Adolescência é quando o jovem pode e deve crescer de acordo com seus sonhos e crenças

Essa fase complicada da vida é marcada por mudanças. Para passar por ela sem problemas, aqueles que estão em processo de amadurecimento não precisam se preocupar com as pressões da sociedade

por Joana Gontijo 28/01/2019 14:00
Ilustração/EM/Lelis
(foto: Ilustração/EM/Lelis)

Sabidamente, toda criança almeja ser "gente grande" e todo adolescente quer ter a independência e a liberdade dos grandinhos, mas às vezes o crescimento assusta. A sociedade decreta padrões e modelos ideais sobre a aparência, a postura correta, o modo de ser. Nesse contexto, perante tantas pressões, quem está perto do amadurecimento pode sentir não se encaixar em tantos rótulos, chegando até a demonstrar medo pelo que acontecerá nas próximas etapas.

Sempre discreto, calado, quieto em seu canto acompanhado de livros, Samuel de Almeida Leão Rabello Azevedo, de 17 anos, diz que tinha perfil de 'nerd' enquanto cursava o ensino fundamental, e isso acabava sendo uma fonte de aflição. "Nessa época, quem fazia sucesso eram os mais descolados, mesmo que tivessem uma moralidade duvidosa. Me sentia retraído por não ser como eles. Como os alunos não davam atenção para pessoas como eu, ficava sozinho, excluído", lembra. Com o passar dos anos, Samuel conta que melhorou as formas de socializar, ainda que isso demorasse um pouco, principalmente devido à sua aparência, que ele chama de 'cheia'. Depois de ter sido, muitas vezes, alvo de bullying, ele fala que levou muito tempo para se adaptar, sair do casulo e começar a conversar com os outros, diante de toda a carga de sofrimento que suportara.

Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Samuel Leão, de 17 anos, se sentia excluído na escola. Depois que buscou apoio de amigos e de uma professora, passou a se aceitar e superou a situação (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Essa mudança partiu do momento em que Samuel resolveu pedir ajuda e se aconselhar com os amigos com quem já se relacionava. "Quando consegui aceitar meu modo de ser, o meu corpo, o meu jeito, comecei a compreender novos conceitos e me abri mais. Foi bem difícil. O importante no processo de autoaceitação foi o apoio dos outros, porque sozinho eu não conseguia. Diziam que eu era bom do jeito que era, que não precisava ser outra pessoa, apenas ser eu mesmo. Quando você conversa com uma pessoa sobre o que você está sentindo, se liberta, principalmente quando é alguém que compreende sua singularidade. Hoje tenho vários amigos", conta.

DIÁLOGO ABERTO

É preciso entender se esse receio está sendo prejudicial, em alguns casos a ponto de deixar os jovens congelados em um mundo que, em breve, não deverá ser mais o deles. Se a situação se agravar tal maneira, é papel dos tutores dar-lhes as mãos, ajudá-los a entrar no desconhecido, demonstrando as vantagens de crescer e reafirmando o apoio em qualquer ocasião, abrindo-se sempre à conversa.

O importante é que as crianças se mantenham saudáveis e sonhadoras, ao mesmo tempo cientes de que, para ter as vontades concretizadas, precisam deixar a infância no lugar a que pertence: na memória e como alicerce para o adulto que se tornarão. Pouco depois, na adolescência, enquanto instantes de descoberta, o ser humano tem a chance de construir sua identidade, valores e crenças, ampliando sua noção de mundo, de si e da alteridade.

Em todas as esferas, a carência de diálogo acaba gerando dois extremos temerários. O jovem que tem medo da vida, dos pais e professores, que se mostra retraído e mal se posiciona. Por outro ponto de vista, aquele que, para atrair atenção e se sentir ouvido, desafia, grita, ofende e agride os demais. Um relacionamento sadio é quando os dois lados podem falar: o jovem recebe o direito de questionar e entender as regras, e o adulto ouve e pondera antes de restringir - é quando os limites são estabelecidos com equilíbrio e de forma negociada.

