Dê uma pausa: meditação transforma a vida com bem-estar, equilíbrio emocional e saúde

Respire profundamente e solte o ar bem devagar. Repita o processo até entrar em um estado profundo de paz e tranquilidade. Meditar promove qualidade de vida, a positividade e melhora o autoconhecimento

por Regina Werneck 31/07/2017 14:32
Roberto Benatti/Divulgação
(foto: Roberto Benatti/Divulgação)

Pare. Sente-se da maneira mais confortável possível. Fique de olhos abertos. Respire profundamente. Solte o ar devagar e imagine que ele está tirando as impurezas do seu corpo. Mais uma vez. Segure um pouco. Solte. Concentre-se na respiração. Faça isso por 10 minutos, para começar, e vá aumentando o tempo. Faça isso todos os dias. Esse pode ser o início de uma profunda transformação na sua vida, proporcionando-lhe bem-estar, equilíbrio emocional e saúde. A meditação, prática milenar muito utilizada no Tibete, na Índia e na China, entre outros países do Oriente, ganha a cada dia mais adeptos no mundo todo. No Brasil, escolas de meditação têm surgido com força e ajudado as pessoas que estão em busca de alívio para o estresse causado pelo dia a dia.

Numa das definições dadas pelos dicionários, meditar é ficar em contemplação; outras dizem que é ‘esvaziar’ a mente; mas a técnica ajuda as pessoas a estar no presente, no lugar, focadas, favorecendo o autoconhecimento e a consciência plena. Do latim mederi, chegamos ao significado mais importante da prática: “tratar, curar, dar atenção médica a”. Amplamente divulgada nos últimos 40 anos no Ocidente, até mesmo por famosos, a meditação pode ser praticada por pessoas de todas as idades e classe social. Inclusive, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza a meditação desde 2006/2007, em todo o país. Ao contrário do que se pensa, meditar não é algo para ser feito só por quem tem ‘tempo sobrando’. Os adeptos, em sua maioria, são profissionais que passam o dia com muitas tarefas, mas que sentem necessidade de uma pausa de toda a loucura da vida para cuidar um pouco do próprio corpo e da saúde. Os benefícios são variados, sendo um grande preventivo para diversas doenças, além de ajudar a melhorar o foco e até aumentar a imunidade do corpo. Em algumas linhas, como aprendidas no Brahma Kumaris, a conexão que se tem com a meditação é espiritual, de experiência profunda. Então, vamos conhecer mais?

Inspiração para criar
Há exames que comprovam que o cérebro de um praticante de meditação fica muito mais ativado, o que causa um grande bem-estar geral, principalmente para a saúde

Janey Costa/EM/D.A Press
(foto: Janey Costa/EM/D.A Press)

Se, no fim da década de 1960, a meditação era uma prática considerada hippie, no início do século 21 chamou a atenção da ciência. Foi quando o neurocientista norte-americano Richard J. Davidson – autor de 20 livros, sendo um traduzido para o português (O estilo emocional do cérebro, 2012), formado em psicologia na Universidade de Havard e professor na Universidade de Wisconsin-Madison desde de 1984 – pesquisou a fundo o funcionamento do cérebro. Para tanto, acompanhou monges budistas enviados pelo dalai-lama, entre eles o bioquímico francês Matthieu Ricard, que abandonou tudo logo depois da conclusão do doutorado, para viver no Nepal como budista tibetano. O neurocientista descobriu, por meio de exames detalhados, que o cérebro de um praticante de meditação fica muito mais ativado e isso causa um grande bem-estar geral, principalmente para a saúde.

“Ele (Richard J. Davidson) verificou que é uma grande vantagem meditar porque a ativação ocorre no lobo pré-frontal esquerdo. E o que ele faz? Ele é que comanda o sistema límbico, o sistema das emoções – alegria, tristeza, medo, raiva e tudo mais – e ele faz a conexão de todo o cérebro. Além das emoções, as impressões, as atitudes, o lobo pré-frontal é (a parte do) o cérebro da razão, do foco, da positividade, da calma e da concentração”, explica a médica psiquiatra Sofia Bauer, que trabalha com o Mindfulness, uma das linhas da meditação de atenção plena, focada na respiração e utilizada por psicoterapeutas como terapia cognitiva.

