Vinagre ganha visibilidade, status de produto multifuncional e entra na moda até como dieta

Usado para várias finalidades, de benefícios à saúde até higienização de alimentos, saiba o que é verdade e o que é mito

por Lilian Monteiro 11/09/2018 17:15
Rawpixel/Pixbay
(foto: Rawpixel/Pixbay )

“Ahhhh, o vinagre. É bom pra tudo!” Escuta-se muito essa frase por aí. Mais uma “certeza” da sabedoria popular. Mas como tudo na vida, alto lá! “É para gargarejo, higieniza alimentos, ameniza roxidão de pancadas, trombadas ou topadas, ajuda a emagrecer, tira mancha, melhora a caspa, dá brilho ao cabelo, auxilia no tratamento do colesterol...” Será? Desconfie do que é bom para tudo. Nada é tão perfeito assim. Antes de sair usando, saiba os benefícios, as contraindicações, o que é certo e quais os mitos.

O médico endocrinologista e metabologista Hamilton Junqueira, professor de endocrinologia da Faculdade Ipemed de Ciências Médicas e membro titulado da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), afirma que as hipóteses de efeitos medicinais atribuídas ao vinagre remontam a centenas de anos. O próprio Hipócrates (Pai da Medicina) já fazia diversas afirmações acerca de suas propriedades medicinais. “Na medicina tradicional, ortodoxa, isso ainda não foi comprovado e, por isso, o vinagre nunca foi usado de forma consensual como coadjuvante em qualquer terapia médica.”

Hamilton Junqueira explica que o vinagre é ácido, devido à presença de ácido acético em sua constituição, e o uso indiscriminado pode aumentar a acidez estomacal e proporcionar, em indivíduos com predisposição a gastrites ou mesmo úlceras pépticas, uma piora do quadro.

Quanto à dieta que indica o uso do vinagre para perder peso, o médico é enfático: “Como foi falado, é ‘moda’, portanto, não procede o uso de vinagre como terapia principal ou mesmo coadjuvante no controle, prevenção ou no tratamento da obesidade”.

Para Hamilton Junqueira, a melhor maneira de consumir o vinagre é como tempero e complemento a uma boa salada e a outros alimentos: “Consumi-lo com intuito medicinal ainda é especulação e devemos ter cautela, principalmente se somos portadores de gastrites ou úlceras”, alerta novamente.

Para o professor da Ipemed, vivemos num mundo de informações globalizadas, gratuitas e oriundas de todas as fontes, confiáveis ou não, por isso, “em relação a tudo que se refira à nossa saúde, é imperioso que seja consultado o seu médico antes de tomar qualquer atitude de consumo, independentemente para qual finalidade seja. Sempre é bom lembrar que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose!”.

CABELO E RUGAS

Alexandre Namour/Divulgação
"Embora não exista nenhuma comprovação científica que faz com que possamos considerá-lo um produto %u2018dermatológico%u2019, o vinagre de maçã, por exemplo, tem uma acidez que se aproxima do pH original da pele e dos cabelos, que o torna um cosmético natural" - Fernanda Bartels, médica dermatologista da Clínica Eveline Bartels Dermatologia Estética (foto: Alexandre Namour/Divulgação)
A médica dermatologista Fernanda Bartels, da clínica Eveline Bartels Dermatologia Estética, e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), enfatiza que “embora não exista nenhuma comprovação científica que faz com que possamos considerá-lo um produto ‘dermatológico’, o vinagre de maçã, por exemplo, tem uma acidez que se aproxima do pH original da pele e dos cabelos, que o torna um cosmético natural”.

Fernanda Bartels destaca que o vinagre de maçã, devido ao seu pH ácido, age fechando as cutículas e acabando com o ressecamento e os fios quebradiços dos cabelos. “Ele também tem mais de 93 nutrientes em sua fórmula, principalmente a vitamina E, que deixa os fios mais brilhantes e sedosos. Pode misturar uma colher de sopa de vinagre no condicionador.”

O vinagre também é apontado como um antirrugas. A dermatologista lembra que o vinagre de maçã tem alta quantidade de alfa-hidroxiácidos, substância encontrada em muito cremes dermatológicos excelentes para clareamento e rejuvenescimento, que é poderosa na remoção de células mortas, além de combater os sinais de envelhecimento. Seu uso tonifica a pele e reduz a aparência das linhas finas e rugas.

As adeptas do vinagre falam de suas vantagens para as unhas. Fernanda Bartels conta que “existem tratamentos baseados em ácido acético (presente no vinagre de maçã) que regularizam a superfície da lâmina, por meio do equilíbrio do pH. Algumas medicações têm essa substância em sua fórmula. Essa regularização da superfície contribui para a fixação do esmalte. Agora, se a pele das unhas tiver qualquer inflamação, não aplique o vinagre. Ele pode piorar o quadro. Além disso, se a unha tiver qualquer alteração, procure um dermatologista”.

