Globo de Ouro consagra '1917', mas Hollywood foge da guerra

Adotando estratégia de preservação da própria carreira, atores e atrizes evitam o conflito entre Estados Unidos e Irã em seus discursos

Silvana Arantes 07/01/2020 06:00
 Frederic J. Brown/AFP
A atriz Patricia Arquette foi a única a mencionar o conflito entre Estados Unidos e Irã em seu discurso de agradecimento no Globo de Ouro (foto: Frederic J. Brown/AFP)

 Em 2017, poucos dias antes da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, Meryl Streep aproveitou os holofotes do prêmio Cecil B. DeMille, que lhe foi entregue no Globo de Ouro, para fazer um incisivo discurso contra o futuro ocupante da Casa Branca e uma de suas principais plataformas de campanha – a repressão aos imigrantes. Os aplausos foram ouvidos no auditório em Los Angeles e por dias a fio em diversos outros pontos do planeta. Corta para 2019.
 
Na noite do último domingo (5), Trump voltava de seu recesso de fim de ano em Mar-a-Lago para Washington, envolto pela perspectiva de haver tomado a decisão que colocará os Estados Unidos em guerra com o Irã – o assassinato da principal autoridade militar iraniana, Qassem Soleimani, em território iraquiano.
Sobre esse assunto, Hollywood se calou, com a exceção de uma menção no discurso de agradecimento de Patricia Arquette (melhor atriz coadjuvante em série por The act) ao fato de que jovens não deveriam ser enviados para a guerra. Tom Hanks, que recebeu o troféu Cecil B. DeMille pelo conjunto da carreira, concentrou sua fala nos desafios do trabalho de ator.
 
A prudência dos astros e estrelas de Hollywood em relação ao assunto é uma questão estratégica – para a administração de suas carreiras. Os dois primeiros anos da administração Trump ensinaram aos seus adversários que a base de apoio do presidente e o eco que ele encontra para a defesa de suas mais radicais atitudes e opiniões (em geral ampliando-o via Twitter) não são elementos desprezíveis.
 
Tornar-se vítima de uma guerra retórica com Donald Trump é um risco real para quem decide defender firmemente uma opinião oposta à dele. Os grandes nomes de Hollywood se recusaram a ir para a linha de frente.
 
Talvez a repercussão (altamente negativa) do tuíte pró-Irã da atriz Rose McGowan, uma das mais reconhecíveis porta-vozes das acusações contra o abuso de poder do produtor Harvey Weinstein em Hollywood, tenha desanimado muita gente de entrar no terreno movediço da geopolítica.
 
Quando se tornou público o disparo de mísseis americanos destinados ao abate do major-general Soleimani, McGowan tuitou: “Querido #Irã, os EUA desrespeitaram seu país, sua bandeira, seu povo. 52% de nós, humildemente, pedimos desculpas. Queremos paz com a sua nação. Somos reféns de um regime terrorista. Não sabemos como escapar. Por favor, não nos matem”.
 
O tuíte de McGowan foi encarado como uma tomada de posição pró-Irã e anti-EUA, o que fez críticos do posicionamento da atriz apontarem que uma coisa é discordar de Trump e suas decisões, outra bem diferente é se colocar contra os Estados Unidos num conflito com outro país.
 
Sem querer pisar em campo minado, os vencedores do Globo de Ouro 2020 escolheram a solidariedade à Austrália, que já teve uma área equivalente à da Suíça consumida por incêndios desde dezembro passado, como foco de seu engajamento. O neozelandês Russel Crowe fez de sua ausência o gesto mais eloquente sobre o tema.
 
Premiado por seu desempenho na série The loudest voice, escolheu manter-se na Austrália e enviar de lá um discurso no qual afirmou que os incêndios são efeito da mudança climática e convocou à ação para revertê-la. Um lembrete de que o mundo está em chamas. 

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