Tratamento de bactéria em pessoas com história familiar de câncer gástrico pode reduzir risco da doença

Incidência da doença entre parentes é três vezes maior, pela proximidade; bactéria pode passar pelo beijo ou outro tipo de contato próximo

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O que as bactérias do seu estômago têm a ver com o aparecimento de doenças sérias como câncer? Tudo!

A bactéria Helicobacter pylori, por exemplo, está associada ao desenvolvimento de gastrite, úlcera péptica e câncer gástrico em todo o mundo. Recentemente, um estudo divulgado na revista Lancet Glob Health demonstrou que somente essa bactéria foi responsável 810.000 novos casos de câncer em 2018.

Somada a isso, uma nova pesquisa publicada online, em janeiro, no New England Journal of Medicine, mostrou que o tratamento da infecção por H. pylori em pacientes com histórico familiar de câncer gástrico reduziu em mais da metade o risco de desenvolvimento da doença entre os participantes do estudo.

Além disso, a erradicação bem-sucedida da infecção reduziu o risco de câncer gástrico em 73%, em comparação com os pacientes nos quais a infecção persistiu. Dessa forma, o combate à essa infecção seria uma prevenção básica contra o câncer gástrico, em países com alto risco da doença.

Conforme o estudo, o histórico familiar de câncer gástrico em parentes de primeiro grau está associado a quase o triplo do risco de câncer gástrico. Isso porque, como essa bactéria pode ser encontrada nas fezes, na saliva e na placa nos dentes, pode ser facilmente transmitida de pessoa para pessoa, pelo beijo ou outro tipo de contato próximo, fazendo com que as infecções se concentrem, com frequência, entre familiares e pessoas que vivem juntas.

Todos os casos de câncer gástrico foram detectados por meio das endoscopias de vigilância e quase todos os casos (90,9%) eram de doença em estágio 1; o restante foi de estágio 2. Esse dado reforça o que venho defendendo desde o início da evolução da Oncologia de Precisão e Personalizada: a prevenção e o diagnóstico dos diferentes tipos de câncer devem ser personalizados conforme os fatores de risco a que cada pessoa está exposta, o que permite, muitas vezes, evitar o aparecimento de um tumor, detectá-lo em fase inicial e até pré-cancerígena. Essa pode ser a diferença de um prognóstico de metástase ou de cura.

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Inclusive, a elevadíssima taxa de mortalidade desse câncer justifica-se por seu diagnóstico habitualmente feito já em uma fase tardia da doença, quando não há mais possibilidade de cura pelo tratamento cirúrgico. Os sintomas iniciais – úlcera péptica, as “gastrites” e as alterações funcionais da motilidade do estômago – frequentemente são desvalorizados, não sendo incomum a automedicação com o emprego de “digestivos”, antiácidos, drogas antiulcerosas, antiespasmódicos, etc., que acabam por mascarar e procrastinar o diagnóstico correto.

O que chama a atenção para a necessidade de uma avaliação médica, com a indicação da endoscopia digestiva (com biópsias das áreas suspeitas se necessário), é a persistência, a recorrência e a intermitência dos sintomas, como azia, má digestão, sensação de “empachamento”, dores e queimação no estômago.

Câncer gástrico hereditário: uma preocupação


Conforme o estudo demonstra, a ocorrência de casos de câncer na família pode indicar a necessidade de iniciar o diagnóstico precocemente. E a literatura mostra que isso ocorre não apenas pelo risco de contaminação pela H. pylori, mas, também, pela hereditariedade de mutações que predispõem ao aparecimento do câncer.

Hoje, estima-se que até 15% dos casos de câncer de estômago ocorram por mutações hereditárias em genes importantes para a proteção das células do estômago. Suspeita-se dessa condição em casos de aparecimento do câncer em idade abaixo dos 50 anos de idade e também com a ocorrência de casos nos parentes próximos.

A síndrome mais comum é causada pela mutação em um gene denominado CDH1 (gene codificador da proteína Caderina E), que causa um tipo de câncer de estômago chamado de difuso. Em mulheres, além da predisposição ao câncer gástrico em idade jovem, causa ainda um tipo de câncer de mama denominado lobular invasor.

O diagnóstico é confirmado por meio de um teste genético para identificar a mutação no sangue ou na saliva. Como os portadores têm cerca de 70% de chances (80% em mulheres) de desenvolver o câncer de estômago e, muitas vezes, em idade muito jovem, a recomendação atual é a de uma cirurgia redutora de risco, neste caso, a remoção completa do estômago ainda em idade jovem (a maioria dos autores recomenda entre os 20 e os 30 anos).

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Existem outras síndromes hereditárias de predisposição ao câncer de estômago. Entre elas, a Síndrome de Lynch, que também predispõe aos tumores de intestino, corpo de útero, ovários, trato urinário alto e vesícula biliar – mutação dos genes MLH1, MSH2, MSH6, PMS2 e EPCAM. Já a Síndrome de Peutz-Jeghers causa pólipos no trato gastrointestinal, manchas escuras nos lábios e cânceres dos órgãos digestivos, ovários, e mamas – mutação do gene STK11. Por fim, a Síndrome da Polipose Adenomatosa Familiar pode gerar pólipos difusos no intestino em idade muito precoce – mutações dos genes APC e MUTYH.

Quando houver suspeita de uma síndrome hereditária, um oncogeneticista deve ser consultado para orientação dos exames genéticos, acompanhamento, aconselhamento familiar, exames de rastreamento e indicação de cirurgias redutoras de riscos.

Para finalizar, chamo atenção do leitor: não subjugue qualquer ocorrência fora do funcionamento habitual do seu organismo. Não é normal ter sintomas persistentes e não se deve acostumar a isso. Procure um especialista e evite um problema futuro maior!

 

Se você tem dúvidas, mande para andremurad@personaloncologia.com.br

 

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.