“Quando uma pessoa é depressiva, ou tem transtorno de déficit de atenção, ou tem TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), ou ansiedade, ou compulsão alimentar, ela está com o outro hemisfério, o lobo pré-frontal direito, muito ativado”, continua a médica, e isso, segundo ela, é que causa todo o desequilíbrio, acarretando doenças diversas. A meditação, então, entra para ativar o lado esquerdo e ‘despertar’ a criatividade e a alegria, como já foi comprovado pelos cientistas.

“Daniel Goleman (psicólogo e jornalista científico) e Jon Kabat-Zinn (professor emérito de medicina na Universidade de Massachussets) passaram a meditar com Deepak Chopra (médico indiano radicado nos Estados Unidos, especializado em ayurveda – conhecimento médico de mais de 7 mil anos). Aí o Richard começou a estudar o que eles faziam e propôs que meditassem por dois meses para ver o que acontecia com o cérebro das pessoas.”

Roberto Benatti/Divulgação
Sofia Bauer, médica psiquiatra, diz que a meditação desperta a alegria e o prazer de viver (foto: Roberto Benatti/Divulgação)
Depois desse período, segundo Sofia Bauer, o neurocientista percebeu que o cérebro estava igual ao de um meditar tibetano. A conclusão é que, depois dos dois meses, as pessoas que participaram do experimento estavam muito mais calmas, mais focadas, mais inteligentes e criativas, menos deprimidas, menos ansiosas. “E com um detalhe: a imunidade tinha aumentado e a saúde melhorado”, afirma. “Quando eles começaram a descobrir tudo isso, ocorreu um boom no mundo!”, revela a médica. A consequência é que, a partir daí, ainda de acordo com ela, surgiram vários livros sobre o assunto e cursos, mesmo depois da rejeição inicial de alguns cientistas, que acabaram cedendo aos fatos.

PODER DA INSPIRAÇÃO

A linha da meditação de atuação da médica psiquiatra é a Mindfulness, que tem grande atenção na respiração. E a resposta para isso também é científica. De acordo com a médica psiquiatra, quando inspiramos devagar enchemos o pulmão e ele toca o diafragma, “que avisa ao nervo vago que tudo está bem e manda soltar o neurotransmissor, que é o contrário da noradrenalina, do medo, da agitação”. “E se o pulmão se enche, ele abraça o coração, e quando isso ocorre, o coração manda para o mesmo nervo (vago) a informação para o cérebro de que está tudo bem, que, por sua vez, começa a produzir o neurotransmissor do amor, da paz, da alegria, do bem-estar. Aí se tem o insight.”

“Existe uma história de mitologia que li há muitos anos sobre uma questão dos deuses. Onde eles iam colocar a criatividade, a resposta para aquilo que os homens queriam? Aí um disse: ‘Coloca embaixo do nariz, porque se ele (ser humano) fizer uma grande inspiração, ele vai se descobrir com uma ideia inspiradora’”, conta Sofia Bauer. “Noventa e nove por cento estamos no piloto automático: escovamos os dentes no piloto automático, tomamos café no piloto automático, trabalhamos no piloto automático. E 1% nós temos inspiração. Naquele momento em que estamos no banho, ou passeando em um parque, ou andando na praia, ou brincando com uma criança. O que foi esse momento? Inspiração. E isso ocorre porque pessoa respira devagar, e a inspiração vem”, completa.

Pensamento é tudo!

Por falta de conhecimento, muitas pessoas acreditam que para conseguir meditar é preciso parar de pensar. Um bom exemplo disso é o filme Comer, rezar e amar, estrelado pela atriz Julia Roberts no papel da jornalista norte-americana Elizabeth (Liz) Gilbert, que sai do país em busca do equilíbrio para sua vida. Ela viaja até a Índia para aprender a meditar. Lá, inicialmente, encontra muitas dificuldades, porque se distraía com pensamentos diversos. Isso é comum de ocorrer com iniciantes. A meditação não faz ninguém parar de pensar, porque isso é impossível. Então, como fazer?

De acordo com a médica psiquiatra Sofia Bauer e a coordenadora do Brahma Kumaris em Belo Horizonte Patrícia Carvalho, o segredo está na disciplina dos pensamentos. Quando se medita, a pessoa está procurando aliviar a mente de todo o estresse do cotidiano. A melhor maneira é focar, seja em algum objeto, seja na respiração, seja em alguma imagem que deixa o praticante mais calmo e concentrado. Em algumas linhas da meditação existem até mantras e sons que ajudam na concentração.