ESTÍMULO

No caminho de desabrochar, Samuel Leão recorda-se do ombro amigo da professora de literatura do terceiro ano do ensino médio, em 2018. "Ela começou a ver o potencial que tinha dentro de mim, só que viu também que eu era meio tímido. Me empurrou do precipício. Falou: 'você vai para frente'". E o colocou no comando de todos os projetos literários que realizou dali em diante na escola. Samuel participou de um grande evento, um sarau literário que organizou com privilégio para as poesias de Vinícius de Moraes, um encontro que teve música, declamação e apresentações teatrais. Ele também adaptou para o teatro obras célebres da literatura nacional, como O triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto e, recentemente, O Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. Tudo sob a orientação da professora. "Me senti familiarizado com o público. Ficou mais fácil até para fazer novos amigos. Todo mundo me conheceu como o Samuel que está sempre ali, mexendo em tudo", brinca.

Reprodução/Internet/es.dreamstime.com
(foto: Reprodução/Internet/es.dreamstime.com)

Sobre as determinações sociais que regem as formas dos jovens de aparentar e se comportar, seguindo padrões engessados, inflexíveis, pouco inteligentes e perigosos, Samuel as considera uma total falta de entendimento acerca da alteridade. "Presas a tudo isso, as pessoas não enxergam que cada indivíduo é único, pensa de modo único, que não tem como todo mundo ser igual. Mesmo porque se fôssemos todos iguais o mundo não ia para frente. Por isso é fundamental todo movimento que existe para a conscientização sobre o respeito às diferenças. E fica complicado quando isso não é internalizado. Quando se faz esse tipo de pressão sobre o jovem, pode acontecer uma insegurança difícil de se livrar depois, até a fase adulta, abalando o próprio desenvolvimento pessoal. É algo que te persegue pelo resto da vida."

Samuel irá cursar letras este ano - recebeu nota máxima no Enem. A influência vem do contato com o tio avô, o jornalista e escritor José Maria Rabêlo, que ele tem como espelho e inspiração. Samuel revela que ama escrever, parte central de sua vida. Por essa porta, também consegue colocar para fora todos os sentimentos sobre as adversidades que enfrentou, e também as ocasiões felizes e de aprendizado. "Não consigo viver sem escrever. Tive vários diários e com eles consigo expressar tudo isso. Assim como conversar com uma pessoa, com a escrita você conversa consigo mesmo. É muito bom para o crescimento", diz Samuel, que também deseja investir na música erudita como hobbie.

Tempo de aprendizagem
Medo do fracasso na puberdade costuma ser tão forte que muitas meninas deixam de aproveitar as oportunidades de desenvolvimento. Campanha estimula a autoconfiança

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a adolescência como o período compreendido entre os 10 anos e os 20 anos incompletos. O corpo começa a passar por um processo de maturidade na época da puberdade, que pode principiar entre os 8 e 13 anos para meninas, e entre os 9 e 14 anos para os meninos. Durante essas fases da vida, as crianças experimentam lentamente a transformação para o tempo adulto, em uma transição que engloba o desenvolvimento físico, emocional e comportamental. Não é possível cravar a idade certa para o início das mudanças - tudo acontece naturalmente, fruto das características individuais e das vivências de cada um.

Reprodução/Internet/Amigo Pai - WordPress.com
(foto: Reprodução/Internet/Amigo Pai - WordPress.com)

Com base em pesquisa sobre confiança e puberdade, há algum tempo a marca global líder em produtos para cuidados para mulheres e garotas Always promove campanhas sobre o universo feminino. O foco é auxiliar adolescentes a conquistar segurança, alterando sua percepção sobre os dissabores, tentando estimulá-las a abraçar derrotas como eixo da aprendizagem e evolução. Lançada em junho de 2014, a campanha #TipoMenina #LikeAGirl foi motivada pela percepção de que o início da puberdade e a primeira menstruação marcam o momento em que a autoconfiança das meninas está mais baixa e palavras negativas podem contribuir para essa queda.

A inspiração para o projeto vem de estudo que afere que metade das meninas se sentem paralisadas pelo medo do fracasso durante a puberdade. É uma sensação tão forte que muitas deixam de aproveitar oportunidades de crescimento importantes nesse período, como assumir desafios e tentar coisas novas. Segundo o levantamento, sete entre dez garotas evitam o novo por receio de 'escorregar'.

Os dados dão conta ainda de que 80% das adolescentes, diante da pressão para agradar os outros e serem perfeitas, temem incorrer em algum erro - 75% das entrevistadas concordam que as mídias sociais contribuem para esse sentimento. A pesquisa constata, por outra perspectiva, que perseverar, mesmo diante do fracasso, é atitude chave para aprender e desenvolver outras habilidades. O tópico da campanha é fazer do limão uma limonada - assumir o fracasso e lançar mão dele para impulsionar e fortalecer a autoafirmação, empoderando as jovens a seguir em frente. Quando começam a adentrar a idade adulta e percebem melhor o que ficou para trás, muitas meninas revelam que os percalços com os quais se depararam terminaram por ajudá-las a ser mais resilientes.

