História do funk em BH: gênero tem tradição de 30 anos entre mineiros

Ao contrário do que se imagina, o funk de Minas não é reprodução da vertente carioca; artistas de Belo Horizonte estavam na cena desde antes da explosão do ritmo

28/08/2015 00:13

O funk à mineira força as barreiras das comunidades e atrai o interesse de gente de todos os níveis sociais nas Gerais. No entanto, mesmo com MCs mineiros “bombando” Brasil afora, a cena em Belo Horizonte poderia pulsar em outra batida, deixando de ser som do “gueto”.

 

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Vinte seis anos depois do lançamento da coletânea 'Funk Brasil' pelo DJ Marlboro, considerado o marco na história do ritmo das favelas cariocas, a batida ganhou sotaque mineiro e legiões de fãs, a exemplo do que ocorreu em todo o Brasil. Mas, diferentemente do Rio e São Paulo, um movimento pulsante, muito potencializado pela web, se organiza às margens do mercado formal. A música anima festas nas mais diferentes classes sociais, de quadras nas favelas a salões em condomínios de luxo. Mas o ponto alto da cultura funkeira, o baile, acontece nas comunidades.

Beto Magalhães/EM/D.A Press
Quadra do Vilarinho, na Região de Venda Nova, é palco de um dos ícones do funk em BH: ''É o baile mais tradicional que se manteve nos últimos 30 anos'', diz Wildman Novaes, , o DJ Treb Pesadão (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)
Para os MCs, o palco não está no circuito da Savassi e Lourdes, na Região Centro-Sul. “A Savassi recebe mais o rap e o sertanejo”, diz Frederico Reis, de 29 anos, o Fred da Sul, que organiza um dos maiores bailes no Morro do Papagaio. Fora das comunidades, quem os recebe são casas de show da Região da Pampulha e Contagem, na Região Metropolitana de BH. O baile mais tradicional é celebrado na Quadra do Vilarinho, na Região de Venda Nova. “Lá, se apresentam DJs, grupos de dança. É o baile mais tradicional que se manteve nos últimos 30 anos”, diz Wildman Silva de Novaes, de 37, o DJ Treb Pesadão.

Engana-se quem pensa que o ritmo chegou aqui depois de estourar nas comunidades cariocas. A cena mineira se desenvolveu na mesma época, e com características próprias. “Surgiu no Rio, mas rapidamente se alastrou por todo o Brasil”, afirma Daniel Teixeira, de 33 anos, o MC Dodô.

 

Os precursores são MCs que participaram do União Rap Soul, um dos escolhidos para a terceira coletânea organizada pelo DJ Marlboro, o pai do funk carioca. Ao introduzir uma batida dançante e sugerir aos músicos que cantassem sobre as bases eletrônicas, Marlboro ergueu os alicerces para um dos maiores fenômenos da indústria cultural brasileira.

Na década de 1990, com a presença em programas de TV e defendido por celebridades, o ritmo passou a ser aceito por um público mais amplo. “O funk não é visto como antigamente. Antes, quando você se apresentava como DJ e MC, as pessoas olhavam com outros olhos. Pensavam que éramos marginais, bandidos. Agora, olham com mais respeito”, diz DJ Treb. Produzido por jovens de vilas e favelas, o funk conquista adeptos em outras classes sociais. “No Aglomerado da Serra, por ser muito grande, temos muitos bailes, mais de 10. Vai gente de todos os níveis sociais. Muita classe média. O funk tomou conta. Está no Brasil todo, tanto quanto o sertanejo universitário”, completa MC Dodô.

A internet se tornou importante plataforma de lançamento de músicas e divulgação dos trabalhos da maior parte dos artistas. “Trabalhamos para que uma música estoure. Muitas vezes, só depois de um ano é que vamos lançar outra. Não é a lógica do CD”, diz Dodô. Um dos principais produtores do estado, José Luiz Carvalho, de 55 anos, o DJ Joseph, teve músicas em duas coletâneas feitas por Marlboro. Ele lembra que os artistas de Minas não são remunerados como os do Rio e São Paulo. Nesses estados, MCs recebem até R$ 50 mil por mês para realização de shows.

Ostentação, consciente e proibidão são algumas das vertentes do funk. As letras conscientes deram notoriedade a mineiros em todo o Brasil. É o caso do MC Dodô. Em 2007, suas canções o levaram a shows em São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul. Seu primeiro sucesso foi Bomba explode na cabeça, de 2007. “A bomba é a notícia que a família recebe do filho que foi assassinado. É uma notícia que desmorona, desestrutura”, diz ele, um dos representantes do funk consciente.
Acervo pessoal/Reprodução
''Antes, quando você se apresentava como DJ e MC, as pessoas olhavam com outros olhos. Pensavam que éramos marginais, bandidos. Agora, olham com mais respeito'', diz DJ Treb (foto: Acervo pessoal/Reprodução)
No Morro do Papagaio, ou Aglomerado Santa Lúcia, os bailes funk fazem sucesso. Nos últimos anos, o ritmo animou festas de rua em pelo menos oito pontos da comunidade. Em processo de organizar os eventos, produtores pretendem centralizá-los em um único local. “O nosso público é mais gueto. Vem pessoa de fora, se mistura e, muitas vezes, permanece”, diz Fred da Sul.

 

O termo gueto é usado para se referir às pessoas da própria comunidade. Segundo ele, a ideia é melhorar a infraestrutura e conseguir alvarás para serem regulamentados. Desde semana passada, o baile rola na Primeira Antena.

 

“Temos que melhorar para não ter problemas com a polícia. Agora, estamos com estrutura melhor e teremos apresentação de artistas. Será um baile mesmo.” Ele lembra que o evento é feito pelo coletivo Família da Sul sem qualquer apoio ou recurso do Estado. “É nós por nós mesmos. Fazemos porque gostamos de levar a diversão.”

Os MCs mineiros temem que as letras conscientes percam espaço para versos que apelam para a pornografia ou façam alusão ao tráfico. “A nova geração tem curtido o funk pornográfico. Estou pensando em me aposentar, porque, para me manter no cenário, teria que mudar”, diz MC Dodô. Os chamados proibidões, com letras mais sexualizadas ou que fazem referência ao tráfico, têm ganhado espaço nos bailes.

 

“O ostentação já não faz tanto efeito. O MC é um garoto da favela que ouve uma música, gosta e resolve compor. Ele vai escrever sobre o que escuta e vê todos os dias”, desabafa. Um produtor que prefere não ser identificado diz que a predominância dos funks proibidões tem relação com os chamados “bailes de patrão”, festas feitas em sítios totalmente custeadas por traficantes. “Nessas festas, 90% das músicas são baixaria e putaria. Os patrões bancam tudo.”

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