De rei a plebeu, problema afeta sem distinção

Gagueira, que atinge 8 milhões de crianças no Brasil, pode repercutir seriamente na qualidade de vida de pequenos e adultos

por José Alberto Rodrigues* 22/10/2018 18:12
Wikimedia Commons
Atores Colin Firth e Helena Bonham Carter, em atuação no filme O discurso do rei (foto: Wikimedia Commons)

Gagueira: Se é difícil para um rei, imagine para um plebeu. Esta é a chamada para o filme O discurso do rei. O Príncipe Albert (Colin Firth) da Inglaterra deve ascender ao trono como rei George VI, mas ele tem um problema de fala. Sabendo que o país precisa que seu marido seja capaz de se comunicar perfeitamente, Elizabeth (Helena Bonham Carter) contrata Lionel Logue (Geoffrey Rush), um ator australiano e fonoaudiólogo, para ajudar o príncipe a superar a gagueira. Logue usa meios não convencionais para ensinar o monarca a falar com segurança.


Geralmente, a criança passa por situações constrangedoras, por ser gaga. O distúrbio de fluência da fala gera desconforto, vergonha e baixa autoestima. A condição se caracteriza por prolongamentos, bloqueios e/ou repetições de sons, sílabas ou palavras na fala.

A gagueira é uma desordem que acomete 5% da população mundial. No Brasil, afeta 8 milhões de crianças e 2 milhões de adolescentes e adultos. Numa comparação, d site do Instituto Brasileiro de Fluência, afirma que o número é maior do que a população da cidade do Rio de Janeiro. A prevalência da gagueira é de 1%, ou seja, cerca de 2 milhões de brasileiros gaguejam de forma crônica (há anos ou décadas), número superior à população de Manaus ou Curitiba. Mas, o que causa a gagueira? Tem cura? A gagueira é uma condição emocional? Como ela reflete na vida da criança?

De acordo com a fonoaudióloga Rafaela Lopez, do Conselho de Fonoaudiologia da 6ª Região (Crefono6), na criança em torno de 2 a 4 anos, existe a gagueira fisiológica, que ocorre porque o pequeno está querendo se expressar e ainda está em processo de aprendizado da língua. Como o pensamento não acompanha a fala, ela acaba repetindo, tendo bloqueios. "A maioria das crianças passa pela gagueira fisiológica. Os pais e familiares devem evitar ficar ansiosos, esperar a criança se expressar, não reforçar, para que os sintomas desapareçam", comenta. Muitas delas superam esse problema no período de alguns meses, mas 20% farão parte do grupo que terá a gagueira de forma crônica e persistente.


MOTIVOS A gagueira ocorre por motivos diversos. Podem ser psicológicos, por falta de especialização do hemisfério esquerdo para a linguagem, pela hiperativação do hemisfério direito, não dominante para linguagem, ou podem ser de origem genética e/ou neurológica. "A gagueira não tem cura, mas tem tratamento. O indivíduo e a família devem ter motivação e determinação para que os resultados positivos sejam alcançados", avalia.

O diagnóstico da gagueira deve ser realizado por fonoaudiólogo, por meio de protocolos e avaliações específicas, e consultas tanto na rede de saúde pública quanto na privada. "Cada criança tem o seu processo de estimulação de fala e não tem como prever quando a gagueira vai se manifestar. Ao notar os primeiros sinais, os pais devem procurar ajuda profissional", explica a fonoaudióloga. O tratamento é diferente para cada paciente e deve ser realizado por fonoaudiólogo especialista em fluência, que avaliará o caso.

A pessoa que gagueja deve ser repeitada acima de tudo. Caso ela note que o receptor da mensagem que está tentando passar está rindo ou tentando completar as frases, ela fica mais nervosa ainda. "Não ajuda o gago, o nervosismo, a ansiedade, a insegurança, pedir para não gaguejar ou pedir para respirar e falar devagar. Muitas vezes, por medo de gaguejar, eles acabam tendo situações frustrantes de comunicação", ressalta Rafaela Lopez.

Por isso, é preciso incentivar a participação da criança nos dias em que ela estiver mais fluente e, em sala de aula, expressar que terão o tempo que for necessário para responder. "Não criticar, reduzir a própria velocidade da fala quando for conversar com a pessoa que gagueja, fazendo pausas de maneira mais demarcada, também podem ajudar a criança", finaliza a fonoaudióloga.


MOVIMENTO Pensando na visibilidade para as pessoas gagas, hoje (22), todos os países celebram o Dia Internacional de Atenção à Gagueira (Diag). A data tem como principal objetivo apresentar à sociedade o que é e o que provoca a gagueira. Atrelada a isso, a campanha visa reforçar a ideia que de que a gagueira precisa ser entendida e respeitada por todos. Este ano, a temática nacional da Campanha é "Gagueira e Prevenção", na perspectiva de que quanto mais precoce for a detecção da gagueira, melhores serão os resultados terapêuticos fonoaudiológicos. O lema da campanha é "Gagueira não tem graça. Tem tratamento".

O Dia Internacional de Atenção à Gagueira foi criado em 1998, pela Internacional Fluency Association (IFA) e pela International Stuttering Association (ISA). Desde o início, o Brasil participou das comemorações, com diversas ações voltadas para as pessoas que gaguejam, para familiares, para profissionais e para a população em geral, por meio da Abra Gagueira, do IBF e do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica da Fluência e Distúrbios da Fluência da USP.

Saiba mais sobre a gagueira: www.gagueira.org.br



* Estagiário sob a supervisão da subeditora Elizabeth Colares