Em 1965, quando lançou o álbum de estreia, A pescaria, Erasmo Carlos logo se destacou com a faixa Minha fama de mau, uma das mais conhecidas da carreira. Cinquenta e três anos depois, a tal fama de mau ficou totalmente para trás com o lançamento do disco Amor é isso.
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E foram esses poemas que o inspiraram a criar o repertório de Amor é isso e todo o conceito em torno do disco, que tenta fazer com que as pessoas pensem na simplicidade do amor. No álbum, Erasmo se desprendeu das rimas e chamou uma lista de amigos para o ajudar nas composições. O time dos sonhos tem Marisa Monte, que escreveu com ele Convite para nascer de novo; Emicida, com quem fez a parceria Termos e condições; Samuel Rosa, parceiro em Novo sentido; Adriana Calcanhotto, com quem fez dobradinha em Seu sim; e Arnaldo Antunes, responsável pela música Parece que foi hoje.
Algumas canções também foram presentes, como Minha âncora, de Nando Reis, e Sol da Barra, de Marcelo Camelo. No entanto, uma das mais especiais para o cantor é a faixa Novo love, uma versão em português da música New love, de Tim Maia, amigo de infância do artista.
Amor é isso, além de marcar um certo afastamento de Erasmo Carlos do rock, representa uma nova fase para o cantor: a do lançamento de um álbum, por enquanto, apenas em versão digital. O que o compositor tem estranhado, como contou: “Eu quero mostrar, não tenho, não posso. (...) Então, eu fico assim, dançando conforme a música. Estou aprendendo ainda”. Essa estranheza, o conceito por trás do álbum e a expectativa em torno da cinebiografia Minha fama de mau, de Lui Farias, estão entre os assuntos abordados por Erasmo Carlos nesta entrevista.
Depois de três discos mais roqueiros, Amor é isso é um álbum mais voltado para o amor. O que lhe levou a isso?
Nesse disco, aposentei as distorções, as batidas fortes. Eu queria falar do amor como conceito. Não o amor sexual, pornográfico... O amor como conceito, que engloba todos os amores possíveis e imagináveis. Uma coisa que me fascina é que o amor não é uma coisa que você possa explicar com palavras, mas você pode explicar com gestos. Então, o que me levou a fazer e afirmar que “o amor é isso” foi um vídeo que eu vi no YouTube de duas crianças, em que uma delas serve de ponte para a amiguinha passar por ele. Quando ela atravessa a ponte, que é o corpo do amigo, ela estende a mão para ele e seguem os dois caminhando. Isso me comoveu muito e falei: “Poxa, o amor é isso”. O amor pode ser mostrado e definido por gestos. Uma cadela dando de mamar a uma ninhada de gatos. Amor é isso, independente da natureza. Então essas coisas me fascinam.
Você queria explicar isso, de certa forma, nesse disco?
Não explicar. Minha intenção, às vezes, é perguntar ou levar ao diálogo. Eu não tenho todas as respostas.
Trazer esse tema do amor agora na música brasileira era uma necessidade que você sentia?
O amor é sempre uma necessidade, porque o amor pra mim é a salvação de tudo. Todas as respostas estão no amor. E é uma coisa que a vida vai te fazendo, às vezes, esquecer disso. Então, é sempre importante você lembrar, exercitar, falar, exercer (o amor). Sem demagogia. O amor é verdadeiro.
Como se deram as parcerias e participações do disco?
Estou há dois anos casado e meu namoro começou há oito anos. Eu escrevia para a minha mulher todos os domingos um e-mail com um poema. Em oito anos foram 111 poemas e eu resolvi musicá-los. Pela primeira vez eu fiz isso na minha vida. Até porque me senti livre das rimas obrigatórias e viciadas das músicas. Aí se abriu um horizonte em termos de letras, com muito mais liberdade. Então, procurei amigos meus que já trabalham com isso, tipo Adriana Calcanhotto, Arnaldo Antunes... E juntos começamos a desenvolver esse trabalho. Convidei o Samuel Rosa, Marisa Monte e as músicas foram surgindo. Depois, o disco foi se desenvolvendo, o tema do “amor é isso” sobressaiu e o Nando Reis me mandou uma música dele só para mim. O Marcelo Camelo mandou lá de Portugal uma música também exclusiva pra mim e o Emicida fez uma participação numa faixa comigo, porque a gente fez uma música para a Gal Costa, Abre-alas de verão, que vai sair no próximo disco dela e por causa disso veio a nossa parceria.
Nesse disco você trouxe a versão em português de New love. Como foi trazer essa música do Tim Maia?
Essa música é de 1961 e o Tim só gravou em setenta e pouco. Quando a gente era menino – a gente foi criado junto. Ele foi para os Estados Unidos estudar e ele namorava uma menina chamada Marlene, que era da “turminha” da gente, lá da Tijuca. E ele mandou essa música lá dos Estados Unidos como um cartão-postal para ela, que ele tinha gravado lá. Essa música é uma canção especial para mim por esse momento, me lembra a minha infância. E, aí, levei esses anos todos esperando a oportunidade para colocar letra, porque ele gravou em inglês. E eu fiz a letra em português. Mas só agora chegou o momento.
Deve ter sido, então, muito emocionante fazer essa música...
Foi, foi. Não foi somente o ato de gravar uma música do Tim (Maia). Ela tem uma história por trás forte de amor, de saudade, uma coisa assim.
Em Termos e condições, você e Emicida falam um pouco sobre as desvantagens da tecnologia. Como é a sua relação com a internet? Usa rede social?
É a maior possível. Mas com um pé atrás, porque ao mesmo tempo que é uma coisa maravilhosa, é uma coisa infernal também. A internet é Deus e o diabo também, os dois juntos.
O seu livro Minha fama de mau deu origem a um filme, que estreia no segundo semestre. Você participou de alguma forma no longa-metragem?
Nada. Não vi nada. Só sei que o Chay Suede está muito bem no papel do Erasmo. O Gabriel (Leone) está muito bem no papel do Roberto e eles cantam muito bem também. A Malu Rodrigues também canta. A única coisa que eu sei é que eu ouvi a trilha sonora.
E como é a sensação de ter uma pessoa interpretando você na tela do cinema?
Não sei ainda. Deve ser muito estranho, porque deve estar tudo mudado porque tudo muda. O diretor, o roteirista, o editor eles mudam a sua vida lá. Vou acabar vendo uma outra pessoa, vendo a vida de outra pessoa. Tem a licença poética ainda por cima.
Hoje o que você gosta de ouvir? Você escuta artistas novos ou busca os clássicos?
Até por informação, ouço de tudo na internet, na televisão e também no rádio. Mas aí, na hora que quero ouvir mesmo música, eu ouço bossa nova e rocks antigos.
Tem algum artista que você ainda gostaria de trabalhar?
(risos) Sonho eu tenho, mas é um sonho que nunca vai se realizar. É João Gilberto. Mas aí tudo bem. Fica o sonho.