Teste instantâneo detecta zika e quatro tipos de dengue

O exame tem resultado em 20 minutos e evita a confusão entre as doenças, que causam efeitos similares no corpo. Segundo pesquisadores dos EUA, ele poderá ser usado no diagnóstico de outros flavivírus emergentes

por Paloma Oliveto 11/10/2017 14:52
Reprodução/Internet/European Biotechnology
(foto: Reprodução/Internet/European Biotechnology)

Há quase dois anos, o vírus zika se transformou em uma ameaça à saúde pública global, com milhares de casos que surgiram no Nordeste brasileiro, seguidos do nascimento de crianças com má-formação craniana e diversas deficiências físicas e cognitivas. Embora já tenha sido rebaixada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que não a considera mais uma emergência internacional, a doença não deixou de existir. Ao contrário, o levantamento mais recente do Ministério da Saúde mostra que, neste ano, houve 13.353 casos registrados no Brasil. É bem menos que em 2016: 205.578. Contudo, como toda epidemia, a zika está sujeita a ciclos descendentes e ascendentes.

A proximidade do verão, quando há proliferação do mosquito transmissor, é um lembrete de que a doença pode voltar. Daí a urgência de um teste rápido e de baixo valor que, além de fazer o diagnóstico preciso, não esteja sujeito à reatividade cruzada, ou seja, que não confunda a doença com outras semelhantes, como a dengue e a chicungunha. Até agora, esse exame não existe no mercado. Mas um estudo publicado na revista Science Translational Medicine mostra que, em breve, ele poderá estar disponível.

Liderada por Irene Bosh, virologista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a equipe de pesquisadores, que inclui brasileiros, desenvolveu um teste rápido e relativamente barato - US$ 5, a unidade - que detecta os quatro sorotipos da dengue, além do zika. “É importante ter um único teste que diferencie os quatro sorotipos da dengue e o zika porque eles cocirculam, eles são transmitidos pelo mesmo mosquito (o Aedes aegypti)”, observa Kimberley Hamad-Schifferli, professora de engenharia na Universidade de Massachusetts em Boston e coautora sênior do artigo.

Além de não ocorrer reação cruzada, o exame consegue identificar as proteínas virais a baixas concentrações, entre 4ng/ml e 21ng/ml, contra 75ng/ml exigidos pelos testes disponíveis hoje. Em 20 minutos, é possível saber se a pessoa está infectada por algum vírus e por qual deles.

Para checar a efetividade do exame, os pesquisadores de Boston recorreram a colegas de todo o mundo, que o testaram em amostras de sangue retiradas de pacientes e confirmaram que, de fato, ele é capaz de diferenciar o zika de outros vírus. No Brasil, esse trabalho foi realizado por cientistas de instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Internação

Kimberley Hamad-Schifferli explica que um dos maiores desafios na detecção do zika é que a maioria dos testes se baseia nos anticorpos fabricados pelo corpo que interagem com uma proteína do vírus chamada NS1. Quando ela é encontrada na corrente sanguínea do paciente, sabe-se que ele foi infectado. Contudo, muitos outros micro-organismos da família dos flavivírus têm versões parecidas da NS1, o que pode produzir o falso positivo. Além de zika e dengue, o vírus do Oeste do Nilo, o da chicungunha e o que causa a febre amarela pertencem a esse grupo.

Para lidar com o problema, os pesquisadores do MIT buscaram anticorpos que agem exclusivamente com a proteína NS1 produzida pelo zika, assim como anticorpos relacionados com cada um dos quatro sorotipos da dengue. No laboratório, expuseram ratos aos vírus da zika e da dengue e, então, investigaram a resposta imunológica deflagrada pelo organismo dos animais. Assim, conseguiram identificar pares de anticorpos que reagem apenas com a proteína do zika. “Sabíamos, por análises de informática, que, se olhássemos o suficiente e provocássemos o repertório das células B desses animais, acabaríamos encontrando esses anticorpos”, disse, em nota, Irene Bosch.

André Borges/Agencia Brasília
(foto: André Borges/Agencia Brasília)

Com o par de anticorpos devidamente identificado, os pesquisadores do MIT trabalharam para criar cinco testes (um para o zika e os restantes para os quatro sorotipos da dengue). O exame é feito em tirinhas que, mergulhadas em uma solução de nanopartículas de ouro, contendo amostra do sangue do paciente, conseguem detectar a infecção viral. Caso a proteína NS1 esteja presente, ela se gruda aos anticorpos presentes na tira de papel e, em 20 minutos, uma mancha azul aparece. Por ora, é preciso usar cinco tiras - uma por vírus - em cada paciente, mas os cientistas norte-americanos trabalham para unificar o exame.

