É o contrário: parar de fumar diminui a ansiedade

Vencida a abstinência dos primeiros meses de cessação do tabagismo, os ex-fumantes usufruem de melhoras psicológicas. Estudos recentes indicam redução de sintomas depressivos e melhora subjetiva do bem-estar

por Paloma Oliveto 15/11/2016 09:00
 Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
"Eu continuo ansiosa porque sempre fui, mas, agora, estou muito menos. Em termos pessoais, o que mais me satisfaz é dar o exemplo dentro de casa" - Magali de Carvalho Ferreira, 57 anos, parou de fumar há dois anos e oito meses (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
A vontade de parar até que existe, mas o medo de sofrer é maior. E, assim, muitos fumantes vão adiando a decisão, temendo se sentir ansiosos, deprimidos e mal-humorados sem o cigarro. Porém, eles estão enganados. Pesquisas indicam que o que acontece é justamente o contrário. Se é verdade que nos primeiros três meses a síndrome de abstinência deixa os nervos à flor da pele, depois desse período, há um incremento significativo na saúde mental e na qualidade de vida.

No maior estudo sobre o tema, epidemiologistas britânicos fizeram um apanhado de 26 pesquisas que avaliaram os níveis de ansiedade, depressão e estresse, entre outros aspectos, em fumantes e ex-fumantes. No total, entraram dados de mais de 10 mil pessoas, as quais responderam a questionários sobre autopercepção da saúde mental antes de pararem de fumar e depois. Também participaram desses levantamentos tabagistas que não abandonaram o cigarro. No fim, os que largaram o vício afirmaram se sentir menos ansiosos, estressados e deprimidos e mais positivos, não só em relação ao que eram antes, mas em comparação aos que continuaram fumando. Isso foi verificado tanto na população em geral quanto entre os participantes que tinham algum transtorno mental diagnosticado.

Outro estudo, da Universidade de Wisconsin (EUA), chegou às mesmas conclusões. Os autores investigaram mudanças na percepção de satisfação com a vida um ano e três anos após o início da pesquisa, feita com 1,5 mil fumantes e ex-fumantes. “Os que conseguiram parar, em comparação aos que não, reportaram melhora subjetiva no bem-estar, o que pode motivar aqueles que se preocupam sobre como será a vida sem cigarros”, concluíram os pesquisadores.

Os motivos por trás desse incremento ainda não foram totalmente esclarecidos, embora os especialistas levantem algumas hipóteses. “Há várias questões. Por exemplo, o desconforto entre um cigarro e outro acaba. A pessoa consegue ver um filme inteiro sem sentir essa agonia, o que leva à melhora na qualidade de vida”, exemplifica a psiquiatra especialista em dependência química Helena Moura, idealizadora do programa Viva sem Cigarro, de Brasília. “Outra causa importante da baixa qualidade de vida é a insônia, e a nicotina afeta o sono”, diz.

O psiquiatra João Maurício Castaldelli, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e especializado em tabagismo, destaca a importância da chamada autoeficácia: “Quando você consegue vencer algo tão forte quanto o tabagismo, isso levanta a autoestima, e a diminuição da autoestima é justamente uma das mais fortes características da depressão”, afirma. Ele também explica que, recentemente, foi proposto que o uso crônico do tabaco pode desencadear sintomas depressivos. “Não é que o cigarro induza ao quadro depressivo completo, mas pode piorá-lo ou causar alguns sintomas.” Essa associação também é citada pelos pesquisadores do estudo britânico como uma das possíveis causas da melhora do bem-estar mental percebida pelos ex-fumantes.

A nova Magali
Depois de quatro décadas fumando, há dois anos e oito meses, a artesã Magali de Carvalho Ferreira, 57 anos, finalmente apagou  o último cigarro. Ela admite que não foi fácil. “Eu fumava dois maços por dia. Foi um caminho longo que tive de percorrer. Não dá para deixar a relação de uma vida que você tem com o cigarro de uma hora para outra”, diz. Para conseguir largar o vício, Magali participou de um programa oferecido pelo Hospital Universitário de Brasília (HUB), que está suspenso temporariamente. “Sou naturalmente ansiosa e, durante o tratamento, a médica responsável me deu ansiolítico e adesivo (de reposição de nicotina)”, conta.

