Impactos da pandemia no diagnóstico do câncer

Novas pesquisas confirmam impactos negativos irreversíveis em curto prazo. Rotinas oncológicas precisam ser normalizadas o quanto antes para evitar mais mortes

Roman Kraft/Pixabay
(foto: Roman Kraft/Pixabay)

Desde a metade de 2020, temos chamado a atenção sobre os impactos negativos da pandemia sobre o diagnóstico de câncer, o que era mostrado também em levantamentos iniciais feitos por pesquisadores. Agora, com informações um pouco mais consolidadas, os dados são aterradores: após um ano de pandemia, o diagnóstico de câncer caiu pela metade no Brasil.

Enquanto os exames citopatológicos e as mamografias - que rastreiam possíveis alterações e lesões em tumores comuns em mulheres - tiveram queda na casa de 50%, as biópsias, que servem para confirmar a doença, diminuíram em 39%. Os dados são da pesquisa Radar do Câncer, conduzida pelo Instituto Oncoguia, com o apoio da Roche e com base na coleta de dados do DATASUS.

Embora não seja exatamente uma novidade, preciso destacar que o diagnóstico tardio normalmente significa a necessidade de um tratamento mais complexo e agressivo, além de reduzir consideravelmente as chances de cura e a sobrevida. Isso aumenta, consequentemente, as taxas de mortalidade.

O levantamento mostra que em 2019 foram realizadas 737.804 biópsias e, em 2020, um total de 449.275. As maiores quedas ocorreram nos meses de abril (- 63,3%) e maio (- 62,6%).

Com uma redução tão drástica no número de diagnósticos, receio que se poderão somar às perdas de vida diretas pela COVID-19, também aquelas causadas pelo diagnóstico tardio de câncer durante a pandemia, que estão indiretamente relacionadas.

A rotina dos consultórios e laboratórios foram alteradas com exames, tratamentos, consultas de acompanhamento e também primeiras consultas sendo canceladas, tanto pelos próprios pacientes, quanto por medidas de segurança adotadas pelas instituições de saúde. Em nossa clínica, por exemplo, uma ala inteira de consultórios ficou fechada por meses, enquanto mantínhamos, basicamente, o atendimento a pacientes já em tratamento.

No Brasil, aproximadamente 700 mil pessoas recebem o diagnóstico de câncer por ano e 225 mil morrem por conta da doença. Conforme mostram dados de 2019 do Instituto Nacional do Câncer (INCA), entre os homens, os tumores de traqueia, brônquios e pulmões (13,8%); próstata (13.1%); e colorretal (8,4%) são os que causam maior mortalidade. Entre as mulheres, os três primeiros lugares são ocupados por mama (16,4%); traqueia, brônquios e pulmões (11,4%); e colorretal (9,4%).

Contraditoriamente, tumores de mama e próstata estão justamente entre os que são considerados mais tratáveis, quando diagnosticados precocemente.

Já o estudo publicado on-line em março no periódico Lancet Child and Adolescent Health apontou que a pandemia de COVID-19 prejudicou seriamente o tratamento do câncer infantojuvenil no mundo todo.

A pesquisa foi realizada com 311 profissionais de saúde de 213 instituições em 79 países, a maioria proveniente de países de baixa e média renda. A maioria (78%) das 213 instituições participantes relatou que a pandemia comprometeu sua capacidade de prestar atendimento para crianças e adolescentes com câncer.

Os efeitos negativos mais citados foram relacionados com o apoio ao paciente, o tratamento oncológico direcionado e a disponibilidade dos profissionais de saúde.

Voltando ao caso específico do nosso país, infelizmente, o Brasil já possui um histórico de alta taxa de diagnóstico tardio, o que foi agravado drasticamente pela pandemia. A esta altura, no entanto, acredito que seja um consenso a importância da manutenção das consultas de rastreamento bem como a realização das consultas e exames para investigar sintomas associados ao câncer.

O momento agora é de se proteger contra a contaminação de coronavírus, claro. Mas devemos ser racionais. Não trocar um problema por outro. O câncer é uma doença grave!

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.


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