Nas amostras coletadas em países como Brasil, Colômbia e México, que foram visitados pela equipe de Boston, os pesquisadores comprovaram que os resultados eram tão eficazes quanto os obtidos pelos testes de reação da polimerase em cadeia (PCR), que detectam o RNA viral. Apesar da acurácia, o PCR requer equipamentos laboratoriais caros, assim como pessoal treinado, o que nem sempre está disponível em áreas vulneráveis.

Por sua vez, as tirinhas de papel podem ser levadas para todos os lugares e o resultado não depende de nenhuma supermáquina para ser obtido. Cada tira foi produzida a US$ 5, o que se pode traduzir em bilhões de dólares quando se pensa em um número grande de pessoas sendo testadas. Contudo, os cientistas do MIT ponderam que, ao serem produzidas em larga escala comercialmente, esse preço cairá bastante. A equipe pretende que o teste seja capaz, em um futuro próximo, de detectar outros flavovírus emergentes, para que governos não sejam mais pegos de surpresa como ocorreu com a zika.

Diagnóstico ágil faz a diferença

“Ter um teste rápido de zika é fundamental, ainda que muita gente fique falando que a epidemia foi muito menor este ano. Somente 20% dos casos de zika têm manifestação clínica, como vai saber se foi menor se não tem o teste diagnóstico?”, questiona o infectologista Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue/Arboviroses (SBD-A). Além disso, ele lembra que doenças provocadas por vírus surgem em ondas epidêmicas. “Primeiro, o vírus é introduzido. Tem um início insidioso e, por volta do terceiro ano, atinge o ápice, até diminuir o número de casos. Foi o que aconteceu com a dengue: começou no Nordeste, atingiu o auge há dois anos e está decrescendo”, diz.

Contudo, ele destaca que essa é uma realidade nordestina: “No restante do país, estão sendo confirmados muitos casos. Nas regiões Centro-Oeste, em Minas Gerais e em São Paulo, a doença está na fase ascendente e o auge deve ser no ano que vem”, prevê. Como o mosquito Aedes aegypti transmite também o zika, não se pode descartar, segundo o médico, que esses locais sofram uma epidemia dessa doença entre 2018 e 2019. “Precisamos de um teste de zika o mais rápido possível”, insiste.

Escolha brasileira

No fim do ano passado, o Ministério da Saúde anunciou a compra de 3,5 milhões de testes rápidos de zika, produzidos no laboratório Bahiafarma, com tecnologia da sul-coreana Genbody Inc. Cada um custou R$ 34, sendo investido, no total, R$ 119 milhões. Porém, a comunidade científica criticou o fato de não terem sido publicados estudos atestando a eficácia do produto - apenas a Anvisa teve acesso aos resultados, para aprovação do kit.

Apu Gomes/AFP
Desde janeiro, foram distribuídos 1,2 milhão de unidades do exame para detectar zika no Brasil (foto: Apu Gomes/AFP)

“Mandei diversos questionamentos sobre esse teste para o ministério e jamais fui atendido. Não podemos mais ser atropelados por propaganda de governo, precisamos que as coisas sejam colocadas no caminho da ciência. Ter um teste de confiança é a trilha para lidar com uma epidemia o mais rápido possível. Mas duvido que (no Brasil) isso seja feito com a velocidade que a situação exige”, critica o presidente da SBD-A.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que, desde janeiro, foram distribuídos 1,2 milhão de unidades do exame. “Vale destacar que o gestor local deve solicitar os testes ao Ministério da Saúde, que repassa o quantitativo com base no número de casos notificados, e que as secretarias estaduais de Saúde (SES) são responsáveis pelo recebimento dos testes, armazenamento e distribuição desses para os municípios”, diz o texto.

Segundo o ministério, o teste disponibilizado serve como triagem de pacientes suspeitos e investiga se ele teve infecção recente ou antiga pelo vírus zika. “Por se tratar de um teste de triagem, o resultado reagente/positivo não é suficiente para confirmar o caso e encerrar a investigação. Nessa situação, será necessária a confirmação laboratorial por sorologia (ELISA IgM/IgG) ou pela biologia molecular (RT-PCR) em um dos 27 laboratórios centrais do país (Lacen).”

Neste ano, 24 mil testes sorológicos ELISA de zika foram enviados para seis Lacens do país. Até o fim de 2017, mais de 1,2 milhão de testes ELISA devem ser distribuídos, diz a nota. “Com relação às reações de biologia molecular (RT-PCR), 280 mil foram distribuídas para 26 laboratórios do país. Mais 220 mil devem ser enviadas até o fim do ano para todo o país.”