Magali também  participou das reuniões, que incluíam terapia de grupo.  Em 25 de janeiro de 2014, jogou fora o último cigarro. Nos três primeiros meses, sofreu. “Eu continuo ansiosa porque sempre fui, mas, agora, estou muito menos. Em termos pessoais, o que mais me satisfaz é dar o exemplo dentro de casa para meus filhos de 26 e 31 anos. Hoje, fico pensando como eu podia fumar, parece que era uma outra pessoa.”

A psiquiatra Helena Moura, especialista em dependência química, explica que existe uma forte associação entre tabagismo e saúde mental. Pessoas que sofrem de transtornos como ansiedade e síndrome do pânico têm risco quatro vezes maior de fumar, comparadas à população em geral, e chance 25% menor de conseguir parar. “A explicação para essa associação ainda não está bem esclarecida. É possível que esses indivíduos valorizem mais o efeito do cigarro neles, seja de prazer, seja de melhora na concentração, por exemplo, ou que sofram mais com os efeitos da síndrome de abstinência. O medo de ter piora da depressão ou da ansiedade também pode ser uma barreira importante na hora de decidir parar de fumar”, diz.

Os profissionais de saúde costumam ser condescendentes nesses casos por acharem que os pacientes podem piorar, critica a médica. “Parece que não entendem a gravidade do tabagismo. Pacientes de esquizofrenia morrem, no geral, de 10 a 20 anos mais cedo que o restante da população. E até 90% deles fumam”, diz a psiquiatra. De acordo com a especialista, por mais difícil que seja, não é impossível parar de fumar mesmo sofrendo de depressão, ansiedade e outros problemas psíquicos. Nesses casos, o indicado é estabilizar primeiro esses sintomas e, quando o paciente tiver respondido bem ao tratamento, começar a intervenção voltada ao tabagismo.



Renata Marques de Oliveira - pesquisadora da USP

A senhora é autora de uma pesquisa que mostra que 35,6% dos pacientes de transtorno mental fumam, um percentual acima da  população brasileira em geral, que é 17,5%. O que pode explicar essa prevalência?

O cigarro foi utilizado, por muitos anos, nos hospitais psiquiátricos como forma de recompensar os “bons” comportamentos. Essa prática contribuiu para a disseminação do tabagismo entre os pacientes, que começaram a fumar incentivados por outros pacientes ou simplesmente para não se sentirem diferentes. O segundo fator está relacionado à sintomatologia dos transtornos mentais. Muitos pacientes começam a fumar como tentativa de aliviar os sintomas psiquiátricos, como a ansiedade e a depressão. No entanto, pesquisas mostram que a utilização do tabaco como forma de automedicação é ilusória, visto que ele agrava os sintomas. Um terceiro fator está relacionado à sensação de alívio dos efeitos colaterais dos medicamentos que muitas pessoas com transtornos mentais referem após fumar tabaco. Entretanto, a pessoa apresenta “menos” efeitos colaterais, não porque eles sejam aliviados, mas porque ela deixa de apresentar, na corrente sanguínea, a concentração do medicamento que seria necessária.

Para o fumante com transtorno mental, a experiência de tentar parar é mais difícil que a vivenciada pela população tabagista em geral?
Certamente. Além da dependência física do tabaco, que costuma ser mais intensa, muitos fumantes com transtorno mental apresentam também dependência psicológica do tabaco, considerando o cigarro como um amigo nos momentos de dificuldade. Além disso, a experiência de tentar parar de fumar pode ser mais difícil pela falta de apoio, tanto dos profissionais de saúde quanto dos familiares, que, muitas vezes, os incentivam a continuar fumando por receio de que o transtorno mental seja agravado com a retirada do tabaco. Embora isso não seja verdade, é uma crença de muitos profissionais e familiares.