Resultados complementares deixam claro que os três principais ganhos obtidos pela maior positividade na hora de lidar com o fracasso são o aumento do conhecimento, da força e da confiança. O estudo também reitera a necessidade de as meninas receberem apoio da comunidade da qual fazem parte para efetivamente prosperar. Mais de 80% das garotas relatam que, se sentissem durante a puberdade que falhar é algo natural, continuariam fazendo as coisas que amam e assumiriam mais desafios.

LIMITAÇÕES

Em 2015, um outro estudo realizado pela empresa escancarou que 72% das meninas notam que a sociedade as limita quando lhes diz o que devem ou não ser. E mais da metade considera que as limitações impostas seriam iguais ou piores daqui a dez anos, mostrando falta de esperança em uma mudança. "Os dados apontados pela Pesquisa de Confiança e Puberdade de Always revelam que uma a cada duas meninas sente que, se falharem, a sociedade vai rejeitá-las. Isso é de partir o coração, além de ser alarmante", comenta Laura Vicentini, diretora de marketing de Always.

"Sempre faremos tudo o que pudermos para reformular o significado do fracasso como algo que não deve ser temido, mas algo crucial para o crescimento e construção da confiança. Nosso objetivo é criar um ambiente onde as adolescentes sintam que têm todo o apoio para tentar coisas novas, mesmo cometendo erros".

Em uma das ações da campanha, um vídeo abordou um grupo de meninas que foi acompanhado por um dia em sua rotina escolar. Passando por projetos na escola, ensaios de teatro até jogos de xadrez e outras atividades, elas foram observadas em situações da vida real, registrando o quão intenso pode ser o temor diante de falhas e como isso influencia na vida de cada uma. O propósito é que o material seja um estímulo para meninas do mundo inteiro a abraçar as frustrações como forma de aprendizagem. Desde o início, a pesquisa encabeçada pela Always ouviu, em média, pouco mais de 1 mil meninas entre 16 e 24 anos e cerca de 500 homens de 16 a 24 anos, em diferentes partes do planeta, sendo que, em outra ocasião, o questionamento abarcou também mulheres e homens na faixa dos 40 anos.

AGRESSÕES

O bullying era uma constante na vida colegial de Luiza Carvalho de Almeida, de 16 anos. Enquanto estudava na rede particular, diz que a primeira diferença em relação aos demais era o fato de não ter dinheiro. Meninos e meninas se organizavam em grupos, as chamadas "panelinhas", e Luiza não se via à vontade em nenhum deles. "Eu tinha algumas amigas, mas mesmo entre elas não me sentia tão incluída. Até que nos dávamos bem, porém nem sempre deu certo. Havia discordâncias de comportamento, quando aparecia algum problema a gente acabava batendo de frente", relata. "Sempre tive dificuldade de me enturmar. Era um medo de não ser aceita", acrescenta.

Luiza conta que, na infância, quando a ocupação principal era praticamente só brincar, as coisas eram mais fáceis, e ela preferia brincar sozinha. Mais tarde, a jovem considera a questão do sobrepeso o motivo central de ser alvo de agressões verbais e, muitas vezes, até físicas. "Me chamavam de tudo quanto é nome. Gordinha, baleia, feia, e vários outros termos. Prefiro esquecer". A reviravolta se deu quando Luiza mudou para uma escola pública, aos 13 anos, e se surpreendeu. Era um ambiente de respeito no quesito 'diferenças'. "Melhorou muito. Quando acontecia de alguém fazer bullying comigo, outros alunos me defendiam. Fiquei muito tempo sem ver os colegas da antiga escola. Às vezes encontrava na rua, mas eles fingiam não ver, cochichavam, e eu sabia que não era coisa boa".

Para a jovem, o bullying leva à insegurança, e por isso deve ser combatido. Afinal, tudo passa, a não ser que sejam experiências tão traumáticas que se tornem difíceis de serem elaboradas, o que pode encontrar reflexos negativos a longo prazo. "Minha vida seguiu. O que aconteceu ficou no passado, não guardo ressentimentos. Sou outra pessoa. Hoje confio em mim, tenho boa autoestima, sei que sou capaz. Sempre acreditei que se estudasse e batalhasse poderia construir uma boa vida no futuro. Aprendi uma lição. Tudo o que aconteceu serviu para me transformar em quem sou agora, e sou melhor por isso", diz.

