Arquitetos criam cozinha itinerante que permite preparar comida na rua

Objetivo é puxar conversa sobre hábitos e memórias alimentares com pedestres, além de discutir os temas do aproveitamento de ingredientes e sustentabilidade

por Walter Sebastião 17/10/2016 12:25
EULER JUNIOR/EM/D.A.PRESS
O projeto Cozinha Comum Itinerante oferece chá de laranja com hortelã a pedestres na Savassi, para regar a conversa sobre os saberes que vêm da mesa (foto: EULER JUNIOR/EM/D.A.PRESS)

Até 27 de outubro, os transeuntes verão, nas vizinhanças da Escola de Arquitetura da UFMG, na Savassi, dois pequenos carrinhos com utensílios de cozinha e ingredientes para fazer chás e sucos. Ao lado deles, três pessoas, de avental, interessadas em chamar o público para conversar. São Ceci Nery, Thiago Flores e Paula Lobato, alunos de arquitetura e integrantes do Nó Coletivo. A ação, por sua vez, leva o nome de Cozinha Comum Itinerante e foi selecionada pelo projeto Rumos Itaú Cultural.

A atividade consiste numa pesquisa sobre memórias gustativas. A cozinha ambulante concebida pelos arquitetos Bernardo Carvalho e Eric Crevels é o instrumento de convite ao diálogo. Faz parte do projeto cozinhar em público, trocar mudas e receitas, além de informações sobre alimentos que curam. A ideia é criar oportunidade para conversar sobre aproveitamento de ingredientes, sustentabilidade, relações com o meio ambiente e, especialmente, o cotidiano, além dos usos do espaço público. Todo o material compilado durante a atividade, de fotos até receitas, será disponibilizado on-line.

“Nossa proposta busca a troca de saberes. Vivemos numa cidade em que é difícil contar com situações que permitam conhecer e partilhar afetos, histórias, conhecimentos”, afirma Thiago Flores, observando que o ato de cozinhar, além de estar ligado à sobrevivência, é também mediação de relações sociais. Paula Lobato e Ceci Nery dão exemplos. Promovendo banquete em bairros da periferia de Diamantina – intervenção realizada durante o Festival de Inverno da UFMG – puderam ver moradores de bairros que tinham conflitos entre si integrados na atividade.

CORPO E ALMA “O cozinhar acolhe. Elimina ou deixa em suspenso fronteiras e diferenças. Comer junto não alimenta só o corpo, mas também a alma. Desperta sentimentos bons nas pessoas e se desdobra em histórias”, diz Ceci. “Na cozinha as pessoas se transformam”, observa Paula. A ideia surgiu quando o trio participou de projeto de resgate de memória do Edifício Maletta, em parceria com Patrícia Brito. Chamou a atenção deles o fato de a memória dos comerciantes e moradores estar ligada à comida.

“Impressiona o quanto permanecem na memória das pessoas os saberes tradicionais, mesmo diante de toda a massificação imposta pela indústria alimentícia”, afirma Ceci. Os integrantes do Nó Coletivo frisam que sua ação é apenas um aspecto de um processo desenvolvido por muitas pessoas e com apoio de parceiros, colegas e amigos. “A expectativa do Cozinha Comum Itinerante é que ela dê a chance de experimentar mais, de expandir a pesquisa”, afirma Thiago.


A estreia do Cozinha Comum Itinerante ocorreu na sexta passada, junto à feira livre na esquina das ruas Gonçalves Dias e Pernambuco. O trio preparou em seus carrinhos e ofereceu aos interessados chá de laranja com hortelã. A psicóloga aposentada Miliane Crespo achou fantástica a proposta. “Nossos conhecimentos culinários estão se perdendo. E é raiz que faz falta. Recuperar esses conhecimentos é cultura, saúde e história”, afirmou, contando que, quando viaja, procura conhecer a cozinha de cada lugar. “Nós somos também o que comemos.”

A próxima ação do projeto está prevista para amanhã, com encontro com Zora Tikar Hausa Fulani Santos, na Escola de Arquitetura da UFMG, às 16h, e dia 19, no mesmo horário, no câmpus da UFMG. No dia 27 de outubro e nos dias 3 e 10 de novembro, também há atividades programadas. Todas são gratuitas e as informações são atualizadas na página do Nó Coletivo no Facebook.

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