'Fleabag' estraga a festa da Netflix no Globo de Ouro

Produção da Amazon leva prêmio principal e impõe derrota à gigante do streaming também no terreno das séries

Mariana Peixoto 07/01/2020 06:00
Frederic J. Brown/AFP
Criadora e protagonista de Fleabeg, a britânica Phoebe Waller-Bridge fez piada com Barack Obama ao receber o troféu (foto: Frederic J. Brown/AFP)

Não foi à toa que, logo no início da cerimônia de premiação do Globo de Ouro 2020, na noite de domingo (5), a imagem de Ted Sarandos surgiu na tela da televisão. Figura pouco conhecida do grande público, ele é um dos todo-poderosos da era do entretenimento atual. Diretor de conteúdo da Netflix, é Sarandos quem define o que será feito com o orçamento bilionário da empresa destinado a produções originais.
Grande perdedora da noite, com somente dois prêmios alcançados entre as 34 indicações que recebeu, a plataforma de streaming perdeu também para seus pares. Na categoria de TV, levou apenas o troféu de melhor atriz para Olivia Colman, pela terceira temporada de The crown. Esse  foi um prêmio em que a própria intérprete britânica parecia não apostar, dado o discurso um tanto de improviso que fez ao subir ao palco.
 
Frederic J. Brown/AFP
Ramy Youssef foi a %u201Czebra%u201D da noite e agradeceu prêmio com saudação religiosa em árabe (foto: Frederic J. Brown/AFP)

A Netflix perdeu para as plataformas Amazon Prime Video – Fleabag, com dois troféus – e Hulu – um prêmio para The act e outro para Ramy. Tradicionalmente, a grande vencedora de troféus de TV, a HBO, que concorria em 15 categorias, repetiu a dose com quatro prêmios, dois deles principais – minissérie para Chernobyl e série em drama para Succession. Dos 11 prêmios para TV, foram seis para os chamados canais convencionais e cinco para o streaming.
 
Apenas a produção que acompanhou o desastre nuclear na Ucrânia é um sucesso mundial. As demais vencedoras são séries que foram descobertas aos poucos, o que vai contra a tendência de que grandes sucessos são definidos logo na estreia. Em comum, Fleabag e Succession têm o fato de ser produções com as segundas temporadas superiores às primeiras.
 
A comédia criada e protagonizada por Phoebe Waller-Bridge era uma das barbadas da noite – havia levado, em setembro, seis Emmy – e, como já terminou, era agora ou nunca para ser reconhecida pelo Globo de Ouro.
 
O agradecimento de Phoebe só fez os iniciados rirem: “Gostaria de agradecer ao Obama por nos colocar em sua lista (o ex-presidente americano elegeu Fleabag uma das melhores séries de 2019). Como alguns de vocês sabem, ele sempre esteve na minha”. Na temporada inicial da série, a protagonista se masturbou enquanto assistia a um discurso de Obama.

Succession é outra que deve ganhar novos adeptos com a visibilidade da premiação. O veterano escocês Brian Cox, ao receber o troféu de melhor ator pelo famigerado magnata Logan Roy (claramente inspirado em Rupert Murdoch), fez um discurso sincero, dizendo que estava há 60 anos neste meio e não acreditava que poderia receber um papel como aquele.
 
Michelle Williams, que merecidamente levou o troféu de atriz em minissérie por Fosse/Verdon, sobre a relação do diretor Bob Fosse e sua mulher, a atriz Gwen Verdon, fez o discurso feminista da noite. Grávida de seu segundo filho – o pai é Thomas Kail, que a dirigiu na produção do FX –, ela fez uma forte defesa do direito de escolha das mulheres nas esferas profissional e pessoal, incluindo o gerenciamento do próprio corpo no tema da reprodução.
 
Outra personalidade que garante bons discursos em premiações, Patricia Arquette (melhor atriz pela minissérie The act, do Hulu e inédita no país), foi de política e meio ambiente. Falou sobre o envio de 3 mil soldados norte-americanos ao Oriente Médio e os incêndios que estão destruindo a Austrália. “Imploro a todos para darmos um mundo melhor para todos nós. Temos que votar por isso em 2020.”
No quesito “sincerão”, no entanto, ninguém foi tão claro quanto o primeiro premiado da noite. O egípcio Ramy Youssef mandou logo de cara um “eu sei que vocês não viram meu programa e até a minha mãe estava torcendo pelo Michael Douglas (O método Kominsky)”, ao subir ao palco para receber o troféu de melhor ator de comédia por Ramy. A série do Hulu, também inédita no Brasil, acompanha uma família árabe-muçulmana que vive em um bairro politicamente dividido de Nova Jersey.
 
Uma das surpresas da noite, Ramy bateu não somente Douglas, como também Bill Harder, que eram considerados os dois favoritos na categoria. Em meio às brincadeiras, o ator teve seu grande momento, levando uma mensagem positiva em árabe. “Eu gostaria de agradecer ao meu Deus. Allahu akbar (Alá é maior).” A expressão que Ramy recontextualizou é comumente usada por extremistas islâmicos antes de cometer ataques contra alvos ocidentais.

MAIS SOBRE SERIES-E-TV