Insuficiência adrenal em tempos de COVID-19

Pacientes apresentam um aumento no risco geral de contrair infecções possivelmente por ação defeituosa das células de defesa do organismo

Reprodução/redes sociais
(foto: Reprodução/redes sociais )

Apesar de originalmente ser a proposta desta coluna versar sobre temas endocrinológicos, não tenho como fugir do tema coronavírus já que é um assunto que ainda nos aflige diariamente.

Com a quantidade avassaladora de informações, tenho tentado aproximar os temas endocrinológicos como diabetes mellitus, obesidade, deficiência de vitamina D entre outros no contexto da COVID-19.

Inclusive como já mencionado em semanas anteriores, o diabetes mellitus e a obesidade estão entre os grandes fatores de risco para agravamento pela infecção pelo novo coronavírus.

Esta semana, aproveito para falar de uma glândula menos conhecida da maioria das pessoas, que chamamos de adrenal e que na verdade são duas pois temos uma de cada lado. Por se localizar em posição acima dos rins, também são chamadas de glândulas suprarrenais.

Anatomicamente e funcionalmente, separamos cada adrenal em duas regiões distintas. Uma conhecida como córtex e uma outra como medula. As regiões têm origens embriológicas diferentes e secretam vários hormônios diferentes e são submetidas a um sistema de regulação e são estimuladas a funcionar por vias bem separadas e independentes.

As glândulas adrenais foram descritas incialmente pelo anatomista Bartolomeo Eustachius em 1552 como "Glandulae renis incumbentes” no livro Opuscula Anatomica sem oferecer uma explicação para sua função. Após quase três séculos, a primeira grande contribuição para explicar a função das adrenais veio em 1855 com Thomas Addison quando ele descreveu 11 pacientes com o quadro clínico da insuficiência adrenal primária e correlacionou com achados de autópsia.

Várias funções importantes e essenciais à vida são geradas por hormônios secretados pelo córtex adrenal entre os quais cito dois hormônios em especial os glicocorticoide (cortisol) e mineralocorticoide (aldosterona). Na endocrinologia, lidamos com um universo de muitas doenças crônicas e degenerativas que podem desencadear situações de descompensação aguda.

Em relação às glândulas adrenais temos várias patologias, mas hoje vou comentar mais sobre insuficiência adrenal crônica e especialmente a insuficiência adrenal aguda

Antes, gostaria de mencionar uma confusão que percebo que muitos pacientes fazem quando comento com eles sobre adrenal (ou suprarrenal). Por se localizar em cima dos rins, e como um dos nomes atribuídos à glândula é suprarrenal, como mencionei antes, quando cito que entre as doenças existe insuficiência suprarrenal (ou adrenal) aguda e crônica algumas pessoas confundem com insuficiência renal aguda e crônica.

Obviamente que insuficiência renal se refere a doenças dos rins. Mas não custa nada fazer essa ressalva para evitar o equívoco.

A insuficiência adrenal crônica é uma condição principalmente por falta de produção de cortisol. Ela pode ser insuficiência adrenal primária quando as adrenais são primariamente afetadas por inúmeras doenças que podem acometer diretamente as suprarrenais (autoimune, infecciosa, tumoral, genética). Quando isso acontece elas também deixarão de fabricar a aldosterona.

Uma vez que muitos sintomas são inespecíficos, como perda de peso, fraqueza, falta de apetite, náuseas e vômitos incialmente pode ser “esquecida” por existirem outras condições que levam aos mesmos sintomas, mas devemos sempre lembrar das adrenais no diagnóstico diferencial.

Na insuficiência adrenal primária, o que chama muito a atenção é a hipotensão principalmente postural e que em condições agudas por ser agravado com colapso circulatório. 

A principal condição que acomete as adrenais primariamente é autoimune e costumamos chamar de Doença de Addison.

Já em um outro cenário, existe a insuficiência adrenal secundária, quando as adrenais param de funcionar não por doença direta nelas, mas por alguma doença acometendo seja a glândula hipófise ou o hipotálamo como tumores, após cirurgia da hipófise ou em quem precisou por outras doenças ter usado doses altas e crônicas de corticoide e está em fase de desmame dessa medicação.

A hipófise e hipotálamo  são as áreas responsáveis pelo controle e regulação no nível central da ativação do funcionamento adrenal.  Nessa última situação não há falta de aldosterona.

A ausência dos hormônios cortisol e/ou aldosterona pode colocar o paciente em risco de vida em situações de estresse médico com risco de colapso circulatório que chamamos de insuficiência adrenal aguda e ocorre de forma mais severa nas doenças adrenais primárias onde faltam os dois hormônios.

O tratamento consiste na reposição ao longo da vida dos hormônios usados via oral diariamente com o objetivo de imitar as concentrações fisiológicas de cortisol no plasma e simultaneamente de um mineralocorticoide no caso da doença adrenal primária.

Os pacientes precisam portar um bracelete, colar ou cartão de alerta de que são portadores de insuficiência adrenal e que em situações emergenciais na insuficiência adrenal aguda quando necessitam receber de forma urgente doses elevadas endovenosas de glicocorticoide.

Voltando ao cenário atual da pandemia, com base nos dados atuais, não há evidências de que os pacientes com insuficiência adrenal corram maior risco de contrair COVID-19. Entretanto, sabe-se que esses pacientes apresentam um aumento no risco geral de contrair infecções possivelmente por ação defeituosa das células de defesa do organismo.

Isso pode explicar, em parte, uma taxa ligeiramente aumentada de doenças infecciosas nesses pacientes, bem como um aumento geral da mortalidade. Este último também poderia ser explicado por um aumento compensador insuficiente da dose de hidrocortisona no momento da início de um episódio de infecção.

Por todas essas razões, pacientes com insuficiência adrenal podem estar em maior risco de complicações médicas e eventualmente com aumento do risco de mortalidade no caso de infecção por COVID-19. Até agora, não há relatos de dados sobre os resultados da infecção por COVID-19 em indivíduos insuficiência adrenal.

No caso de suspeita de COVID-19, os pacientes com insuficiência adrenal precisam fazer uma rápida modificação do tratamento de substituição, conforme indicado para os "dias doentes", quando sintomas menores aparecerem.

Isso significa, em primeira instância, pelo menos o dobro da doses habituais de reposição de glicocorticoides, para evitar crise. Além disso, também é recomendável que os pacientes tenham estoque suficiente em casa de comprimidos e injeções de esteroides para manter o confinamento social necessário na maioria dos países por impedir a propagação do surto de COVID-19.