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Clara Lessa, de 16 anos, conta que a ajuda da família e dos amigos foi fundamental no processo de autoaceitação (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

"Aprendi a pensar menos no que os outros pensam sobre mim e pensar no que é realmente importante para mim, para o meu autoconhecimento, para entender que sou como qualquer outro e, assim, procuro fazer o que me deixa forte e estar com quem me soma". Para Clara Lessa, de 16 anos, quando há imperativos por moldes predeterminados, invariavelmente o sofrimento é natural para quem não responde a padrões estéticos, de comportamento, etc, o que pode influenciar no próprio trato com as outras pessoas. Pela sua experiência, a redescoberta da sexualidade foi, em um primeiro momento, o significado de estar fora da caixinha. "Nesta época era tudo muito novo, foi difícil, vivi preconceito, me sentia fora do lugar".

Depois de vivenciar a pressão externa a ponto de se bloquear e se anular entre os demais, Clara encontrou representatividade, até mesmo pelos meios de comunicação, e passou a se aceitar. Ela conta que o apoio da família e dos amigos foi fundamental nesse processo, uma vez que o diálogo sempre foi aberto, carinhoso e sem imposições. "Nunca pensei que não seria aceita. Não falava nada, na escola, por exemplo, mas, pelo meu jeito de ser, as pessoas descobriram. Depois vi que existem outras pessoas como eu, percebi os outros, chamei para o convívio. Antes, havia o medo de como seria a vida dali para frente. Mas agora melhorei muito, sou segura de mim, feliz com quem eu sou", comemora Clara.

PADRONIZAÇÃO

Tulio Santos/EM/D.A Press
Vítima de bullying, Julia Trajano, de 13 anos, afirma que tudo mudou quando passou a não dar importância ao que os outros diziam (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
"Não sou magra, não tenho o cabelo liso e nem a aparência perfeita. Sou mais gordinha", diz sem papas na língua Julia Trajano de Lima, de 13 anos. Os problemas de ser mira de bullying já se esgotaram - eram mais comum quando a menina era mais nova. Mesmo assim, ela conta que foi afetada nessa época. "Ficava mal na hora e depois desabafava com minha mãe. Com o tempo isso mudou, a partir do momento em que passei a não dar mais importância para o que diziam meus colegas de escola".

Para Julia, a padronização em geral é cruel. São pressões, continua, esclarecida, que interferem na saúde psicológica das crianças e adolescentes que não conseguem se encontrar em moldes e não tem nada a fazer quanto a isso. "Deixa triste, pode ocasionar depressão, ansiedade, estresse, complicar até a vida adulta. Quando você já tem a autoestima baixa e vem alguém para reforçar isso, pode formar um adulto pior. Acredito que a pessoa deve se aceitar do seu jeito, olhar no espelho e se ver bonita, em qualquer situação", atenta Julia.

O MEDO DE FALHAR

DESTAQUES DA PESQUISA SOBRE CONFIANÇA E PUBERDADE ALWAYS (GLOBAL)

• Mais de metade das garotas perdem a confiança na puberdade

• 50% das meninas se sentem paralisadas pelo medo de falhar durante a puberdade

• Sete entre 10 meninas evitam tentar coisas novas durante a puberdade porque têm medo de falhar e 6 em cada 10 disseram que falhar durante a puberdade fez com que desejassem desistir

• Metade das meninas sentem que a sociedade rejeita meninas que falham

• Oito em cada 10 meninas relatam que a pressão social para agradar aos outros e para serem perfeitas é uma das principais contribuições para o medo do fracasso durante a puberdade

• 75% das entrevistadas concordam que as mídias sociais contribuem para o medo das meninas de falharem durante a puberdade

•. Os três principais ganhos sobre perseverar, mesmo com o fracasso, são aumento do conhecimento, da força e da autoconfiança

• Mais de 80% das entrevistadas concordam que, se as meninas achassem durante a puberdade que falhar fosse algo natural, elas continuariam fazendo as coisas que amam, assumiriam mais desafios e cresceriam com mais autoconfiança

