Mutação pode ter deixado o homem mais susceptível ao câncer que os macacos

Mutação evolutiva no gene BRCA2 do genoma humano pode ter tornado o homem mais susceptível ao desenvolvimento do câncer em relação aos primatas

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Nós humanos somos mais propensos a ter câncer e outras doenças que os macacos, apesar de as duas espécies compartilharem mais de 98% do seu material genético (foto: Reprodução/Pixabay)
O câncer é uma doença genética. Evidências coletadas nas últimas duas décadas indicam que o câncer surge da ativação de oncogenes e da inativação de genes supressores de tumor.  Em média, são necessárias alterações somáticas de três a cinco genes de câncer para se gerar uma neoplasia invasiva. Todos os genes condutores de câncer conhecidos podem ser classificados em um número distinto de vias que representam três processos celulares centrais: destino da célula, sobrevivência da célula e manutenção do genoma.  Embora esse paradigma seja válido para descrever cânceres em geral, as malignidades que surgem em diferentes tipos de tecidos mostram padrões específicos em relação aos genes que são alvo desses processos centrais.

Por outro lado, é sabido de há muito que nós humanos somos mais propensos a ter câncer e outras doenças que os macacos, apesar de as duas espécies compartilharem mais de 98% do seu material genético. Entretanto, a razão desta diferença nunca foi completamente compreendida. Recentemente, uma equipe de pesquisadores do Instituto Sloan Kettering de Nova York(EUA), trabalhando em parceria com um grupo de cientistas do Museu Americano de História Natural,  encontrou evidências de uma mudança no DNA humano em diferenciação evolutiva de outros primatas que tornaram a raça humana mais suscetível ao desenvolvimento de tumores cancerígenos.  No artigo publicado recentemente na prestigiada revista científica Cell Reports, o grupo compara os genes humanos com os de outros primatas para saber mais sobre por que os humanos são mais propensos a desenvolver câncer.


O que os investigadores descobriram é que centenas  de substituições gênicas específicas de humanos de genes de câncer surgem durante a evolução. Entretanto, uma substituição em especial, a do códon 2662 do gene BRCA2 está localizada no domínio mais conservado. E isso, sugerem os pesquisadores, poderia explicar por que os humanos são mais suscetíveis ao desenvolvimento de tumores.  As descobertas estão alinhadas com os resultados de pesquisas anteriores que mostraram que os humanos com uma certa variante do BRCA2 são mais propensos a desenvolver tumores, principalmente nos ovários, mamas, pâncreas e próstata. 

 O que ainda permanece um mistério é por que os humanos evoluíram para ter um gene BRCA2 que aumenta o risco de desenvolver câncer, embora exista a possibilidade de que tenha sido uma troca entre um risco aumentado de câncer e um aumento nas taxas de fertilidade.  Pesquisas anteriores mostraram que mulheres com uma variante BRCA2 que as torna mais suscetíveis ao desenvolvimento de câncer podem engravidar mais facilmente.  O trabalho também sugere que um meio para tratar o câncer em um futuro distante pode envolver a alteração do gene BRCA2 para torná-lo mais parecido com outros primatas, reduzindo assim o risco geral de desenvolver câncer. 

Esta substituição diminui as interações de BRCA2 com uma proteína codificada por um gene denominado DSS1. A DSS1 é uma pequena proteína ácida identificada  em estudos estruturais recentes e que interage com o domínio de ligação ao DNA do gene BRCA2. E esta substituição desencadeou consequentemente uma  redução cerca de 20% na capacidade de reparo do DNA recombinacional, atividade fundamental para o reparo  das quebras e rupturas constantes sofridas pelo nosso genoma, o que por sua vez reduz substancialmente o risco da carcinogênese das células ocasionada pela perda desse mecanismo de reparo. 

De fato, inúmeros estudos demonstraram que a estabilidade da proteína BRCA2 em células de mamíferos depende da presença de DSS1.  Deleção ou mutação de DSS1 ou supressão de sua expressão por outros mecanismos são, portanto, potenciais mecanismos causadores de câncer de mama e ovário humano.  Tais mecanismos podem ser relevantes para câncer de mama esporádico e familiar, onde as mutações BRCA1 e BRCA2 não estão presentes.

Estas descobertas indicam o poder da fusão da teoria evolutiva com a genômica do câncer para identificar novas propriedades dos genes do câncer.  Essa abordagem também pode ter implicações ou utilidade além do câncer.  Uma estratégia semelhante pode ter valor na identificação de variantes potencialmente novas relacionadas a doenças em outras causas principais de morbidade e mortalidade em humanos, por exemplo, doenças neurodegenerativas ou cardiovasculares.