“Se a pessoa começar a se distrair, não tem problema. O pensamento vem mesmo, a gente não para a cabeça, mas é só voltar a se concentrar na respiração”, explica a médica. Para Patrícia Carvalho, se a pessoa consegue perceber que desconcentrou, já é um ganho. “Temos, em média, 50 mil pensamentos por dia. Nem todos são focados. Então, quando, no momento da meditação, a pessoa já sabe que ficou distraída e consegue voltar, ela está avançando.”

Onde tudo acontece?

Ao respirar calmamente, o pulmão se enche e, ao tocar o diafragma, o nervo vago é avisado de que está tudo bem. Quando o pulmão fica cheio de ar, ele 'abraça' o coração, que manda para o mesmo nervo vago a mensagem ao cérebro que pode liberar o neurotransmissor do bem-estar e do amor. No cérebro, tudo se processa no córtex frontal esquerdo

Como fazer?

» Procure um instrutor experiente para aprender a meditar, segundo a linha escolhida.

» Marque um horário para praticar diariamente e para ajudar a criar o hábito.

» Muitos aconselham começar aos poucos. O ideal é iniciar com 10 minutos e ir aumentando o tempo. Dessa maneira, aprende-se a focar e treina-se o cérebro a relaxar.

» Não tenha pressa e nem coloque um prazo para meditar como um monge budista. O ideal é que a prática seja relaxante. É sua saúde em jogo.

» Algumas linhas aconselham a sentar-se corretamente, para que o pulmão e o diafragma possam trabalhar bem.

» Ficar de olhos abertos também ajuda a manter a concentração. Vale até focar em objetos e pensar em mantras.

Benefícios

» De uma maneira geral, a meditação proporciona um bem-estar grande quando praticada regularmente, e a consequência é a redução ou supressão de remédios. Saiba o que você pode conseguir com a técnica.

» Fortalece os sistemas imunológico e nervoso

» Reduz o estresse e a ansiedade

» Combate a depressão, TOC e outros transtornos psicológicos

» Alivia as dores crônicas

» Diminui a frequência cardíaca e, consequentemente, o risco de infarto

» Reduz a insônia

» Diminui as compulsões - tabagismo, alcoolismo, drogas, alimento etc.

» Modera a pressão arterial

» Controla as crises de enxaqueca

» Estimula a concentração, a criatividade e a inteligência

» Aumenta o desempenho no trabalho

» Promove a longevidade

» Aumenta o bom humor

» Melhora a autoestima

» Proporciona o autoconhecimento, a positividade, a harmonia nas relações e coloca a pessoa em contato com a essência suprema.

Conexão entre corpo e mente
Autoconhecimento e, principalmente, a elevação dos sentimentos que preenchem o vazio da alma são alguns dos resultados para quem busca também a espiritualidade


Freeimage.com/Faycel Rokbani
(foto: Freeimage.com/Faycel Rokbani)

Uma das linhas da meditação, a raja ioga, que se concentra no desenvolvimento da mente, por exemplo, prima pela busca da espiritualidade maior. Isso ocorre quando, no momento de profundo foco, se sentem a paz e o amor, já explicado pela ciência. Adeptos têm encontrado essa ligação com ajuda da instituição Brahma Kumaris, movimento espiritual mundial iniciado na Índia, na década de 1930, que se espalhou por mais de 110 países. A organização foi fundada por Prajapita Brahma Baba, que escolheu colocar mulheres à frente da instituição. Em Belo Horizonte, a coordenação da casa, fundada em 1991 e que fica no Bairro Nova Granada, na Região Oeste, é feita pela dentista Patrícia Carvalho.

Freeimages.com/Dávur Eyo Unsson Sorensen
(foto: Freeimages.com/Dávur Eyo Unsson Sorensen)
“Existem quatro etapas: a primeira é a iniciação, quando a pessoa começa a praticar a meditação. Nessa fase, o pensamento foge, mas se aprende como trazer o foco de volta. A segunda é a tradução para os sentimentos, quando as pessoas conseguem ter percepções sensoriais – paz, calma, relaxamento e paciência, entre outros. A terceira etapa é a concentração e o praticante já consegue maior tempo e melhor foco. A quarta é a da semente, do silêncio, é o momento em que as pessoas conseguem se tornar aquele sentimento elevado, corporificando a paz e elas se sentem preenchidas com a experiência”, explica a coordenadora.