A busca do equilíbrio
Receio de não se adequar ou ser excluído de grupos leva, muitas vezes, o jovem a seguir padrões impostos ou se rebelar. Estrutura familiar ajuda a lidar com cobranças

A tensão e a pressão que a sociedade embute nos indivíduos de uma maneira geral se inicia ainda na tenra infância, entre os 3 ou 4 anos, esclarece a psicanalista Cristiane Maluf Martin. É comum que isso aconteça na própria dinâmica familiar. "O buraco é mais embaixo. Quando o menino brinca de casinha ou boneca com a menina, ou quando a menina joga bola com os meninos, muitos dizem 'não pode, que aberração, onde já se viu?'. A partir da hora em que a criança sofre essa pressão, que continua na adolescência, se isso não for trabalhado, pode acabar formando um adulto problemático", alerta.

Arquivo Pessoal
"É importante, em muitos casos, procurar a psicoterapia ou outros meios de suporte médico, às vezes com a demanda de remédios para lidar melhor com a situação. Com autoconhecimento as pressões diminuirão" - Cristiane Maluf, psicanalista (foto: Arquivo Pessoal )
Mesmo que tenha havido mudanças nos últimos anos, muitos jovens preferem seguir padrões por temer represálias - têm medo de não se adequar, serem rejeitados, excluídos, às vezes ficarem por fora até do grupo do qual participam. Por outro ponto de vista, Cristiane explica que existem os dois lados da moeda. "Um grupo que tende a seguir modelos e outro que literalmente aperta a tecla do 'dane-se', não está nem aí, se atira de cabeça, é contra a sociedade, não quer saber de regras ou leis, segue a vida como melhor entender. Mesmo entre as classes médias e altas, para se sentirem enturmados podem inclusive cometer delitos. Entretanto, querendo ou não, qualquer ação tem uma consequência, ainda que não seja imediata. Nem ao céu, nem ao mar. Deve-se procurar o equilíbrio", orienta a psicanalista.

A profissional salienta que tamanha cobrança traz ao jovem um desconforto emocional, e muitas vezes acaba gerando transtornos de ansiedade, pânico, depressão e outros problemas - em casos extremos ele pode cometer suicídio, o que tem se tornado recorrente no Brasil entre pessoas de 15 a 25 anos. "Muitas vezes as questões surgem da busca pela felicidade a qualquer preço, sem medir o que pode acontecer. Em outro panorama, o da sociedade de consumo, está a exaltação do ter, não mais do ser. E isso mexe com a cabeça do jovem que, naturalmente, já vive uma época difícil, de transformações físicas e psicológicas. Até uma hora que dá um tilt", continua Cristiane.

Ela diz que, quando não há um acompanhamento, um acolhimento familiar, uma dinâmica familiar estruturada, é mais difícil para o jovem lidar com essas situações. "Ele pode acabar procurando outras fontes de satisfação na rua, como o uso de entorpecentes e drogas ilícitas". Uma outra forma de compreender porque muitos tomam atitudes extremas passa pelo aspecto de que, ao estabelecer metas muito altas, quase impraticáveis, fica fácil se decepcionar. "Não digo para os jovens se acomodarem, porém, mirando em metas mais ponderadas, quando elas não chegam é mais tranquilo de aceitar".

Para muitos a vida parece banal, acrescenta a psicanalista. Quando não consegue entrar para a faculdade, termina o namoro, não passa em uma entrevista de emprego, o jovem pode terminar usando isso para se desculpar, responsabilizar os outros e ultrapassar limites sérios. Se não estiver bem consigo mesmo, busca recursos para justificar o fato de não estar bem e, pensando que deve ser melhor em tudo, tem medo de fraquejar. "O jovem precisa aprender a fazer mais com menos. Usar os recursos próprios, intelectuais, não recursos externos, se encontrando consigo mesmo, sabendo que pode ser ele mesmo e fazer mais por si. Nunca esperar do outro essa contrapartida. Por isso é importante, em muitos casos, procurar a psicoterapia ou outros meios de suporte médico, às vezes com a demanda de remédios para lidar melhor com a situação. Com autoconhecimento as pressões diminuirão".

PSICOPATOLOGIAS

Reprodução/Internet/rivigrupo.wordpress.com
(foto: Reprodução/Internet/rivigrupo.wordpress.com)

Aproximadamente 30% dos jovens na faixa etária dos 14 aos 19 anos sofrem bullying constantemente. Diversos estudos relacionados ao tema reforçam que conviver com agressões físicas ou verbais no curso do período escolar pode ajudar no aparecimento de psicopatologias na vida adulta ou ainda na adolescência. Abrindo novos espectros de entendimento, pesquisa recente revelou que jovens com características de ansiedade apresentavam redução significativa em regiões do cérebro ligadas à regulação das emoções.

