Diagnóstico precoce aumenta as chances de cura do câncer de intestino

Infelizmente, tanto a prevenção quanto o rastreamento da doença são negligenciados pela população causando aumento de sua incidência e mortalidade

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(foto: Pixabay)

Uma paciente portadora de câncer de intestino grosso já avançado, com metástases no fígado e pulmões, me procurou há cerca de dois anos, pois havia sido tratada, sem sucesso, com uma combinação de quimioterapia e cetuximabe – um anticorpo monoclonal que ataca células que expressam o fator de crescimento epitelial.

Diante da situação, fizemos um sequenciamento genético do tumor e identificamos uma mutação do gene BRAF. Após reconhecer este perfil tumoral, conseguimos incluí-la em um estudo clínico internacional, conduzido no Centro de Pesquisas Clínicas da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada, que testava uma combinação de duas medicações ativas em tumores com mutação BRAF (encorafenibe e binimetinibe) e o próprio cetuximabe. Houve uma excelente resposta tumoral e a paciente se mantém em condições clínicas favoráveis até o momento.

O caso dela chama atenção para o sucesso dos tratamentos direcionados às características genéticas tumorais e, sendo uma exceção no que diz respeito ao sucesso do tratamento quando o tumor já está em estágio avançado, nos alerta para a importância de identificar o tumor ou até mesmo a predisposição genética precocemente.

Antes de fazer as demais considerações, é necessário explicar que o câncer colorretal abrange tumores que acometem um segmento do intestino grosso (o cólon) e o reto. Trata-se de um dos tipos mais tratáveis quando diagnosticado de forma precoce. Inclusive, as lesões precursoras de câncer de intestino (os chamados pólipos colônicos) podem ser removidas mesmo antes que se transformem em um tumor maligno, e por via endoscópica, durante a realização da colonoscopia (com um aparelho que se chama colonoscópio, que percorre todo o intestino grosso internamente através do ânus), sem a necessidade da remoção cirúrgica de parte do intestino, como usualmente ocorre quando o câncer já se encontra instalado.

No câncer já instalado, mas detectado na sua fase precoce, a porcentagem de cura é elevada (acima de 70 e 90%) com o tratamento cirúrgico, complementado ou não pela quimioterapia, desde que a doença não tenha se disseminado para outros órgãos.

Como sempre defendo, os exames de rastreamento devem ser indicados de forma personalizada dependendo dos fatores de risco individuais, especialmente o histórico familiar. Destaca-se que cerca de 85% dos pacientes têm causas ambientais e os 15% restantes possuem componentes genéticos hereditários.

Há dois grupos distintos para quais o rastreamento é diferenciado. Primeiramente, o grupo de baixo risco é composto de pessoas que não são portadores de doença inflamatória intestinal e não possuem história familiar de câncer de cólon. Pessoas nessas condições devem iniciar rastreamento a partir dos 50 anos.
 
Os exames devem incluir pesquisa de sangue oculto nas fezes (anual); a colonoscopia (o ideal) ou retossigmoidoscopia a cada 3 anos (se o primeiro exame for normal). Essa indicação, contudo, tem sido questionada à luz de estudos mais recentes, que não identificaram redução da mortalidade por câncer de intestino com o rastreamento com colonoscopias em pessoas do grupo de baixo risco.

Há também o grupo de risco aumentado formado por pessoas com antecedente pessoal ou familiar de câncer do intestino, ovário, endométrio, mama, tireoide ou portadoras de Síndrome de Lynch (doença genética hereditária que predispõe a cânceres, especialmente de intestino e endométrio), que devem iniciar o rastreamento a partir dos 40 anos (ou 5 anos antes da idade de diagnóstico do familiar com doença mais jovem) através de colonoscopia. 

Já as pessoas com antecedente de doença inflamatória intestinal (retocolite ulcerativa ou doença de Crohn) devem iniciar o rastreamento ao completar entre 7 e 10 anos de tratamento da doença. 

Por sua vez, os portadores da doença genética polipose adenomatosa familiar (PAF) apresentam pólipos múltiplos intestinais e câncer de colorretal em idade muito jovem, por vezes ainda na puberdade/adolescência. Um especialista vai determinar a melhor idade para se iniciar o rastreamento e também a cirurgia de remoção preventiva do intestino grosso.

Sempre me perguntam: e o toque retal? Para ambos os grupos, de baixo risco ou risco aumentado, o exame toque retal realizado pelo médico deve fazer parte do exame clínico geral, pois avalia a borda anal, todo o reto e a próstata (em homens), devendo ser utilizado tanto em homens quanto em mulheres. 
Voltando às pessoas de risco hereditário, a síndrome de câncer colorretal hereditário se subdivide em polipose, que compreende a polipose adenomatosa familiar (PAF), a polipose familiar juvenil e a si%u0301ndrome de Peutz-Jegher; e não poliposa, representado pelo ca%u0302ncer colorretal heredita%u0301rio na%u0303o polipoide (HNPCC) ou síndrome de Lynch.

Essas doenças hoje são detectadas com eficácia através da análise genética do DNA de células da saliva ou sangue. Uma vez identificada a mutação ou mutações predisponentes, um aconselhamento especializado é oferecido, e as condutas preventivas variam entre colonoscopias anuais, uso de medicamentos preventivos como a aspirina e até a remoção preventiva do intestino grosso.

A prevenção, claro, é universal. Vale para todas as pessoas. Se o leitor alguma vez ouviu a expressão “você é o que você come”, saiba que ela é muito verdadeira, sendo a alimentação relacionada não só ao câncer de intestino, mas a muitos outros. Dessa forma, a prevenção desse câncer inclui, além do controle de peso e atividade física regular, a alimentação saudável, com consumo de fibras (25 a 30g de fibras), frutas e vegetais frescos, redução de gorduras na dieta (principalmente as de origem animal e a gordura trans), de carne vermelha, de alimentos processados, embutidos, enlatados e de álcool. 

Infelizmente, esses cuidados não são seguidos e o mundo moderno faz com que tenhamos hábitos de vida que aumentam as taxas da doença. Paralelamente a isso, as pessoas em geral não se conscientizam da necessidade dos exames de rastreamento, o que reduziria dramaticamente a incidência e a mortalidade pela doença.

Em todo o mundo, o câncer colorretal é o terceiro tipo mais comum de câncer, correspondendo a cerca de 10% de todos os casos. Em 2017, ocorreram 1,6 milhão de novos casos e 730 mil mortes pela doença. É mais comum em países desenvolvidos, onde ocorrem 65% dos casos e é mais frequente em homens do que em mulheres. No Brasil, a estimativa é de cerca de 34.280 por ano, sendo 16.660 homens e 17.620 mulheres (2016 - INCA).  Já o número de mortes chega a 15.415, sendo 7.387 homens e 8.024 mulheres (2018 - INCA).
 
Se você tem dúvidas sobre câncer, mande pra mim: andremurad@personaloncologia.com.br

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.