HBO lança série 'A amiga genial', baseada em livro de Elena Ferrante

Produção italiana, que tem oito episódios, mostra a amizade de duas meninas de Nápoles na década de 1950

por Estado de Minas 25/11/2018 11:16
FOTOS: HBO/DIVULGAÇÃO
(foto: FOTOS: HBO/DIVULGAÇÃO)
Queria volatilizar-se, queria dissipar-se em cada célula, e que ninguém encontrasse o menor vestígio seu. E, como a conheço bem – ou pelo menos acho que conheço –, tenho certeza de que encontrou o meio de não deixar sequer um fio de cabelo neste mundo, em lugar nenhum.”

É dessa maneira que Elena Greco, uma senhora napolitana que se aproxima dos 60 anos, apresenta Raffaella Cerullo. Elas são Lenu e Lila, amigas de uma vida inteira. Lenu acaba de descobrir que Lila desapareceu. E o sumiço vai levar Lenu a vasculhar sua memória, fazendo com que ela volte ao passado e reveja sua trajetória ao lado de Lila.

A amiga genial (My brilliant friend), primeiro volume da tetralogia lançada em 2011 pela escritora italiana Elena Ferrante, chega hoje à TV brasileira. A adaptação do romance virou uma série de oito episódios, que irá ao ar neste domingo, às 22h, na HBO. Nos três domingos seguintes, a emissora exibirá dois episódios consecutivos, até o final, em 16 de dezembro.

Mais de 10 milhões de leitores foram seduzidos pela narrativa sobre a relação complexa de duas meninas, mais tarde transformadas em mulheres, que se conhecem em Nápoles na década de 1950 – no Brasil, os quatro livros foram publicados pela Biblioteca Azul. Além de abranger as quase seis décadas de amizade da dupla, a narrativa ainda tenta descobrir o mistério de Lila – que além de melhor amiga, é a pior inimiga de Lenu.

Ferrante descreve as tensões enfrentadas pela Itália e por Nápoles depois da Segunda Guerra Mundial – os anos de chumbo, o fascismo, o comunismo, o crescimento da máfia e a tentativa das duas amigas, cada uma a seu modo, de se libertar da vida de miséria, exploração e violência à qual nasceram condenadas. As atrizes Gaia Girace e Margherita Mazzucco são as protagonistas e interpretam as personagens adolescentes. Na infância, as atrizes são Ludovica Nast e Elisa Del Genio, respectivamente.

Dirigida por Saverio Costanzo, A amiga genial é uma parceria da HBO com a emissora estatal RAI. Os diálogos são no dialeto napolitano, e não no italiano clássico, então, até a RAI transmitirá a série com legendas. Na Itália, A amiga genial será lançada terça-feira (27).

Mesmo nos EUA, onde os livros traduzidos para o inglês representam apenas 1% do mercado, os quatro romances têm sido um sucesso comercial, com 2,6 milhões de cópias vendidas.

Mas daí para produzir uma série de televisão em italiano, filmada na Itália, por um diretor italiano, é de qualquer maneira um risco para a HBO. “É algo complexo até para o público italiano, um grande desafio. Se tiver sucesso, toda a indústria mudará”, afirmou o produtor Lorenzo Mieli em setembro, quando os dois primeiros episódios tiveram uma exibição especial no Festival de Veneza.

Produções norte-americanas faladas em outras línguas são algo relativamente novo nos EUA. Em 2009, Quentin Tarantino apontou nessa direção com Bastardos inglórios, parcialmente filmado em alemão e francês. Mas o mundo das séries estava relutante em seguir o caminho. Logo apareceu The Americans (2013-2018), a série premiada sobre espiões russos nos EUA durante a Guerra Fria, que mostrou longas sequências em russo.

O apetite do público, globalizado e entregue às plataformas de streaming, transformou-se cada vez mais em produções legendadas, como testemunha o sucesso internacional da série dinamarquesa Borgen. A série Narcos, filmada em espanhol, “abriu o caminho para os demais, mostrando que a autenticidade era central para o sucesso de uma série”, explicou Mieli.

A estreia no Brasil ocorre uma semana após o lançamento nos EUA. As críticas têm sido bastante positivas. “Um épico íntimo”, destacou o The New York Times. “Uma saga viciante sobre classe, gênero e crime”, escreveu a revista Entertainment Weekly. Já a Rolling Stone comentou que A amiga genial tem elementos comuns a dramas icônicos da HBO como Família Soprano, Deadwood e The wire. “Mas é uma grande série com um coração enorme. Apenas esteja preparado para quebrar o seu de vez em quando.”

Famoso anonimato Tal qual a personagem Lila, que sumiu sem deixar vestígios, Elena Ferrante é hoje a figura mais misteriosa da literatura mundial. Ninguém sabe a identidade da escritora – o nome pelo qual assina seus livros é um pseudônimo. Nem os produtores da série A amiga genial sabem quem é ela – o contato para a adaptação foi feito por e-mail.

Ferrante lançou seu primeiro livro, Um estranho amor, em 1992. O segundo, Dias de abandono, saiu 10 anos depois. Ambos foram adaptados para o cinema e os filmes, também produções italianas, foram exibidos, respectivamente, nos festivais de Cannes e Veneza.

Ela deixou de ser fenômeno italiano para se tornar global em 2011, com a publicação de A amiga genial, que logo chegou aos EUA e deu início à chamada Ferrante fever (febre de Ferrante). Os livros que completam a tetralogia são História do novo sobrenome (2012), História de quem vai e de quem fica (2013) e História da menina perdida (2014).

Sobre a autora, pouco se sabe. Acredita-se que tenha nascido em Nápoles, pois narra com riqueza de detalhes a vida na periferia da cidade, e que seja mulher, por usar a mesma precisão para falar sobre as angústias do universo feminino.

O mistério em torno da italiana acabou se tornando um dos motivos de seu sucesso e, ironicamente, um apelo publicitário que atrai leitores – muitas vezes mais do que a própria história narrada nos romances.

A busca por sua identidade atingiu o auge quando o jornalista italiano Claudio Gatti, do diário econômico Il Sole 24 Ore, publicou que Ferrante seria Anita Raja, tradutora que colabora com a Edizione E/O, a mesma editora da escritora. O repórter descobriu que Raja recebeu remunerações incompatíveis com o trabalho de tradução, pagamentos que cresceram paralelamente ao aumento do sucesso de Ferrante.

Seu marido, o escritor napolitano Domenico Starnone, já havia sido apontado anteriormente como a possível Ferrante, devido à similaridade de estilos. As conclusões da reportagem foram rechaçadas pela Edizione E/O, que criticou a suposta intromissão do jornalista, assim como fãs no mundo inteiro.

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