Fernanda Bartels confirma que o vinagre, por ter substâncias antifúngicas em sua composição, ao ser aplicado no couro cabeludo tende a diminuir a descamação da pele (caspa) e a oleosidade. Outra capacidade presente no vinagre, explica a dermatologista, é que devido à acidez que o produto tem, “ao ser aplicado na pele, pode reduzir a produção de óleo nos poros e com isso diminui o surgimento de cravos e espinhas. Além disso, tem uma substância chamada ácido málico que tem propriedades antibacterianas, antifúngicas e antivirais, ajudando na prevenção da acne e outras infecções de pele. Mas o produto deve ser diluído em água (uma colher de chá para cada 100ml de água). Essa diluição é fundamental, pois em caso de exposição ao sol, o produto pode causar manchas”.

Mas a receita básica e a mais segura, alerta Fernanda Bartels, é que, antes de adotar qualquer procedimento por conta própria, o ideal é procurar um profissional e pedir orientação específica para o seu tipo de pele e cabelo. “O uso do vinagre não é algo que eu costumo prescrever, porque trabalho com dermocosméticos e medicamentos, mas ao menos que você tenha alergia a vinagre, não faz mal.”

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Cinco perguntas para...
Antônia Ribeiro - professora do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de Juiz de Fora (ICB/UFJF)

1) Qual a definição de vinagre?

Vinagres são soluções aquosas com percentual de ácido acético variando entre 4% e 8%, obtidas a partir da fermentação alcoólica e subsequente fermentação acética de diversas fontes de carboidratos. O vinagre pode ser obtido a partir de praticamente qualquer alimento que contenha açúcares naturais. É um dos poucos condimentos ácidos usados no mundo. Com base em suas matérias-primas, podem ser considerados vinagres de grãos, como o sorgo, o arroz, o trigo ou outros, ou vinagres de frutas, como uvas ou maçãs. Todos são produzidos com diferentes matérias-primas, cepas de levedura e procedimentos de fermentação, dando a eles aromas e sabores únicos.

2) O vinagre tem muitos usos e não é só na alimentação...

Eles têm sido usados como remédios em muitas culturas e foram relatados por fornecer efeitos benéficos à saúde quando consumidos regularmente. Tais benefícios se devem a vários tipos de polifenóis, micronutrientes e outros compostos bioativos que contribuem para seus efeitos farmacológicos, entre eles, antimicrobianos, antidiabéticos, antioxidantes, antiobesidade e efeitos anti-hipertensivos. As propriedades funcionais dos vinagres têm sido revistas em vários artigos, mas esses relatos são focados em vinagres de frutas e não foram discutidos ingredientes funcionais além do ácido acético.Estudos recentes mostraram que vinagres contendo 0,1% de ácido acético efetivamente inibem o crescimento, in vitro, de patógenos de origem alimentar. Além disso, por imersão em qualquer vinagre de grãos ou frutas, por um curto período de tempo, bactérias patogênicas são erradicadas com sucesso de vegetais. Já a irrigação do canal auditivo com vinagre diluído tem efeitos positivos na otite e na miringite (inflamação da membrana do tímpano).

3) Procedem as propriedades antimicrobianas do vinagre?

Investigações científicas recentes demonstram claramente essas propriedades antimicrobianas do vinagre, principalmente no contexto da preparação de alimentos. Especialistas desaconselham o uso de preparações para tratamento de feridas. Da mesma forma, alertam contra o uso de vinagre como desinfetante doméstico contra patógenos humanos, porque os desinfetantes químicos são mais eficazes.

4) A nova moda é a dieta do vinagre. Ela contribui com a perda de peso?

Experiências em humanos provaram que a ingestão a longo prazo de vinagres de frutas pode reduzir o peso corporal, índice de massa corporal, colesterol total e níveis de triglicérides de pessoas obesas saudáveis. Já um grande número de estudos dietéticos em humanos mostrou que a ingestão de vinagres de frutas reduz significativamente os níveis de glicose após a ingestão de alimentos ricos em amido. Em dietas com altos índices glicêmicos, vinagres de maçã reduzem a concentração de glicose pós-prandial e a resposta à insulina, além de aumentar a saciedade. Contudo, em dietas de baixo índice glicêmico, os vinagres só podem reduzir a resposta à insulina pós-prandial e não influenciam significativamente a concentração da glicêmica. Em comparação com pessoas saudáveis, a ingestão de vinagre de maçã também aumenta a sensibilidade à insulina de pacientes com diabetes tipo 2 e na hora de dormir pode ajudar a controlar a concentração de glicose no sangue em jejum e prevenir o fenômeno da “diabetes matinal”.

5) É verdade que o vinagre auxilia também no tratamento de colesterol e câncer?

Experimentos em humanos (oito semanas) revelaram que o consumo de 30ml de vinagre de maçã duas vezes por dia pode reduzir significativamente o colesterol total, triglicerídeos e níveis de LDL de pacientes com hiperlipidemia e aumentar o conteúdo de HDL de maneira não significativa. Em outro estudo sobre os efeitos do vinagre, os níveis de triglicérides diminuíram significativamente em pessoas obesas que consomem 15ml de vinagre de maçã ao dia. Em termos de suas propriedades anticancerígenas, pesquisas mostram que alguns vinagres inibem fortemente o crescimento de células cancerígenas in vivo ou in vitro. No entanto, esses resultados foram obtidos, principalmente, a partir de experimentos em células ou animais, e a identidade do ingrediente funcional responsável permanece incerta, exceto pelo triptofol, presente no vinagre de soja preto japonês.