Levantamento publicado no jornal científico Molecular Psychiatry em dezembro de 2018 traz uma novidade: o bullying está diretamente ligado ao desenvolvimento do Transtorno da Ansiedade Generalizada (TAG).

A partir de exames de neuro imagem com 682 jovens vítimas de bullying, os pesquisadores descobriram uma redução significativa nos volumes do núcleo caudado e do putâmen esquerdos (áreas do cérebro que respondem pela entrada de informações que surgem do córtex motor e sensitivo e têm relação com os processo de aprendizado, comportamento e memória). Trata-se de um estudo pioneiro, o primeiro que identificou o elo entre marcadores biológicos no desenvolvimento de psicopatologias relacionadas ao bullying. A descoberta é que as alterações no volume do putâmen esquerdo estavam negativamente associadas à ansiedade generalizada. Além disso, os jovens com traços ansiosos apresentavam redução também no volume do núcleo caudado esquerdo.

Arquivo Pessoal
"Os efeitos das agressões físicas e verbais no ambiente escolar podem ser muito graves. Principalmente na adolescência, fase da vida em que as mudanças físicas e biológicas são intensas" - Thaís Quaranta, neuropsicóloga (foto: Arquivo Pessoal )
Investigações anteriores já apontavam uma redução no volume cerebral de adultos com transtornos mentais que sofreram abusos na infância, explica a neuropsicóloga Thaís Quaranta, coordenadora do curso de pós-graduação em Psicopatologia na Infância e Adolescência da APAE-SP. “As alterações atingem áreas do cérebro ligadas à regulação das emoções, controle da impulsividade e processamento da recompensa. Porém, este estudo mostrou que o bullying afeta outras estruturas e está diretamente relacionado ao desenvolvimento da ansiedade generalizada em jovens adultos”.

Na opinião da profissional, este estudo só confirma o que é visto na prática clínica. “Os efeitos das agressões físicas e verbais no ambiente escolar podem ser muito graves. Principalmente na adolescência, fase da vida em que as mudanças físicas e biológicas são intensas. Uma vez que as pesquisas comprovam os prejuízos do bullying para a saúde mental, é preciso achar recursos mais eficazes para combater esta prática”, reflete.

O quadro pode ser agravado principalmente pelo fato de que a maioria dos adolescentes sofrem calados, alerta a neuropsicóloga. “Expressar as emoções é uma habilidade que desenvolvemos ao longo da vida. Porém, na adolescência, falar sobre os sentimentos pode ser mais difícil, pois há uma introspecção maior. Assim, nem todos os pais conseguem perceber que o filho está passando por situações de bullying na escola. E a própria escola também pode não notar, já que muitas vezes é algo feito longe dos olhos dos educadores”, comenta.

Thaís pondera que a adolescência é a época mais complicada da vida de qualquer um. É quando os pais devem redobrar os cuidados, estar presentes, participantes da rotina escolar, familiarizados com os amigos, sem esquecer de delinear limites e regras e, muito além disso, praticar a escuta ativa. "Quanto mais próximos e presentes, mais fácil será constatar que há algo errado”, recomenda Thaís.

Se ainda assim não for possível perceber o porquê dos sinais de alerta, é indicado procurar um psicólogo especializado no atendimento de crianças e adolescentes. “Com uma pessoa neutra, pode ser mais fácil expressar as emoções e pedir ajuda. Outra dica é monitorar as redes sociais, já que os adolescentes passam horas na internet e o bullying também pode acontecer no ambiente virtual, o chamado cyberbullying”, cita a especialista. Por fim, a psicóloga afirma que é imprescindível que os pais orientem a criança na construção de boa autoestima e autoconfiança, reforçando sempre as conquistas, os pontos fortes e evitando comparações com irmãos ou colegas.

