisam respirar independentemente de onde elas moram! O governo gasta muito mais dinheiro com pessoas que precisam procurar assistência médica devido à complicações provenientes da exposição à poluição do que iria gastar tomando algumas medidas para diminuir a poluição.

Você já foi abordada por alguma dessas instituições ou seu artigo teve algum tipo de repercussão no sentido de chamar mais atenção para esse risco a que os atletas se expõem?


Essa primeira pesquisa foi, como mencionei anteriormente, um requisito do governo britânico, que investiu justamente para saber o que os atletas iriam vivenciar nas Olimpíadas de Pequim e também já se preocupando com as Olimpíadas de Londres. Inclusive a gente escreveu um folheto para os atletas olímpicos daqui para eles terem mais informações. Acho que existe um interesse por parte dos técnicos e dos próprios atletas - já apresentei esse trabalho em conferências e ele foi muito bem recebido. No entanto, acho que esse assunto deve ser mais discutido, com mais pesquisa e levado para a população como um todo, pois existem milhares de pessoas que são afetadas por isso todos os dias e não sabem ou não sabem o que podem fazer para serem menos afetadas.