As pessoas buscam na organização a paz para os dias agitados e para se encontrar. É o caso da advogada Michelle Caroline da Cunha Pereira, de 27 anos. Ela trabalha em cartório e contou que, em 2014, teve uma doença neurológica. “A partir daí passei a refletir sobre a minha vida. Então, uma vizinha minha, que frequentava o Brahma Kumaris há uns 23 anos, me chamou para conhecer a instituição. Quando vim, achava que não podia pensar, mas aqui estou aprendendo a coordenar os pensamentos e me conectando com o divino. Agora, consigo meditar até deitada que não durmo. Fico completamente focada.”

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Michelle Caroline da Cunha se curou de problema neurológico depois de começar a fazer meditação (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
As mudanças também foram sentidas pelo engenheiro Atanásio Reis Filho, de 57. “Meu propósito sempre foi ser útil. Por isso, o Brahma Kumaris está sendo muito importante na minha vida, porque tenho desenvolvido o autoconhecimento, consigo ter mais autocontrole e sou mais dono de quem sou. Agora, reconheço que as coisas boas que estavam dentro de mim, de ver o lado bom das coisas, me deixaram mais amigável e carinhoso. Sinto mais que sou um ser de luz, sem rótulos religiosos”, revela o engenheiro.

APRENDIZADO

O depoimento foi compartilhado pela professora do ensino médio Graziela Izaga, de 51. “A meditação te dá as ferramentas necessárias para realizar mudanças na vida, te torna mais consciente da confusão, do caos em que ficamos sem perceber, te deixa mais inteiro, mais focado. Por conta disso, as coisas que antes me incomodavam, me afetam muito menos”, diz Graziela, que passou a praticar com seus alunos, com idades entre 11 e 18 anos. “Eles me perceberam muito mais paciente e mais calma, mais feliz, mais leve e me perguntaram o que estava fazendo. Isso mostra o tanto que a meditação consegue fazer, em tão pouco tempo. Aí expliquei e fiz a técnica com eles por cinco minutos. Hoje, eles me pedem, principalmente os mais velhos.”

Até para quem tem mais experiência, a meditação é eterno aprendizado. “Quando vim para cá, não cheguei com objetivo, vim aprender. Nos últimos três anos, me sinto mais autossoberana, mais responsável pela minha vida. Sinto que o passo é meu. Tudo isso graças à meditação. Mas sinto que tenho muito mais para aprender”, garante a empresária Maria Regina Sartori, de 52, que tem a companhia do marido, Mauro Sartori, de 58. “(Meditar) é encontrar a qualidade de vida dentro da gente e saúde, fazendo com que passemos a ter uma reação mais calma em relação à vida, dando uma nova percepção de que o mundo continua, mas que nossas reações mudaram. Além disso, a meditação faz render o tempo, porque não o gasto mais com coisas pequenas.”

Além dos cursos de meditação, a instituição oferece palestras e retiros espirituais. Em Minas, esses retiros ocorrem na Serra do Cipó, na Região Central do estado.

Prática nos hospitais públicos

O governo brasileiro disponibiliza a meditação para o Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2006/2007. De acordo com a assessoria de comunicação do Ministério da Saúde, a ação faz parte das Práticas Integrativas e Complementares, que acrescentam outras terapias, para levar melhoria aos pacientes de hospitais públicos. Mas o serviço é oferecido segundo os critérios da administração hospitalar e das secretarias estaduais e municipais de Saúde. Além disso, a pasta só incluiu os procedimentos há cerca de quatro meses, para acompanhar de perto os resultados da prática, portanto, ainda não há registros dos resultados.

Procurada, a Secretaria de Estado de Saúde informou, por meio da assessoria de imprensa, que “os municípios de Minas Gerais, em seu conjunto, oferecem à sua população diversas Práticas Integrativas e Complementares em sua grande maioria nas unidades básicas de saúde”, incluindo a meditação. “O cidadão pode ter acesso às práticas por meio das equipes da Atenção Básica, seja pelo encaminhamento dos profissionais ou pela adesão aos grupos que praticam algumas das terapias previstas. Sendo assim, o ente responsável pela oferta do serviço ao cidadão é o município”, informou a nota.

Já a Secretaria Municipal de Saúde explicou que há grupos de meditação em hospitais de Belo Horizonte, mas também não tem registros dos resultados.