Entenda a relação entre o consumo do bom e velho cafezinho e o risco de diabetes

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Como bom mineiro que sou, nada como iniciar o dia com o cafezinho nosso de cada dia.

O processo todo já começa com o ritual de passar o café no filtro e rapidamente aquele aroma inconfundível e irresistível invade a casa pela manhã, antecipando um momento de puro prazer ao apreciar uma boa dose da bebida.

Para a maioria das pessoas, basta uma xícara de café (no meu caso, duas) e então obteremos quase que instantaneamente a energia necessária para começar um novo dia de labuta.

Ao longo da história, várias maneiras distintas de preparar e consumir café passaram a existir em diversas culturas e países diferentes. Nenhum outro psicoestimulante no mundo é tão bom e tão adorado quanto o café. Além de desempenhar o papel de estimulante em nossas vidas, também apresenta alguns potenciais e importantes benefícios à saúde.

O café por muitos anos foi encarado como sendo de risco potencial para a saúde do coração. Somente de pouco tempo para cá o conceito de substância perigosa e de risco à saúde vem se transformando na possibilidade de ser um alimento com propriedades muito interessantes, além do efeito estimulante.

Existem muitas maneiras de preparar o café: para nós, mineiros, o café coado em filtro de pano (que gradualmente tem sido substituído pelo de papel descartável) à beira do fogão a lenha é um clássico herdado da nossa tradição rural.
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Hoje em dia, nossas grandes cidades se tornaram cosmopolitas nesse mundo globalizado e, sendo assim, cada vez mais pessoas apaixonadas pela bebida vêm se interessando em conhecer outros modos “mais modernos” de preparação (prensa francesa, cafeteira italiana, espresso, aeropress, clever coffe driper, coador inox, chemex, kalita, etc).

Há uma vontade de conhecer e experimentar as variedades e riquezas dos sabores de tipos diferentes de grãos selecionados de várias partes do mundo e pelos diversos modos de preparação.

 

Modos de preparação

 

Entre as duas maneiras mais populares de preparação no mundo, estão o de fazer o café fervido ou não filtrado como o café turco, o grego e tipo espresso e o nosso já familiar café filtrado ou “coado”, seja manualmente ou em máquina.

Eles podem parecer semelhantes mas, na verdade, são levemente diferentes.

O café fervido é obtido fazendo uma decocção, assim como no processo de fazer chá. O método tradicional é derramar um pouco de água na panela e deixar ferver, adicionando um pouco do café torrado moído para ferver junto, enquanto no método de “café filtrado” se derrama a água quente sobre o café, que é passado por um filtro, deixando apenas a bebida fresca.

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Existe uma forte relação entre o consumo de café não filtrado e os níveis elevados de colesterol. Já foi descrito que algumas substâncias no “café não filtrado” conhecidos como diterpenóides podem aumentar o colesterol LDL e diminuir o colesterol HDL. Por outro lado, o café filtrado pode ter níveis mais altos de cafeína quando comparado ao café não filtrado.

Algumas evidências da literatura apontam que o café filtrado estaria associado a menor risco de diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Em um estudo sueco caso-controle recente, publicado no Journal of Internal Medicine, a ingestão de café filtrado foi associada a um menor risco de desenvolver DM2 em 10 anos do que a abstenção total do café, mas o mesmo não ocorreu com a ingestão de “café não filtrado”.

Eles identificaram 149 adultos (86 homens, 63 mulheres), inscritos em um estudo prospectivo de 1995 a 2005 e que desenvolveram DM2 ao longo de 10 anos. Esses participantes foram comparados com 149 participantes semelhantes que não desenvolveram diabetes.

Os pesquisadores usaram cromatografia líquida com espectrômetro de massa para identificar metabólitos no soro dos adultos e identificaram 12 compostos no plasma que previam a ingestão de café não filtrado e de 10 metabólitos que previam a ingestão de café filtrado. 

Os metabólitos preditores mais fortes da ingestão de café não filtrado foram os diterpenos. Vale destacar antecipadamente que esse estudo foi financiado por doações da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas e do Conselho Sueco de Pesquisa para Saúde, Vida Profissional e Bem-Estar e que os autores dessa publicação científica declararam não ter conflitos de interesse.

Os adultos que bebiam duas a três xícaras de café filtrado por dia tiveram um risco 58% menor de desenvolver DM2 em 10 anos do que aqueles que bebiam menos de uma xícara de café filtrado por dia. Essa relação de consumo entre a grande quantidade ao dia e o efeito protetor no risco de desenvolver DM2 não foi observado no café não filtrado. Parece então que o filtro removeria algumas moléculas prejudiciais.

Diante do resultado da pesquisa, o professor de ciências da nutrição da Universidade de Tecnologia de Chalmers de Gotemburgo, na Suécia, Rikard Landberg, um dos autores da pesquisa, disse que as moléculas anteriormente associadas ao aumento do risco de doença cardiovascular como os diterpenos estavam altamente presentes entre os consumidores de café não filtrado, quando comparado com os consumidores de café filtrado. E, possivelmente, essas moléculas poderiam ter efeitos adversos no risco de DM2.

Estudos anteriores já haviam mostrado que essa moléculas ficavam retidas no filtro. Mas ainda há dúvidas se o café preparado em cafeteira, café instantâneo ou feito na prensa francesa, que são considerados métodos de preparo não filtrados, possam também não reduzir o risco de DM2, já que a população sueca estudada na época da realização da pesquisa não preparava o café por esses métodos e isso então não pode ser especificamente avaliado.

Ainda conforme divulgado pelos autores, outros fatores poderiam afetar os níveis das moléculas '"adversas" na bebida, tais como torrefação e cultivo, entre outras variáveis não avaliadas no estudo.

Outra questão mencionada foi a de que, na Suécia, uma xícara de café foi definida contendo 150 ml. Portanto, quando o estudo identificou a vantagem de duas a três xícaras por dia nessa população isso seria o correspondente a 300 a 450 ml de café ao dia e em outros países essa quantidade poderia diferir um pouco.

Os pesquisadores destacaram o potencial de se usar esses biomarcadores de metabólitos específicos para distinguir melhor os métodos diferentes de preparo de café na investigação e do seu papel no desenvolvimento de DM2. Esses biomarcadores complementam de forma mais precisa os dados de modo mais detalhado do que apenas coletar os dados de consumo da maneira convencional.

Nos estudos anteriores eram obtidos dados através de inquérito de avaliação dietética tradicional, baseados apenas em questionários como o modo de quantificar o consumo diário da população estudada, mas sem serem capazes de ter os dados do método de preparo.

No entanto, como já comentei recentemente nessa coluna semanas atrás, os estudos de associação não são capazes de estabelecer relação de causa e efeito. Assim, mesmo que vários estudos anteriores já tenham apontado uma relação inversa entre maior consumo de café com menor risco de DM2 isso ainda não prova nada. Esse estudo atual vai um pouco além ao apontar uma possível relação pelo modo de preparação.

Mesmo sem conclusões definitivas, para quem, como eu, ama esse indispensável líquido matinal, essa mudança no conceito científico em um movimento pendular de considerar anos atrás uma "bebida perigosa" para o status de uma possível bebida benéfica à saúde dá um gostinho ainda mais saboroso ao café nosso de todo dia.

Bom dia a todos e vou ali preparar o meu café com filtro!

 

Se você tem dúvidas ou sugestão de temas, envie para arnaldoschainberg@terra.com.br