INCERTEZAS

Pedro Carvalho/Arquivo Pessoal
Por estar um pouco acima do peso, Teodoro Goulart Carvalho Silva, de 12 anos, conta que vem sofrendo bullying na escola (foto: Pedro Carvalho/Arquivo Pessoal )
Teodoro Goulart Carvalho Silva, de 12 anos, diz que não é confiante sobre si mesmo. Há cerca de um ano, vem sofrendo com o bullying por ser um pouco acima do peso. A questão se agrava porque ele se aflige diante da incerteza se isso vai melhorar, e revela não saber como agir. "Será que vou ficar assim para sempre? Vou continuar sendo bulinado? Isso vai parar?" Aconteceu em certas ocasiões de se sentir excluído. Na escola é chamado de gordo e, com isso, fala que sente uma raiva incontrolável e, ao mesmo tempo, tristeza. "Não posso descontar neles. Já reclamei várias vezes com os diretores da escola, mas não fazem nada. Também não me sinto à vontade para desabafar com meus pais", revela, inseguro, o garoto que frequenta a terapia há três meses em busca de uma solução. "Não consigo resolver e isso é uma fonte de sofrimento para mim", lamenta.

COMO IDENTIFICAR O BULLYING

Veja a lista com quatro sinais de alerta que podem indicar que a criança ou o adolescente está sofrendo bullying:

1) Queda repentina do desempenho escolar: há marcos importantes que podem afetar o desempenho escolar, principalmente as mudanças de séries. Entretanto, se este não for o caso, notas baixas e falta de motivação para estudar podem ser sinais de alerta para pais e educadores investigarem situações de bullying.

2) Recusa em ir para a escola: normalmente, crianças e adolescentes gostam de ir para a escola, já que interagem com os amigos, fazem as atividades, etc. Porém, se repentinamente há recusa em ir para a escola, é preciso apurar os motivos. Claro que nem sempre o bullying é a razão, mas há esta possibilidade. Portanto, vale à pena procurar entender melhor essa recusa.

3) Mudanças de comportamento: a instabilidade emocional é normal na adolescência, assim como o distanciamento dos pais e a maior necessidade de estar sozinho ou com os amigos. Porém, os pais devem ficar atentos quando há alterações bruscas de comportamento, que não faziam parte do repertório da criança/adolescente, como irritabilidade, agressividade, raiva alta, rebeldia extrema, choro constante, perda de apetite, isolamento acima do normal, excesso ou falta de sono.

4) Insatisfação com a aparência física: em muitos casos, o bullying está relacionado com características físicas, como peso, altura, tipo de cabelo, cor da pele, uso de óculos, etc. Quando o adolescente começa a mostrar uma insatisfação muito alta com a própria aparência, os pais devem ficar atentos. Pode ser apenas vaidade, mas também resultado do bullying. Nestes casos, baixa autoestima, complexo de inferioridade e excesso de comparações com colegas ou até mesmo com personalidades podem ser sinais vermelhos.

Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal )
Palavra de especialista - Sirlene Ferreira, psicóloga

Necessidade de pertencimento

"O jovem tem medo de ser rejeitado, de ser segregado. Sempre existiram padrões e grupos. Sabemos de estudos antropológicos e de psicologia clínica que mostram que a necessidade de pertencer é algo inerente ao ser humano. O homem é o único ser que precisa de socializar para sobreviver. Com o advento da tecnologia e das redes sociais, a propagação e divulgação desses padrões são praticamente instantâneas - alcançam jovens no mundo todo. Diferente de antes, quando, por exemplo, a informação do que era moda nos Estados Unidos demorava para chegar, hoje, estando no Brasil, você consegue rapidamente saber qual o corte de cabelo está em alta na Escócia. A globalização colabora para esse cenário. Tem seus aspectos positivos, mas para os jovens sem maturidade, sem maturação, pode também ser nociva. As mídias sociais acabam fazendo com que esses padrões se tornem exigências, e muitas vezes os jovens não dão conta de tantos modelos. Se a base familiar não for boa, se a família não for aberta à conversa, à convivência, se não for fácil interagir com pai e mãe para discutir, falar sobre tabus e paradigmas, o jovem pode sofrer negativamente com as pressões sociais - ao contrário, se essa compreensão existe, ele tira de letra. Vivemos uma contradição - pregamos a aceitação da diversidade, mas também exigimos a adequação em padrões. Adultos são mais esclarecidos, mas para os jovens isso pode ser difícil e fazer com que se percam. Não é à toa que o Brasil assiste hoje a muitos episódios de suicídio entre jovens. Muito estão se muitlando, cortam braços e pernas com faca, estilete. Há cinco anos atrás, isso não acontecia com tanta intensidade, não fazia parte da cultura latina."