Alimentos ultraprocessados e o risco de câncer

Em estudo realizado na Espanha, pesquisadores concluíram que o consumo desses produtos está associado a um risco aumentado de câncer colorretal

Steve Buissinne/Pixabay
(foto: Steve Buissinne/Pixabay)

Já comentei em alguns textos o quanto os hábitos de vida não saudáveis, incluindo a alimentação desequilibrada, podem contribuir para o surgimento de tumores. Um novo estudo vem justamente confirmar, mais uma vez, essa relação: o consumo de produtos alimentícios ultraprocessados pode aumentar o risco de desenvolver câncer colorretal e outros tumores variados.

A conclusão é de uma grande pesquisa publicada por Romaguera et al na Revista Médica Clinical Nutrition, com base em questionários sobre comportamentos alimentares respondidos por cerca de 8 mil pessoas, na Espanha. Também foi analisada a relação entre o consumo desses produtos e dois outros cânceres: mama e próstata.

Alimentos ultraprocessados, ou seja, que passam por mais processamento, são formulações industriais com mais de cinco ingredientes, que geralmente contêm substâncias adicionais como açúcar, gorduras, sal e aditivos. Refrigerantes açucarados, refeições prontas e produtos industrializados de padaria produzidos em massa são bons exemplos.

O problema é que as mudanças sociais, econômicas e industriais levaram a um aumento no consumo desses alimentos, que atualmente representam entre 25% e 50% do consumo total de energia em dietas na Europa e em países de alta e média renda. A tendência é que o fenômeno seja observado também em países em ascensão econômica, conforme mais produtos industrializados entrarem na dieta.

Vários estudos mostram que o consumo desses produtos ultraprocessados é também fator de risco para o surgimento de outras doenças, como as cardiovasculares e o diabetes tipo 2, além de repercutir no aumento do risco de morte prematura.

Análises

Para chegar aos resultados encontrados, os pesquisadores realizaram um estudo caso-controle de 7.843 adultos que viviam em diferentes províncias espanholas: metade dos participantes tinha diagnóstico de câncer colorretal (1.852), de mama (1.486) ou de próstata (953). A outra metade incluía pessoas sem diagnóstico de câncer.

Os dados foram obtidos do estudo de controle de multicasos MCC-Espanha. Já os dados dietéticos foram coletados por meio de um questionário validado, desenvolvido para avaliar a frequência de consumo de alimentos e bebidas habituais, durante o período de um ano.

Os resultados foram, então, organizados de acordo com o nível de processamento usando a classificação Nova, que agrupa todos os alimentos e bebidas em quatro categorias, de acordo com a quantidade de processamento a que são submetidos.

Resultados

Os pesquisadores concluíram que o consumo de comidas e bebidas ultraprocessadas está associado a um risco maior de câncer colorretal, pois um aumento de 10% no consumo desses itens foi relacionado a um crescimento de 11% no risco de desenvolver a doença.

Essa relação pode ser explicada, em parte, pela baixa ingestão de fibras, frutas e vegetais, que são alimentos conhecidos por oferecerem proteção contra o câncer colorretal, mas também pelos aditivos e outras substâncias com potencial carcinogênico, tipicamente utilizadas em produtos alimentícios processados.

No caso do câncer de mama, nenhuma relação forte foi encontrada, mas uma associação foi observada em um grupo de fumantes e ex-fumantes. Fumar é um fator de risco para câncer de mama. Somados a isso, certos fatores dietéticos - como o consumo de comidas e bebidas ultraprocessadas - são conhecidos por terem efeitos sinérgicos no desenvolvimento do câncer.

Nenhuma associação foi encontrada entre o câncer de próstata e uma dieta rica em produtos ultraprocessados. Esta descoberta não é surpreendente e é consistente com os resultados de estudos anteriores de fatores dietéticos e risco de câncer de próstata, nos quais nenhuma ligação foi encontrada.

Casos de câncer colorretal e de mama: dietas menos saudáveis

Os resultados do estudo mostraram que as pessoas com câncer de mama e colorretal relataram dietas menos saudáveis do que aquelas sem câncer no grupo de controle. Diferenças em termos de ingestão de energia, fibra, densidade energética e ácidos graxos saturados foram detectadas no estudo. O consumo de alimentos e bebidas ultraprocessados foi maior entre os casos de câncer colorretal e de mama do que nos controles.

Os grupos de alimentos que representaram a maior proporção de ultraprocessados foram bebidas açucaradas (35%), produtos açucarados (19%), alimentos prontos (16%) e carnes processadas (12%). Estas, inclusive, já foram classificadas como cancerígenas pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC).

No entanto, as comidas e bebidas ultraprocessadas em geral ainda não são classificadas como cancerígenas, porque o objetivo do órgão não é avaliar o risco geral da dieta de um indivíduo, mas, sim, focar em componentes específicos que podem ser perigosos, como carnes processadas.

Os resultados, mais uma vez, reforçam que a política alimentar e a saúde pública devem incluir um foco no processamento de alimentos ao formular as diretrizes dietéticas com objetivo de reduzir a incidência do câncer, especialmente, o colorretal. Por outro lado, serve mais uma vez de alerta para que cada indivíduo seja protagonista no cuidado de sua saúde buscando dietas e hábitos de vida anticâncer.

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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