Seus hábitos de vida causam ou previnem o câncer?

Obesidade está aumentando em todo o mundo e com ela a mortalidade por uma série de doenças, incluindo o câncer

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Hábitos de vida saudáveis são fundamentais para manter uma boa saúde (foto: Pixabay/reprodução)

Quem teve o privilégio de crescer até a década de 80 e 90, especialmente, em cidades do interior, deve se lembrar bem de como a vida nos exigia muito mais esforço físico do que hoje. Os elevadores e as escadas rolantes não faziam parte da nossa rotina. Para mudar o canal da TV e a frequência do rádio, tínhamos que levantar e caminhar. Ir à padaria, ao armazém... tudo isso fazíamos a pé.

Hoje, as casas mais modernas já vêm com controles remotos até mesmo para o acendedor de luz. Estamos em plena era da automação. Se por um lado ficamos fascinados com as facilidades e tecnologias modernas, por outro, não podemos deixar de refletir sobre os impactos desse modo de vida em nossa saúde em longo prazo.
 

O fato é: a obesidade está aumentando em todo o mundo e com ela a mortalidade por uma série de doenças, incluindo o câncer. Estima-se que 30% dos casos da doença nos países ocidentais estejam relacionados ao sedentarismo e ao excesso de peso. Trata-se do segundo fator de risco para o desenvolvimento de câncer, ficando atrás apenas do tabagismo, de acordo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

No Brasil, mais de 80 milhões de pessoas – cerca de 60% da população – estão com excesso de peso, enquanto 15 milhões são consideradas obesas. Já o número crianças e adolescentes obesos passou de 3,7% para quase 13% nos últimos 10 anos, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Talvez esses números não sejam suficientes para mudar a cabeça de alguns leitores. Contudo, ver, dia após dia, as pessoas que integram essas estatísticas em meu consultório me faz insistir em repetir: cada vez mais pacientes dentro desse perfil são diagnosticados com tumores de rim, vesícula, pâncreas, intestinos, próstata, endométrio (a camada interna do útero) e mama.

Mas, afinal, como o excesso de gordura pode causar essas mutações? Existe uma relação direta e uma indireta entre a obesidade e o aparecimento do câncer. A causa direta é que, à medida que as pessoas engordam, aumenta também o volume do abdômen. O estômago é empurrado para cima pela gordura causando uma pequena hérnia de hiato. Então, aparece o refluxo. Em longo prazo, o ácido do estômago em contato com o esôfago leva a um quadro inflamatório crônico (o chamado epitélio de Barrett). Essa situação causa uma lesão pré-maligna e, caso isso não mude, essa lesão se transformará em câncer.

Na maior parte das vezes, a obesidade leva ao câncer por fatores indiretos, que vão desde um quadro inflamatório crônico nas células que acumulam gordura – chamadas adipócitos – passando por um aumento de produção de substâncias e hormônios nocivos quando em excesso, como o estrógeno, fabricado no tecido gorduroso de homens e mulheres, e o IGF-1 (Insulin like growth factor – fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1), que aumenta de quantidade em pessoas obesas.

Engana-se, contudo, quem acha que pessoas consideradas magras não estão sujeitas a esse quadro. Muitas vezes, elas são magras pelo não ganho de massa magra ou pela perda de massa muscular. Mas, se você examiná-las com atenção, verá que há grande quantidade de gordura, que não aparece porque há pouca massa magra.

O que deve ser considerado é o Índice de Massa Corporal – IMC, calculado com a seguinte fórmula: Peso ÷ (Altura × Altura). Se o resultado for entre 25 e 29,9, a pessoa já está com sobrepeso. A partir de 30 já é obesidade. Teoricamente, a partir do sobrepeso, já existe risco aumentado de surgir um tumor. Além disso, a gente sabe que a gordura mais preocupante é aquela chamada gordura visceral, localizada na região central do abdômen.

É importante destacar: lutar contra a obesidade não é uma questão de estética, mas de saúde. Cientificamente, está provado que o ganho de gordura, especialmente a visceral, como eu disse, torna os indivíduos mais suscetíveis a doenças cardiovasculares, diabetes, síndrome metabólicas, a processos inflamatórios crônicos e, claro, ao câncer. Obviamente, também devem ser considerados os fatores hereditários, o tabagismo, o etilismo, o sedentarismo, a má alimentação etc.

Como oncologista, preciso chamar atenção sobre isso. Não temos dúvidas: a obesidade é causadora de câncer, seja de forma isolada ou associada a outros fatores.

A obesidade por si só é uma doença, que em muitos casos independe da vontade do paciente de perder peso. É necessário ser tratada com a ajuda de especialistas que irão atuar de forma multidisciplinar para a reeducação alimentar, física e até no controle hormonal e no equilíbrio da mente do paciente. Mas, de maneira geral, se a população adotasse uma vida mais saudável, em longo prazo, teríamos resultados significativos.

Basicamente, quando você age para perder peso, você vai atuar em três frentes: a redução de gordura corporal por si só já contribui para a redução da incidência dessas doenças. Então, entra a prática de atividade física, contribuindo para o consumo calórico maior. Por fim, a reeducação alimentar – que é o terceiro fator preventivo de câncer – orientada por um nutricionista, nutrólogo ou endocrinologista.

A dieta anticâncer é composta por verduras, legumes, frutas, grãos, carnes brancas, especialmente, peixe; e pelo não consumo de guloseimas, alimentos calóricos, carne vermelha em excesso, gorduras trans, industrializados, produtos de padaria. Sabemos que são esses os alimentos causadores de câncer e doenças endócrino-metabólicas, cardiovasculares, síndromes metabólicas, artroses, diabetes etc.

Normalmente, esse quadro de desequilíbrio citado acima leva décadas para desencadear doenças graves como o câncer, que deve acontecer a partir 50, 60 e 70 anos. Então, querido leitor, você pode mudar seu futuro a partir de agora. Penso em quantas das pessoas que visitam meu consultório não teriam mudado seus hábitos de vida, caso soubessem pelo que passariam no futuro. 

Nenhuma estatística que citei acima descreve o desgaste do paciente e de seus familiares e amigos em lutar contra uma doença – seja qual for – quando ela já se instalou! Prevenção sempre e, de preferência, personalizada e individualizada conforme os fatores de risco – hereditários, ambientais e hormonais – a que você está exposto.

André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada
 andremurad@personaloncologia.com.br